5 de março de 2014

MATIAS SPEKTOR Contra a parede


Quem mais tem a perder se a Venezuela desandar de vez é o Brasil. Só que o problema não termina por aí

Esta é nossa crise internacional mais grave em muito tempo.
Se a economia venezuelana não for restaurada, as multinacionais brasileiras e o BNDES perderão mais do que mera margem de lucro.
Se a violência nas ruas continuar, o chavismo permanecerá dividido, deixando Maduro ainda mais refém dos militares aos quais acaba de entregar o ministério. A escalada autoritária resultante é capaz de paralisar a Unasul e afundar o que resta de Mercosul.
Quem mais tem a perder se a Venezuela desandar de vez é o Brasil.
Só que o problema não termina por aí.
Em meio a uma crise dessas dimensões, o governo brasileiro ficou sem bons instrumentos para reagir.
Por um lado, o Planalto descarta a possibilidade de censurar Maduro em público. Um gesto desses daria munição gratuita para o PSDB em pleno ano eleitoral. Além disso, enfraqueceria Maduro perante a oposição e diante daqueles chavistas graúdos que preferem vê-lo fora do poder.
Por outro lado, o Planalto tampouco tem condições de oferecer grandes incentivos para se fazer ouvir. Recursos para injetar na economia venezuelana não há. Capacidade política para promover o diálogo com a oposição, tampouco.
Na prática, sobram a conversa com Cuba e as declarações de Mercosul/Unasul. Tudo serve a Maduro, mas não lhe dá os meios para restaurar a economia nem a política.
Diante de uma ameaça real a nossos interesses, estamos contra a parede, sem opções. Para um país com dez vizinhos contíguos, esse é o pior dos mundos.
Reverter essa situação demandará criatividade.
Outro dia, o Tesouro de Obama sugeriu ao Ministério da Fazenda e ao Banco Central do Brasil iniciar um diálogo sobre cenários futuros caso a economia venezuelana colapse de vez.
A preocupação em Washington é que, por causa da crise, Maduro seja forçado a suspender a provisão de petróleo subsidiado a países como República Dominicana, Jamaica e Cuba, levando-os a uma crise econômica capaz de provocar instabilidade e novas levas de emigração.
Ao contrário do que o chavismo prega, nenhum centro de poder norte-americano hoje quer a saída de Maduro. O chavismo pode ser um estorvo, mas ele honra contratos. Além disso, a memória amarga de uma tentativa de golpe contra Chávez está viva, e o lobby antichavista em Miami perdeu força.
No entanto, quando a proposta americana de interlocução chegou, Brasília disse "não".


Nunca é demais lembrar que, na última grave crise do chavismo, Lula usou o Washington Post para alertar Chávez contra o abuso de autoridade. E quando ofereceu ao vizinho montar um grupo de países para facilitar o diálogo com a oposição, insistiu: só faria se os governos de direita dos Estados Unidos e da Espanha participassem do esquema. Sem isso, achava, os oposicionistas nem chegariam perto da mesa de negociação. A iniciativa brasileira funcionou.
FOLHA DE S.PAULO, 5/3/2014

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