Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - 22/10/12 Jurema Machado: %u201CTemos aqui (em Brasília) um sítio de grande porte em processo de desenvolvimento%u201D |
Apesar dos investimentos de R$ 300 milhões em 2013, o instituto sofre com a saída de profissionais por conta dos salários pouco atrativos
Nahima Maciel, Correio Brasiliense, 29/10/2012
O caminho do Iphan em 2013 passa pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pelo diálogo com o Governo do Distrito Federal e pela necessidade de enfrentar a redução no corpo técnico do órgão, devido à pouca atratividade da carreira. Além disso, a falta de profissionais gabaritados para trabalhar com preservação no Brasil vai afetar as obras do PAC: o programa injetará R$ 300 milhões em cidades históricas, mas o mercado brasileiro padece da escassez de profissionais da área. São problemas com os quais a nova presidente do órgão, Jurema Machado, precisará lidar. Ao assumir o cargo em setembro, a arquiteta adotou a palavra continuidade para explicar como será sua gestão. Ela substitui Luiz Fernando de Almeida a convite da ministra da Cultura, Marta Suplicy. "Meu objetivo é consolidar os avanços que já foram feitos. Não tenho nenhuma expectativa ou crítica no sentido de alterar a direção que vem sendo dada ao Iphan", garante.
O próximo ano será movimentado para o Iphan. O PAC das cidades históricas tem um total de investimento em obras seis vezes maior que a média anual. A lista das cidades beneficiadas e as ações a serem realizadas ainda não estão fechadas, mas a intenção é montar o programa de acordo com um levantamento de necessidades realizado pelo Iphan entre 2008 e 2011. Serão privilegiados projetos guiados pelo binômio recuperação-desenvolvimento. "Não serão apenas ações estritas, específicas do patrimônio, mas outras mais abrangentes do ponto de vista do desenvolvimento urbano. Não só ações físicas mas aquelas relacionadas com o desenvolvimento local, com capacitação e valorização do patrimônio imaterial", avisa Jurema, que deixou a Coordenação de Cultura da Unesco no Brasil para presidir o órgão.
Como vai funcionar o PAC das cidades históricas? Ele pode sofrer contingenciamento?
O PAC representa o tema do patrimônio inserido em um conjunto de estratégias de desenvolvimento do país. Ainda que não houvesse um centavo, isso já seria por si muito relevante. As cidades e as ações vão ser definidas a partir de um trabalho que o Iphan fez entre 2008 e 2011, identificando em cada cidade histórica um conjunto de prioridades articuladas em torno de um projeto de desenvolvimento local. Também vão ser considerados temas de relevância, urgência e da própria capacidade de execução para 2013. O que distingue o PAC dos demais é que não está sujeito ao contingenciamento. Ele tem garantia maior de execução e a possibilidade de ações plurianuais. Isso dá uma flexibilidade e uma segurança muito grandes. E, na hipótese de acordos com os municípios, não há a exigência de contrapartidas locais. Claro que a contrapartida seria extremamente desejável, porque as ações do patrimônio só se completam com as ações de movimento e infraestrutura urbanos.
O Iphan tem levado puxões de orelha da Unesco por conta dos relatórios referentes, especialmente, ao tombamento de Brasília. Como consertar as distorções nesse ponto?
O caso de Brasília é complexo porque é um problema de gestão. Temos aqui um sítio de grande porte em processo de desenvolvimento. É uma área muito dinâmica, que tem uma gestão distrital legítima, mas que tem que conviver com um conjunto de normas vindas do poder federal que dizem respeito às diretrizes macro da preservação. Estabelecer um modus operandi compatível entre essas duas instâncias é o grande desafio. O Iphan se vê, muitas vezes, trabalhando de forma reativa. Tenho a expectativa de que possamos estabelecer uma forma com menos solavanco para essa gestão. Brasília já teve uma instância de análise de projetos quando havia imprecisões ou indefinições na portaria de gestão do patrimônio, inclusive na legislação distrital, e isso funcionou razoavelmente bem durante muito tempo. A tentativa hoje é regulamentar essa experiência acumulada através do Ppcub (Plano de Preservação do Centro Urbano de Brasília), mas o Iphan tem uma série de questões a definir melhor com o GDF porque são identificados pontos de conflito.
O GDF não faz o suficiente em relação à conservação do patrimônio?
Muito menos que o necessário. E é bom lembrar que o GDF são muitos. Você tem a área de transporte, a parte do solo, as regiões administrativas. Tem várias instâncias, todas elas com interface com o Iphan, então não é simples, tem que ser mais harmônica. A gente precisa perseguir o que está no relatório da Unesco. Esse tema parece um pouco abstrato porque todo mundo pensa no puxadinho, na orla do Lago e em temas muito concretos. Mas quaisquer desses temas têm, como pano de fundo, esse problema. Se a gente não tratar esse problema, vamos estar sempre correndo do prejuízo.
A especulação imobiliária é uma ameaça para Brasília?
Sem dúvida. Há uma constante pressão por adensamento e por ocupação das áreas mais valorizadas. O metro quadrado é caríssimo, é uma cidade que exerce enorme atração sobre o capital imobiliário, o que não é, por definição, um mal, desde que ele seja compatibilizado com as diretrizes maiores da cidade. A preservação interessa, inclusive, ao próprio capital imobiliário, porque é justamente pelos valores que a cidade tem que ela é tão atraente. Não é só porque aqui está a sede do governo. Hoje, por exemplo, há um excesso de densidade de usos não residenciais no Plano Piloto. As atividades econômicas e as atividades relacionadas com a administração pública estão concentradas aqui e geram esse movimento pendular do transporte e todos os problemas de circulação, de estacionamento, além dessa tentativa permanente de avanços sobre áreas verdes. Agora, é bom pensar que foi justamente essa qualidade que gerou o preço tão alto do metro quadrado e os lucros para o empreendimento imobiliário.
A carreira no Iphan deixou de ser atrativa? Quase metade do quadro de servidores admitidos em 2009 deixou o órgão?
Do ponto de vista da carreira, o Iphan, de fato, tem uma situação salarial abaixo da média dos órgãos do governo federal com perfis semelhantes. É uma situação que vem sendo avaliada, já temos estudos para um plano de carreira mais adequado para o nível de especificidade requerido aqui. O plano de carreira está concluído e foi feito com acompanhamento de uma comissão interna para a situação específica do Iphan. Mas ainda não encaminhamos esse plano nem para o MinC nem para o Planejamento. Com relação a isso, não tenho nenhuma sinalização, até porque não fizemos nenhuma entrega do projeto ao ministério.
Nos projetos em que é necessária a terceirização, o Iphan tem enorme dificuldade em encontrar profissionais especializados? O que acontece?
Isso é verdade tanto do ponto de vista de arquitetos quanto da expertise na execução de obras por empresas especializadas e profissionais chamados de mestres de ofício, que conhecem os ofícios tradicionais. Em ambos os casos, o Iphan teve um papel mais relevante no passado. O mercado nessa área foi muito reduzido ao longo dos anos por causa do baixo investimento. Os cursos de arquitetura valorizam muito o projeto e o contemporâneo sem uma preocupação maior com esse diálogo, que acaba sendo obtido só em cursos de formação. E eles são pouquíssimos no Brasil. Há lacunas de formação em todos os níveis. E lacunas de empresas com qualidade. É uma situação com a qual vamos nos defrontar quando tivermos que executar as obras do PAC em grande escala pelo Brasil afora.
"A preservação interessa, inclusive, ao próprio capital imobiliário, porque é justamente pelos valores que a cidade tem que ela é tão atraente"
Nahima Maciel, Correio Brasiliense, 29/10/2012
O caminho do Iphan em 2013 passa pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pelo diálogo com o Governo do Distrito Federal e pela necessidade de enfrentar a redução no corpo técnico do órgão, devido à pouca atratividade da carreira. Além disso, a falta de profissionais gabaritados para trabalhar com preservação no Brasil vai afetar as obras do PAC: o programa injetará R$ 300 milhões em cidades históricas, mas o mercado brasileiro padece da escassez de profissionais da área. São problemas com os quais a nova presidente do órgão, Jurema Machado, precisará lidar. Ao assumir o cargo em setembro, a arquiteta adotou a palavra continuidade para explicar como será sua gestão. Ela substitui Luiz Fernando de Almeida a convite da ministra da Cultura, Marta Suplicy. "Meu objetivo é consolidar os avanços que já foram feitos. Não tenho nenhuma expectativa ou crítica no sentido de alterar a direção que vem sendo dada ao Iphan", garante.
O próximo ano será movimentado para o Iphan. O PAC das cidades históricas tem um total de investimento em obras seis vezes maior que a média anual. A lista das cidades beneficiadas e as ações a serem realizadas ainda não estão fechadas, mas a intenção é montar o programa de acordo com um levantamento de necessidades realizado pelo Iphan entre 2008 e 2011. Serão privilegiados projetos guiados pelo binômio recuperação-desenvolvimento. "Não serão apenas ações estritas, específicas do patrimônio, mas outras mais abrangentes do ponto de vista do desenvolvimento urbano. Não só ações físicas mas aquelas relacionadas com o desenvolvimento local, com capacitação e valorização do patrimônio imaterial", avisa Jurema, que deixou a Coordenação de Cultura da Unesco no Brasil para presidir o órgão.
Como vai funcionar o PAC das cidades históricas? Ele pode sofrer contingenciamento?
O PAC representa o tema do patrimônio inserido em um conjunto de estratégias de desenvolvimento do país. Ainda que não houvesse um centavo, isso já seria por si muito relevante. As cidades e as ações vão ser definidas a partir de um trabalho que o Iphan fez entre 2008 e 2011, identificando em cada cidade histórica um conjunto de prioridades articuladas em torno de um projeto de desenvolvimento local. Também vão ser considerados temas de relevância, urgência e da própria capacidade de execução para 2013. O que distingue o PAC dos demais é que não está sujeito ao contingenciamento. Ele tem garantia maior de execução e a possibilidade de ações plurianuais. Isso dá uma flexibilidade e uma segurança muito grandes. E, na hipótese de acordos com os municípios, não há a exigência de contrapartidas locais. Claro que a contrapartida seria extremamente desejável, porque as ações do patrimônio só se completam com as ações de movimento e infraestrutura urbanos.
O Iphan tem levado puxões de orelha da Unesco por conta dos relatórios referentes, especialmente, ao tombamento de Brasília. Como consertar as distorções nesse ponto?
O caso de Brasília é complexo porque é um problema de gestão. Temos aqui um sítio de grande porte em processo de desenvolvimento. É uma área muito dinâmica, que tem uma gestão distrital legítima, mas que tem que conviver com um conjunto de normas vindas do poder federal que dizem respeito às diretrizes macro da preservação. Estabelecer um modus operandi compatível entre essas duas instâncias é o grande desafio. O Iphan se vê, muitas vezes, trabalhando de forma reativa. Tenho a expectativa de que possamos estabelecer uma forma com menos solavanco para essa gestão. Brasília já teve uma instância de análise de projetos quando havia imprecisões ou indefinições na portaria de gestão do patrimônio, inclusive na legislação distrital, e isso funcionou razoavelmente bem durante muito tempo. A tentativa hoje é regulamentar essa experiência acumulada através do Ppcub (Plano de Preservação do Centro Urbano de Brasília), mas o Iphan tem uma série de questões a definir melhor com o GDF porque são identificados pontos de conflito.
O GDF não faz o suficiente em relação à conservação do patrimônio?
Muito menos que o necessário. E é bom lembrar que o GDF são muitos. Você tem a área de transporte, a parte do solo, as regiões administrativas. Tem várias instâncias, todas elas com interface com o Iphan, então não é simples, tem que ser mais harmônica. A gente precisa perseguir o que está no relatório da Unesco. Esse tema parece um pouco abstrato porque todo mundo pensa no puxadinho, na orla do Lago e em temas muito concretos. Mas quaisquer desses temas têm, como pano de fundo, esse problema. Se a gente não tratar esse problema, vamos estar sempre correndo do prejuízo.
A especulação imobiliária é uma ameaça para Brasília?
Sem dúvida. Há uma constante pressão por adensamento e por ocupação das áreas mais valorizadas. O metro quadrado é caríssimo, é uma cidade que exerce enorme atração sobre o capital imobiliário, o que não é, por definição, um mal, desde que ele seja compatibilizado com as diretrizes maiores da cidade. A preservação interessa, inclusive, ao próprio capital imobiliário, porque é justamente pelos valores que a cidade tem que ela é tão atraente. Não é só porque aqui está a sede do governo. Hoje, por exemplo, há um excesso de densidade de usos não residenciais no Plano Piloto. As atividades econômicas e as atividades relacionadas com a administração pública estão concentradas aqui e geram esse movimento pendular do transporte e todos os problemas de circulação, de estacionamento, além dessa tentativa permanente de avanços sobre áreas verdes. Agora, é bom pensar que foi justamente essa qualidade que gerou o preço tão alto do metro quadrado e os lucros para o empreendimento imobiliário.
A carreira no Iphan deixou de ser atrativa? Quase metade do quadro de servidores admitidos em 2009 deixou o órgão?
Do ponto de vista da carreira, o Iphan, de fato, tem uma situação salarial abaixo da média dos órgãos do governo federal com perfis semelhantes. É uma situação que vem sendo avaliada, já temos estudos para um plano de carreira mais adequado para o nível de especificidade requerido aqui. O plano de carreira está concluído e foi feito com acompanhamento de uma comissão interna para a situação específica do Iphan. Mas ainda não encaminhamos esse plano nem para o MinC nem para o Planejamento. Com relação a isso, não tenho nenhuma sinalização, até porque não fizemos nenhuma entrega do projeto ao ministério.
Nos projetos em que é necessária a terceirização, o Iphan tem enorme dificuldade em encontrar profissionais especializados? O que acontece?
Isso é verdade tanto do ponto de vista de arquitetos quanto da expertise na execução de obras por empresas especializadas e profissionais chamados de mestres de ofício, que conhecem os ofícios tradicionais. Em ambos os casos, o Iphan teve um papel mais relevante no passado. O mercado nessa área foi muito reduzido ao longo dos anos por causa do baixo investimento. Os cursos de arquitetura valorizam muito o projeto e o contemporâneo sem uma preocupação maior com esse diálogo, que acaba sendo obtido só em cursos de formação. E eles são pouquíssimos no Brasil. Há lacunas de formação em todos os níveis. E lacunas de empresas com qualidade. É uma situação com a qual vamos nos defrontar quando tivermos que executar as obras do PAC em grande escala pelo Brasil afora.
"A preservação interessa, inclusive, ao próprio capital imobiliário, porque é justamente pelos valores que a cidade tem que ela é tão atraente"
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