Mentalidade de que ações filantrópicas não devem gerar retorno econômico impõe limites ao potencial transformador desse setor
No caderno que circulou ontem com as histórias dos finalistas da 9ª edição do Prêmio Empreendedor Social --promovido no Brasil pela Folha e pela Fundação Schwab--, Pamela Hartigan, uma das maiores especialistas do mundo nesse assunto, faz uma provocação bastante pertinente.
"No Brasil, continuamos separando o mundo no qual ganhamos dinheiro daquele em que fazemos o bem", diz a diretora do centro de estudos sobre empreendedorismo social da Universidade de Oxford.
Isso significa, continua a acadêmica, que características virtuosas são associadas aos "empreendedores sociais" e dissociadas dos "empreendedores comerciais", como se ganhar dinheiro não pudesse ser motivo de particular orgulho.
O raciocínio pode, sem dúvida, ser levado adiante. Persiste, em todo o mundo, a noção de que ações filantrópicas, por definição, não devem gerar nenhum tipo de lucro. Pessoas envolvidas nessas atividades, portanto, precisam ser sobretudo abnegadas.
É indiscutível que uma dose de heroísmo sempre acompanha, em diferentes medidas, quem trabalha nesse setor --e os dez finalistas do Prêmio Empreendedor Social atestam a afirmação.
A questão, contudo, é outra: será que essa maneira de encarar a atuação social não limita seu potencial transformador?
O ativista Dan Pallotta, em uma conferência da fundação TED, destinada à difusão de ideias, alinha argumentos persuasivos em favor de uma mentalidade diferente. Para começar, afirma, é preciso acabar com o preconceito contra pessoas que ganham dinheiro com trabalho social --como se receber bons salários para ajudar pessoas fosse pouco nobre, ou reprovável.
Sem mudar isso, o setor social não consegue competir com o mercado. Segundo Pallotta, dez anos após o mestrado na Universidade Stanford, um administrador de empresas ganha em média US$ 400 mil por ano; o diretor de uma instituição de combate à fome ganha US$ 84 mil. Quantos estão dispostos a sacrificar US$ 316 mil anuais?
Dessa mentalidade, de acordo com Pallotta, decorrem ainda outras restrições que limitam a expansão do trabalho social. Espera-se, por exemplo, que instituições de caridade apliquem quase todos os seus recursos nos beneficiários --e serão malvistas se investirem no próprio crescimento, mesmo que isso venha a significar maior capacidade de atendimento.
No caso brasileiro, empreendedores sociais podem acrescentar mais uma dificuldade. A legislação em nada favorece a sustentabilidade de suas entidades.
Como o Prêmio Empreendedor Social mostra há nove anos, existem muitas pessoas dispostas a causar os melhores impactos socioambientais no país. Elas merecem ter sua atuação sob a égide de regras --e de uma mentalidade-- mais modernas.
Folha de S.Paulo, 22/11/2013
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