Naercio Menezes Filho é professor titular - Cátedra IFB, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e professor associado da FEA-USP. Artigo publicado no Valor Econômico de hoje (26).
O Brasil precisa aumentar o número de pessoas com ensino superior completo. Em 2010 havia cerca de 10 milhões de graduados na população brasileira, que correspondiam a 10% da população adulta. No México essa taxa é de 15%, no Chile, 25%, a média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 30%, sendo que na Coreia e nos EUA os graduados formam 40% da população adulta. Como podemos aumentar o número de graduados no Brasil? Existe mesmo um apagão de mão de obra qualificada? Que tipos de profissionais são mais necessários hoje em dia?
Na verdade, é difícil afirmar que há um apagão generalizado de mão de obra qualificada no Brasil. O salário médio das pessoas com nível superior declinou na última década, passando de R$ 4.317 em 2000 para R$ 4.060 em 2010. Essa queda no salário real foi maior do que a observada entre os que completaram apenas o ensino médio cujo salário passou de R$ 1.378 a R$ 1.317). Se a demanda por graduados no ensino superior estivesse realmente crescendo a uma taxa superior à expansão da oferta, os diferenciais de salários nesse nível deveriam estar aumentando.
Dados de uma pesquisa recente (1) mostram que a diminuição dos diferenciais de salário do ensino superior na última década reflete a queda salarial ocorrida em algumas formações específicas, que tiveram grande aumento na proporção de formados. Essas profissões são: pedagogia, administração de empresas, enfermagem, turismo, farmácia, marketing, atuárias, comércio, terapia/reabilitação, engenharia eletrônica e de produção. Todas essas carreiras tiveram reduções salariais significativas ao longo da década, como resultado da grande expansão de oferta. Vale notar que, apesar dessas reduções salariais, ainda vale a pena cursar qualquer um desses cursos, já que o seu salário médio continua muito superior ao do ensino médio completo.
A grande expansão das matrículas nesses cursos atendeu aos anseios de muitas famílias da "nova classe média", que sonham com o diploma universitário como comprovante de sua ascensão social. A maior parte dos cursos nessas áreas são baratos, não necessitam de grandes investimentos em infraestrutura (como laboratórios de pesquisa) e oferecem um conteúdo menos técnico. Por isso a demanda é tão grande.
Por outro lado, outras profissões tiveram aumentos menores e até redução no número de formados atuando no mercado de trabalho. As principais são: medicina, odontologia, matemática, quase todas as engenharias, física, química, geologia, economia e ciências sociais. Nessas profissões o salário real aumentou significativamente, uma vez que a demanda pelos egressos aumentou mais rapidamente do que sua oferta. Ou seja, a sociedade está precisando de mais profissionais dessas áreas. Filosofia foi a única profissão em que o salário caiu juntamente com a redução da oferta.
Mas, por que não houve expansão maior de oferta nas profissões que pagam altos salários? O problema é que grande parte desses cursos são mais difíceis, mais caros e contam com entidades corporativistas que dificultam a abertura de novas vagas. O caso de medicina é emblemático. O médico é o profissional mais bem pago entre todas as profissões, com salário médio de R$ 8.340 em 2010, três vezes maior do que o dos filósofos. Entretanto, um curso típico de medicina dura seis anos, além do período de residência que o médico deve cursar para tornar-se especialista. A mensalidade média de um curso de medicina no estado de São Paulo é de R$ 4.200, valor que poucas famílias brasileiras teriam condições de pagar sem acesso a crédito.
Por fim, entidades de classe frequentemente criam novos exames para os formados e dificultam a abertura de novos cursos, com o argumento de que é necessário zelar pela formação dos médicos. Assim, o número de médicos cresceu apenas 9% na última década, enquanto o total de graduados cresceu 97%. Enquanto isso, pessoas adoecem e morrem de doenças facilmente tratáveis pelo país afora. O mesmo ocorre com conselhos e ordens de outras profissões que estão em alta.
Outro aspecto importante, que diminui o ingresso nas profissões mais técnicas é a baixa qualidade da educação básica, principalmente em matemática e ciências. Como se sabe, o aprendizado nas escolas públicas brasileiras está entre os piores do mundo. As deficiências de aprendizado vão se acumulando ao longo do ensino básico, fazendo com que o jovem, ao concluir o ensino médio, tenha poucas condições de acompanhar um ensino superior de qualidade em engenharia, por exemplo.
Além disso, vários profissionais acabam trabalhando em ocupações diferentes de sua área de formação. Apenas 10% dos formados em economia, por exemplo, trabalham efetivamente como economistas. No caso das engenharias, essa proporção varia de 30% e 50%, mas aumentou na última década. Além disso, o diferencial de salário para os engenheiros que trabalham em ocupações típicas de engenharia também aumentou. Isso significa, por exemplo, que a sociedade está precisando de mais engenheiros construindo obras do que trabalhando no mercado financeiro.
Em suma, o Brasil precisa ter mais pessoas formadas em medicina e nas ciências exatas. Para que possamos fazer isso é necessário melhorar a qualidade da educação básica; aumentar o crédito estudantil privilegiando essas áreas; facilitar a imigração de profissionais de outros países e evitar que entidades de classe dificultem o processo de expansão de vagas e o exercício profissional dos alunos egressos dessas carreiras.
Referências:
1. "Apagão de Mão de Obra Qualificada? As Profissões e o Mercado de Trabalho Brasileiro entre 2000 e 2010", Centro de Políticas Públicas do Insper e Brain Brasil Investimentos e Negócios.
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26 de outubro de 2012
As profissões e o mercado de trabalho, artigo de Naercio Menezes Filho
Postado por
jorge werthein
às
18:09
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