16 de outubro de 2010

O meio e a mensagem


Notícia publicada na edição de 14/10/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h., Sorocaba

Converter a tecnologia em aliada de conhec imento relevante

é um desafio da sociedade contem porânea

Os resultados de duas pesquisas aproximam crianças e jovens do Brasil e dos Estados Unidos, o que talvez seja o indício de um fenômeno mundial. Dados do IBGE, divulgados no final de 2009, sobre acesso à internet e posse de telefone móvel para uso pessoal revelam, entre outros aspectos, que a comunicação entre as pessoas aparece na pesquisa como o principal motivo de uso dessas novas tecnologias, superando os fins educacionais e de aprendizado, que caíram para terceiro lugar. Estudo da Kaiser Family Foundation, lançado neste ano, mostra que a quantidade de tempo que a juventude norte-americana dedica aos media de entretenimento vem crescendo vertiginosamente. Atualmente, crianças e jovens entre 8 e 18 anos de idade dedicam uma média de sete horas e meia diárias (mais de 50 horas por semana) ao lazer oferecido nos meios de comunicação.

A pesquisa brasileira apresenta dados relevantes, porém se limita ao quantitativo. Não é proposta da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) analisar a fundo o comportamento do brasileiro, mas prover Governo e sociedade de insumos para análises desse tipo. Já o estudo norte-americano é mais minucioso e tem caráter, além de quantitativo, também qualitativo. Aponta, por exemplo, que o crescimento do uso dos meios de comunicação deve-se, em grande parte, ao acesso a aparelhos móveis, como telefones celulares e iPods. Para se ter uma idéia, nos últimos cinco anos período de análise da pesquisa, o número de crianças e jovens entre 8 e 18 anos de idade proprietárias de celulares saltou de 39% para 66%, enquanto o número de portadores de iPod e outros tocadores de MP3 passou de 18% para 76%. Resultado: os jovens dedicam mais tempo a ouvir música, jogar e assistir TV em seus celulares (total de 49 minutos diários) do que a conversar entre si (total de 33 minutos).

Também vale destacar, na pesquisa da Kaiser Foundation, que apenas 30% dos jovens entrevistados afirma ter regras quanto ao tempo que podem dedicar-se a assistir TV (38%), a jogar video games (30%) e a usar o computador (36%). Mas crianças cujos pais estabelecem limites gastam 3 horas a menos de tempo com mídia. O controle faz sentido. Ainda que o estudo não possa estabelecer uma relação de causa e efeito entre o uso dos meios de comunicação e as notas na escola, há diferenças entre os usuários mais e menos habituais: 47% dos usuários freqüentes afirmam ter notas regulares ou baixas na escola. Essa porcentagem cai para 23% entre os usuários menos frequentes.

Parece nítida, portanto, a importância da participação da família e da escola na orientação das crianças e jovens sobre a utilização das novas tecnologias de informação e comunicação. O problema talvez não esteja nem nos meios nem nas mensagens necessariamente, mas na capacidade de selecionar uns e outros tanto do ponto de vista quantitativo quanto do qualitativo, considerando-se, claro, que esses dois aspectos estão interrelacionados. Afinal, faz toda a diferença se o jovem despende 4 horas por dia diante do computador apenas jogando ou realizando pesquisas escolares ou mesmo conciliando ambos.

Converter a tecnologia em aliada de conhecimento relevante é um desafio da sociedade contemporânea. Quando se trata da formação intelectual de crianças e jovens, esse desafio pode ser ainda maior. O papel da escola é, portanto, fundamental. E isso envolve a própria inclusão e capacitação dos professores nas novas tecnologias, tanto no que diz respeito ao manuseio delas quanto à formação para extrair delas o melhor em termos pedagógicos. Para os estudantes, urge a criação de uma disciplina que contemple as novas tecnologias da informação e da comunicação o que são, o que representam, quais riscos apresentam, como utilizá-las adequadamente para se ter delas o melhor proveito. A idéia seria formar usuários mais conscientes e capazes de usufruir do melhor que há na TV, na Internet, nos aparelhos celulares. Há sites de busca e portais na Internet, por exemplo, que permitem o acesso a um sem-número de obras literárias e científicas sem custo para o navegador e que podem despertar nele o gosto pela leitura e pela escrita, algo nem sempre fácil junto a alguns jovens, sobretudo de comunidades carentes.

A Era do Conhecimento traz consigo exigências que a escola nem sempre consegue atender. A velocidade do mundo fora dos muros escolares às vezes deixa as instituições de ensino para trás. Não é de se espantar, portanto, que a educação esteja perdendo espaço para a comunicação interpessoal (ainda que essa também tenha grande importância) e o lazer na rede mundial de computadores ou que os livros fiquem empoeirados na estante enquanto os jovens disputam o último vídeo game. Esses podem ser indícios de que a escola esteja alguns passos atrás das casas e das ruas onde os estudantes encontram atrações irresistíveis para eles. A educação em ciências e tecnologia desde a infância pode ser uma saída para o aparente desinteresse nas salas de aula. Fechar os olhos para esse fenômeno é um risco que nenhuma sociedade pode e deve correr.

Jorge Werthein, doutor em Educação pela Stanford University, foi representante da Unesco no Brasil e é vice-presidente da Sangari Brasil.

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