12 de outubro de 2012

Longe das UPPs, violência cresce no Rio


Em 53 bairros não ocupados houve 315 mortes no 1º semestre; na zona sul, onde todas as favelas têm unidades, foram 20



Para reduzir índices, tropas federais e do Estado ocupam favelas de Manguinhos e do Jacarezinho no domingo
MARCO ANTÔNIO MARTINS, Folha de S.Paulo, 12/10/2012
DO RIO


Longe de onde estão as 28 UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) já instaladas no Rio -na zona sul e em parte da zona norte, principalmente em torno do Maracanã- a violência aumentou.
Levantamento da Folha com base nas estatísticas da Secretaria de Segurança mostra que os índices subiram em, pelo menos, três Áreas Integradas de Segurança Pública (Aisp, divisão implantada pelo Estado a partir de 2003 para que, em cada região, batalhões da PM e delegacias trabalhem de forma integrada).
Juntas, essas três áreas concentram 53 bairros, como Madureira, Jacarezinho e Costa Barros, e pouco mais de 1,5 milhão de habitantes, um quarto da população da cidade.
Somando-se as ocorrências nos 53 bairros, foram registradas 315 mortes violentas nos seis primeiros meses do ano, mais de uma por dia. No ano passado, no mesmo período, o total foi de 297 casos.
Na zona sul, onde todas as favelas têm UPPs, houve 20 mortes violentas ao longo do primeiro semestre de 2012.
Numa tentativa de reduzir os índices nessas áreas, a secretaria fará uma operação para ocupar no domingo as favelas de Manguinhos, Mandela e Jacarezinho, na zona norte.
Tropas federais vão auxiliar na ocupação, nos moldes do que ocorreu no Complexo do Alemão e na Rocinha. A ocupação é o primeiro passo para a instalação das UPPs.
A confirmação com antecedência é estratégia da pasta para evitar confronto com criminosos e, consequentemente, vítimas inocentes.
POLICIAIS COM MEDO
Não faltam histórias de violência nas áreas ainda não ocupadas por UPPs. Os policiais civis da 39ª DP (Pavuna, zona norte), por exemplo, formam comboios para ir para casa. Temem ser assaltados.
Segundo um policial, grupos de áreas ocupadas se abrigaram em Costa Barros, de onde controlam o tráfico. Quando precisam de dinheiro rápido, saem para assaltar.
"As UPPs não são a solução para este tipo de crime urbano", diz o subsecretário de Segurança, Roberto Sá, que defende patrulhamento e prisões.
Em Costa Barros, o policiamento é feito por 70 PMs por dia: um para cada 7.000 habitantes. No Jacarezinho, há um PM para 6.000. Na zona sul da cidade a proporção é de um PM para cada 960.


ANÁLISE
Regiões não pacificadas 'herdam' frente de batalha
ANTONIO RAFAEL BARBOSA
ESPECIAL PARA A FOLHA

As UPPs são apresentadas como a ação mais significativa em termos de políticas públicas no Rio nos últimos anos.
Seu principal objetivo não é acabar com o comércio de drogas nas comunidades pobres, mas reduzir as ações de violência armada nos territórios ditos "pacificados", no que está sendo bem sucedida.
A queda de homicídios e "autos de resistência" são um exemplo; as expectativas e taxas de aprovação de comunidades com ou sem UPP, outro.
"Pacificar a própria polícia" -eis também para que serve a UPP. Uma polícia que ainda vê a razão de sua existência na "guerra ao crime", no enfrentamento armado ao "inimigo público número um", o tráfico. E que fornece, paradoxalmente, o modelo de militarização e controle territorial aos grupos que vendem drogas.
E se a polícia também é um negócio, como bem sabem as milícias, o "negócio" das UPPs é permitir o controle corporativo e estatal dos mercados informais e a regulação fundiária, embora isso tenha como efeito a "gentrificação", a "expulsão branca" dos mais pobres, o que vem ao encontro do projeto governamental de tornar a cidade "commodity".
Retorno da polícia à sua missão primordial: organizar os mercados e trabalhar no "polimento das condutas".
Mas o que acontece nas comunidades não pacificadas? Para lá migram os criminosos expulsos? Dizer isso é pouco.
Para lá se deslocam várias coisas: cracolândias, comércio varejista da droga e, sobretudo, a frente de batalha e negócios que une crime e polícia em sua dança da morte, garantindo a reprodução do combate militarizado e do jeito tradicional de se fazer polícia.
Junte-se a isso os impactos nas alianças do tráfico (com lideranças sem territórios) e nas dinâmicas criminais (com deslocamento entre modalidades da ação criminosa).
O que podemos esperar é o aumento de enfrentamentos e mortes, para sofrimento e prejuízo dos moradores das comunidades pobres. Aqueles que sempre pagam a conta ao final e que ainda esperam pelas UPPs.
ANTONIO RAFAEL BARBOSA é professor do Departamento de Antropologia da UFF (Universidade Federal Fluminense)

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