Um texto masculino escrito e somado ao texto de outras mulheres que lutam na campanha dos 16 Dias de Ativismo e pelo Fim da Violência de Gênero. Como o Henfil, sinto-me um tanto envergonhado
Já faz algumas décadas, nos idos 1970, um inovador programa matinal surgia ao comando da entãsexóloga Marta Suplicy – TV Mulher – com uma aquarela de variedades e informações. O único quadro do programa, totalmente em preto e branco – TV Homem – era comandado pelo Henfil. Talvez esse irmão do sociólogo Betinho já se sentisse encabulado em sempre perceber uma sociedade injusta e patriarcal ou talvez quisesse demonstrar que ali as questões da masculinidade colocando, como se diz no jargão do jornalismo impresso, o preto no branco.
Digo isso, pois me sinto exatamente assim: um texto masculino escrito e somado ao texto de outras mulheres que lutam na campanha dos 16 Dias de Ativismo e pelo Fim da Violência de Gênero. Como o Henfil, sinto-me um tanto envergonhado e, como ele, anseio em tentar tirar a condição masculina de seus octógonos violentos e prediletos e colocá-la em seu devido contexto.
Entre 2007 e 2009, já após a Lei Maria da Penha, instituímos um projeto pelo programa Universidades sem Fronteiras, denominado Entre João e Maria, conversando com a Lei Maria da Penha. Nós entendíamos ali que não bastava esclarecer apenas às Marias sobre seus direitos e os deveres do Estado em relação à Lei, mas também aos Joãos, fazendo-os multiplicadores entre outros tantos Joãos. Basicamente, atuamos em Guarapuava e outros municípios, como Laranjeiras do Sul, Pitanga, Turvo, Prudentópolis e Pinhão. O primeiro eixo do trabalho foi o diagnóstico da violência. O segundo eixo foi o de divulgação da Lei Maria da Penha e para isso produzimos e distribuímos cerca de 30 mil folhetos e cartilhas simplificadas para o entendimento da população. Fizemos um trabalho de “formiguinha” que foi de bairro em bairro, quase de casa em casa. Demos mais de cem oficinas e palestras e capacitamos associações de bairros, policiais, o conselho municipal da mulher e a própria câmara de vereadores de Guarapuava.
O terceiro eixo surgiu com a cobrança e com o controle social das políticas públicas no enfrentamento da violência doméstica e familiar desses municípios. Em Guarapuava isso contribuiu para a aprovação na Câmara e na prefeitura municipal de emendas ao Plano Pluri-Anual do município, na época, e posteriormente com a criação da Secretaria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres. Essas ações, compartilhadas com outros agentes sociais e faculdades locais, contribuíram sobremaneira no esclarecimento da população e os níveis de denúncias à delegacia de Guarapuava aumentaram significativamente. Isso parece demonstrar, por um lado, que os diversos projetos e campanhas surtiram o efeito desejado. Por outro lado, demonstra também que a violência de gênero e a violência como um todo também cresceu a nível epidêmico como publicou recentemente o Mapa da Violência 2013: homicídios e juventude no Brasil de Julio Waiselfisz. Os dados revelados ali são alarmantes.
Por exemplo, quase 92% dos homicídios no país vitimizam homens e apenas 8% as mulheres. Alguém apressadamente poderia reclamar que as mulheres têm uma proporção bem menos significativa de vítimas de homicídios e, portanto, não deveriam reclamar. Entretanto, não é bem assim: as taxas de homicídios cresceram 11% no país enquanto na maior parte dos países essas taxas decresceram ou se estabilizaram. No caso das vítimas masculinas, seus algozes são quase a totalidade de outros homens. O mesmo se nota em relação às mulheres, ou seja, seus algozes são quase sempre os homens. Em outras palavras, homens e mulheres são todas as vítimas da violência e da violência de gênero. Mas a violência é notoriamente praticada por homens, quase nunca por mulheres. Daí que os 8% são também alarmantes e mostram uma violência cada vez mais tipificada como feminicídio. Eis o mundo revelado em preto e branco.
Eis o homem revelado na sua própria violência, física ou simbólica. Revelado não apenas na cena doméstica das periferias, mas também no próprio Estado, notado na desigualdade das instituições sempre apoiadas em renovados valores machistas ou num patriarcado antigo e obtuso que ainda assediam e culpabilizam as mulheres e que ainda dominam a administração pública, a política, as religiões, as confrarias, as universidades ou os octógonos prediletos. Henfil, eu encabulo contigo e não abro.
Professor doutor José Ronaldo Fassheber
Antropólogo e educador físico
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