O Globo, 26/10/2012
Nesta série de artigos que tenho escrito no GLOBO acerca da Previdência, abordei em ocasiões anteriores a questão do salário mínimo; a necessidade de adotar novas regras de aposentadoria para os jovens que ingressarem no mercado no futuro; a importância de transição para aqueles que já estão trabalhando; o aumento da idade de aposentadoria; as diferenças de gênero; a extensão do período contributivo de quem se aposenta por idade; o tema das pensões; e a aposentadoria rural. Hoje tratarei de um assunto delicado: a aposentadoria dos professores.
Esclareço, inicialmente, que penso que poucas profissões são tão importantes quanto a do professor para a formação do ser humano. Em minhas palestras, gosto muitas vezes de citar a frase de um ilustre argentino do século XIX que, depois de ter sido presidente da República, foi nomeado reitor da universidade e começou o discurso de posse nos seguintes termos: “Fui promovido.”
Dei aulas durante 15 anos e me sinto um professor. O ponto que está em discussão é se há ou não razões para que as regras de aposentadoria desse profissional sejam diferentes em relação às que regem as demais profissões, como ocorre atualmente.
Ortega y Gasset dizia que “na política há apenas circunstâncias históricas. São elas que definem o que deve ser feito”. Na Grécia, as circunstâncias definiram a necessidade de adotar medidas dramáticas, em função da impossibilidade de honrar o contrato social prévio. As ideias que defendo visam a uma mudança suave das regras adotadas no país, para evitar um dia correr o risco de chegar a uma situação como a dos gregos ou a dos italianos, quando até as aposentadorias tiveram que ser cortadas no ajuste fiscal aplicado.
Nossa Constituição permite reduzir em 5 anos a contagem para a aposentadoria por tempo de contribuição no caso dos professores. Isso significa que, em vez de a exigência ser de 35 anos para os homens e de 30 para as mulheres, o requisito é de 30 anos para os primeiros e de 25 para as segundas. Como a situação mais frequente é que os docentes sejam do sexo feminino, na maioria dos casos a aposentadoria no ensino fundamental pode ser conseguida com apenas 25 anos de trabalho. É pouco.
Alguém poderia argumentar que é “justo”. Por outro lado, o que dizer a profissionais que convivem diariamente com a morte ou com alto grau de estresse e se aposentam com as mesmas exigências que as de qualquer outra profissão? Será que isso é justo?
Na Argentina, por exemplo, as condições de ensino são parecidas com as do Brasil e nem por isso os professores gozam de regras especiais de aposentadoria. Por que as regras para os professores aqui são diferentes?
A regra facilita a mentalidade de que “uma mão lava a outra”. Como, de um modo geral, as condições de trabalho e os salários pagos deixam muito a desejar, é como se o Estado propusesse um pacto: “Você vai trabalhar em prédios ruins, com escassez de material e ganhando pouco, mas em compensação deixo você se aposentar cedo.” O problema é que esse arranjo peculiar gera uma vítima inocente — o aluno. Como frequentemente o professor tem que lecionar em mais de uma escola para ter uma melhor remuneração, ele muitas vezes não consegue estar em seu melhor estado físico e emocional para ter condições de ministrar uma boa aula, como a que poderia dar se trabalhasse em melhores condições.
Assim, por um lado, o Estado deixa de fazer o que se espera que faça em uma sociedade que funcione adequadamente e por outro o professor, mal pago, se aposenta precocemente por qualquer parâmetro de comparação internacional, podendo garantir um fluxo assegurado de rendimentos, no limite, aos 45 anos, tendo ainda mais 35 ou 40 anos de vida pela frente. Enquanto isso, quem enfrentará o ônus de ter professores desmotivados durante 12 anos é o aluno — que pagará as consequências pela vida toda.
A solução para as mazelas da educação passa, entre outras coisas, por romper esse círculo vicioso. O professor precisa ter melhores condições de trabalho — e para isso é importante que os salários melhorem —, mas, em contrapartida, ele deveria ter as mesmas regras de aposentadoria que as demais profissões. Permitir aposentadorias com 48 ou 50 anos de idade simplesmente não faz sentido.
FABIO GIAMBIAGI é economista.
Esclareço, inicialmente, que penso que poucas profissões são tão importantes quanto a do professor para a formação do ser humano. Em minhas palestras, gosto muitas vezes de citar a frase de um ilustre argentino do século XIX que, depois de ter sido presidente da República, foi nomeado reitor da universidade e começou o discurso de posse nos seguintes termos: “Fui promovido.”
Dei aulas durante 15 anos e me sinto um professor. O ponto que está em discussão é se há ou não razões para que as regras de aposentadoria desse profissional sejam diferentes em relação às que regem as demais profissões, como ocorre atualmente.
Ortega y Gasset dizia que “na política há apenas circunstâncias históricas. São elas que definem o que deve ser feito”. Na Grécia, as circunstâncias definiram a necessidade de adotar medidas dramáticas, em função da impossibilidade de honrar o contrato social prévio. As ideias que defendo visam a uma mudança suave das regras adotadas no país, para evitar um dia correr o risco de chegar a uma situação como a dos gregos ou a dos italianos, quando até as aposentadorias tiveram que ser cortadas no ajuste fiscal aplicado.
Nossa Constituição permite reduzir em 5 anos a contagem para a aposentadoria por tempo de contribuição no caso dos professores. Isso significa que, em vez de a exigência ser de 35 anos para os homens e de 30 para as mulheres, o requisito é de 30 anos para os primeiros e de 25 para as segundas. Como a situação mais frequente é que os docentes sejam do sexo feminino, na maioria dos casos a aposentadoria no ensino fundamental pode ser conseguida com apenas 25 anos de trabalho. É pouco.
Alguém poderia argumentar que é “justo”. Por outro lado, o que dizer a profissionais que convivem diariamente com a morte ou com alto grau de estresse e se aposentam com as mesmas exigências que as de qualquer outra profissão? Será que isso é justo?
Na Argentina, por exemplo, as condições de ensino são parecidas com as do Brasil e nem por isso os professores gozam de regras especiais de aposentadoria. Por que as regras para os professores aqui são diferentes?
A regra facilita a mentalidade de que “uma mão lava a outra”. Como, de um modo geral, as condições de trabalho e os salários pagos deixam muito a desejar, é como se o Estado propusesse um pacto: “Você vai trabalhar em prédios ruins, com escassez de material e ganhando pouco, mas em compensação deixo você se aposentar cedo.” O problema é que esse arranjo peculiar gera uma vítima inocente — o aluno. Como frequentemente o professor tem que lecionar em mais de uma escola para ter uma melhor remuneração, ele muitas vezes não consegue estar em seu melhor estado físico e emocional para ter condições de ministrar uma boa aula, como a que poderia dar se trabalhasse em melhores condições.
Assim, por um lado, o Estado deixa de fazer o que se espera que faça em uma sociedade que funcione adequadamente e por outro o professor, mal pago, se aposenta precocemente por qualquer parâmetro de comparação internacional, podendo garantir um fluxo assegurado de rendimentos, no limite, aos 45 anos, tendo ainda mais 35 ou 40 anos de vida pela frente. Enquanto isso, quem enfrentará o ônus de ter professores desmotivados durante 12 anos é o aluno — que pagará as consequências pela vida toda.
A solução para as mazelas da educação passa, entre outras coisas, por romper esse círculo vicioso. O professor precisa ter melhores condições de trabalho — e para isso é importante que os salários melhorem —, mas, em contrapartida, ele deveria ter as mesmas regras de aposentadoria que as demais profissões. Permitir aposentadorias com 48 ou 50 anos de idade simplesmente não faz sentido.
FABIO GIAMBIAGI é economista.
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