O diploma regulamenta duas leis de 2009, uma que instituiu o Estatuto de Museus e outra que criou o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Seu objetivo primordial é definir parâmetros para a preservação e o controle, por parte do poder público, dos bens culturais que já integram o patrimônio de museus e daqueles que seriam passíveis de "museologização".
Lamentavelmente, o decreto segue um padrão conhecido na legislação brasileira, em que as boas intenções se perdem num emaranhado de regras protecionistas e burocráticas --algumas de difícil execução, outras que projetam sobre a atividade privada a sombra da intervenção estatal.
Seu aspecto mais controverso diz respeito à possibilidade de o poder público declarar de interesse nacional uma ampla gama de bens "móveis e imóveis, de natureza material ou imaterial, considerados individualmente ou em conjunto, portadores de referência ao ambiente natural, à identidade, à cultura e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira".
Praticamente tudo --do artesanato à arte, passando por trajes, registros musicais e receitas culinárias-- pode se enquadrar no conceito adotado pelo texto. Os bens assim considerados passam a ser monitorados pelo Estado, que torna obrigatória, para acervos públicos e privados, a apresentação de relatórios anuais sobre suas condições de conservação.
Mais que isso, o decreto garante ao Ibram a preferência em caso de venda de peças, o direito de restringir suas transferências ao exterior e até a função de autorizar intervenções nos bens culturais. Natural, portanto, que o mercado das artes sinta-se violado.
Não há dúvida de que o país precisa zelar por seu patrimônio cultural e contar com museus qualificados. Para isso, contudo, seria recomendável um pouco mais de realismo e menos ameaças à atuação dos agentes privados, que têm desempenhado papel crucial na promoção e preservação da arte brasileira --seja em território nacional, seja no exterior.
Não é demais lembrar, ainda, que diversas instituições ligadas ao Estado --que se arroga o posto de guardião dos bens culturais-- vivem às traças, muitas vezes sem os recursos para cumprir seus objetivos mais básicos.
Folha de S.Paulo, 27/11/2013
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