8 de março de 2014

Livro revela os bastidores das imagens de Sebastião Salgado

  • Um dos maiores fotógrafos brasileiros conta as motivações pessoais e políticas de seus projetos pelo mundo
  • ‘Da minha terra à Terra’ chega às livrarias nesta terça-feira
NANI RUBIN (EMAIL)
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Sebastião Salgado e a mulher Lélia Salgado: vida em comum dedicada à fotografia
Foto: Divulgação/Ricardo Beliel

Sebastião Salgado e a mulher Lélia Salgado: vida em comum dedicada à fotografiaDivulgação/Ricardo Beliel
RIO - O fotógrafo Sebastião Salgado descobriu que amava a mãe aos 15 anos, quando partiu pela primeira vez de Aimorés, no interior de Minas Gerais, com o objetivo de prestar concurso de cadete da Aeronáutica, no Rio. Depois de viajar 24 horas em trem e ônibus para fazer as provas, ele teria que ficar uma semana na cidade, à espera do resultado. Mas bateu uma saudade “tão grande” da mãe que o jovem foi embora, sem ter, até hoje, a menor ideia se foi aprovado ou não. Fez o percurso de volta, correu para a fazenda da família e, quando a mãe o avistou, da porta de casa, saiu correndo para abraçar o filho.
— Ela me deu um abraço tão grande, um negócio imenso na vida. Nessa hora descobri minha mãe, o meu amor por ela e o amor que ela tinha por mim. Naquele dia descobri a importância da minha mãe na minha vida — conta.
Esse relato não está em “Sebastião Salgado — Da minha terra à Terra” (editora Paralela). Nem esse nem um “punhado de outras histórias”, deixadas de fora do livro de 152 páginas, que chega às livrarias na terça-feira (o lançamento é na segunda, em São Paulo, às 12h30m, na Livraria Saraiva do Shopping Pátio Higienópolis, além de entrevista de Drauzio Varella com o fotógrafo no Teatro Eva Herz, às 19h30m).
Fruto de cinco encontros com a jornalista francesa Isabelle Francq — mas escrito em primeira pessoa, como autobiografia —, o volume lançado no ano passado na França, onde ele vive desde 1969 (com intervalo de dois anos em Londres), não tem a pretensão de esgotar a biografia do fotógrafo brasileiro mais conhecido internacionalmente. A ideia era apresentar o pano de fundo, as raízes pessoais, políticas e éticas que permitiram a produção de séries célebres como “Trabalhadores”, “Êxodos” e “Gênesis”. Se as fotografias de Sebastião Salgado corroboram a máxima “uma imagem vale mais do que mil palavras”, o livro funciona como um contraponto disso: é enriquecedor conhecer seus bastidores e as motivações do homem que as produziu, ao lado do caderno de imagens incluído no livro.
— Estou ficando velho. Acabei de fazer 70 anos (em 8 de fevereiro). E quando você fica velho você vira contador de histórias — diz Salgado, em entrevista por telefone de Paris, explicando por que sucumbiu ao pedido da jornalista (pesou também a favor o fato de ela ser mulher de um amigo, “o melhor técnico da França, que me ajudou muitíssimo na minha passagem do negativo ao digital. Não consegui dizer não”).
Economista até os 29 anos
Os encontros foram logo após a realização de “Gênesis”, e é por essa série que “Da minha terra à Terra” começa. A primeira frase — “Quem não gosta de esperar não pode ser fotógrafo” — é a deixa para Salgado fazer sua profissão de fé no ofício, que o fez largar, aos 29 anos, o emprego de economista na Organização Mundial do Café.
— O tempo da fotografia é o tempo da vida, lento. Uma formiguinha, quando está andando e encontra uma pedra, contorna a pedra. Quando você adiciona o que ela andou, vai chegar a quilômetros para o que seria, em linha reta, talvez 200 metros. Mas esse é o tempo da verdade da formiga. Que ela viu, comeu, cheirou. E esse é o tempo do fotógrafo, o tempo que a vida pede para você realizar alguma coisa — diz ele.
Em “Gênesis”, projeto em que, durante oito anos, fotografou recantos intocados do planeta, o seu tempo de formiguinha o levou, por exemplo, a caminhar 850 quilômetros, a pé, nas montanhas no Norte da Etiópia, no que diz ter sido “a viagem mais fabulosa” de sua vida.
— Viajei muito no “Gênesis”, mas a maior viagem que fiz foi ao interior de mim mesmo. Foi me reencontrar — conta ele, que diz ter ficado “abalado” com seu projeto anterior, “Êxodos”, registro dos deslocamentos humanos, fruto de guerras ou da pobreza. — Saí do “Êxodos” realmente machucado. Foi profundamente doloroso. Depois do que vi ali, perdi a fé na nossa espécie. Tive quase certeza de que a gente era uma espécie programada para acabar.
O livro esmiúça esses projetos. Mostra como o fotógrafo que considera a África o seu outro Brasil (um capítulo tem este título) se interessou pelo continente ainda economista, quando organizou e financiou, com o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), projetos de desenvolvimento econômico em Ruanda.
“Amo Ruanda”, escreve ele no capítulo “A morte vista de perto”, em que, de certa forma, responde às críticas que identificam em seu trabalho algo de estetização da miséria: “Não são os fotógrafos que criam as catástrofes, elas são os sintomas da disfunção do mundo do qual todos participamos. Os fotógrafos existem para servir de espelho, como os fotojornalistas. E não venham me falar de voyeurismo.”
— Quando você fica em evidência, tem o reconhecimento do seu trabalho, uma quantidade de elogios, mas também um contraponto. O sistema é dialético, então isso (as críticas) acontece, mas não é meu problema, é problema de quem fala, de quem nunca foi lá onde eu estive, não viu o que vi, não sentiu o que eu senti.
Outro capítulo importante do livro é aquele dedicado à família: a mulher Lélia Wanick Salgado, companheira há 50 anos, com quem militou no Brasil e se exilou na França em 1969, sua sócia na agência Amazonas Images, e seus filhos, Juliano e Rodrigo. No capítulo “Minha tribo”, ele conta como Rodrigo, portador da Síndrome de Down, lhe “possibilitou ver o mundo de outra forma". As longas viagens, que o mantiveram por meses longe de casa, hoje são objeto de reflexão:
— Essas fotos para mim tiveram um preço alto, de sacrifício pessoal. Me perguntei muitas vezes na vida se não escolhi essa profissão só pelo prazer de voltar. Para ter o prazer de pegar o último táxi, o último voo, e poder voltar para casa.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/livro-revela-os-bastidores-das-imagens-de-sebastiao-salgado-11813287#ixzz2vN5Q572V 
 

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