Taxas de homicídios atingem níveis epidêmicos na maioria dos países da região, mas resultados como os do Chile mostram que é possível melhorar
Miss venezuelana é socorrida após tiro em protesto em Caracas
Está no Dicionário Aurélio: “violência” significa opressão, tirania, constrangimento físico ou moral sobre alguém. Não há, portanto, palavra mais apropriada para descrever as recentes – e cada vez mais constantes – cenas de barbárie com que o Brasil e a América Latina têm convivido diariamente.
A maior parte dos crimes, se não se tratasse da realidade, caberia perfeitamente em filmes de guerra. Como em Campinas, no interior do estado de São Paulo. Em menos de 5 horas, 12 pessoas foram assassinadas em bairros vizinhos da periferia da cidade. O motivo teria sido vingança à morte de um policial militar, que ocorrera dias antes do acontecimento, em meados de janeiro deste ano.
Na memória recente do cidadão brasileiro também estão cenas como as das rebeliões na penitenciária de Pedrinhas, no estado do Maranhão. Corpos de presos mutilados no pátio e suspeita de ordens de dentro da prisão comandando incêndios de ônibus municipais. Em um dos ataques, também no mês de janeiro, houve a morte de uma garota de 6 anos.
Num piscar de olhos é possível lembrar também de rojões acertando profissionais da imprensa brasileira, quebra-quebra de bancos e estabelecimentos comerciais em manifestações, suspeitos de crimes amarrados em postes como punição dos cidadãos, em pleno exercício de justiça com as próprias mãos.
Na América Latina não tem sido diferente: na Venezuela, onde ocorrem dois assassinatos por hora, segundo o Observatório Venezuelano da Violência, as mortes recentes de duas ex-misses – uma, durante um assalto à moto, e outra, a tiros, durante uma manifestação contra o governo de Nicolás Maduro –, servem de emblema para ilustrar uma crise há tempos não vista naquele país.
Pesquisa de opinião da empresa Hinterlaces revelou que três de cada quatro jovens venezuelanos se preocupam mais com a situação econômica do que com a disputa política. Uma das principais bandeiras de protesto, mesmo de jovens de classe média alta, é a escassez de alimentos e a inflação, que em 2013 chegou a 56,2% – o triplo do registrado em 2012, de acordo com o Banco Central da Venezuela (BCV).
A despeito da situação atual venezuelana, houve avanços na redução da pobreza e da desigualdade na América Latina. Nos últimos dez anos, o crescimento anual foi, em média, de 4,2%, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal). Entretanto, a região ainda carrega o fardo de sofrer com uma violência epidêmica. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma taxa superior a dez homicídios para cada 100 mil habitantes já é considerada uma epidemia.
Por esse critério, 12 dos 19 países da América Latina vivem essa situação, de acordo com o Relatório Regional de Desenvolvimento Humano 2013-2014, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), divulgado no ano passado.
Na região, onde vivem 8% da população mundial, ocorrem nada menos do que 42% dos homicídios de todo o mundo, segundo o Pnud. São 23 homicídios por 100 mil habitantes. Nos Estados Unidos, a exemplo de comparação, essa taxa foi, em 2010, de 5,3 mortes para cada 100 mil habitantes. Na Alemanha, o índice cai para 0,5.
No Brasil, a taxa de homicídios de 2007 a 2011 foi, anualmente, de 27,4 mortos por 100 mil habitantes. E nem mesmo o fato de ser um país continental justifica esse número. Entre as 12 nações mais populosas do mundo, a única que se aproxima dessa taxa é o México, com 22,1 mortes para cada 100 mil habitantes. São mais de 50 mil homicídios por ano no Brasil. Em termos absolutos, em nenhum país se mata mais do que no país.
Por outro lado, o Chile tem apresentado taxas semelhantes à dos países desenvolvidos, com 5,4 mortes para cada 100 mil habitantes. El Salvador encabeça a lista sangrenta, com uma taxa de 62,4 mortes para cada 100 mil habitantes. Colômbia e Venezuela também estão no topo do ranking, com 45 e 36,4 mortes, respectivamente.
Entre a população jovem, esse quadro piora assustadoramente. No Brasil, segundo o Pnud, a taxa de homicídios nessa faixa etária sobe para 54,8 homicídios por 100 mil jovens. Trata-se de uma taxa 547 vezes superior à taxa de Hong Kong e 273 vezes maior do que as registradas no Japão e na Inglaterra, por exemplo. Em países como Colômbia e Venezuela, a taxa de homicídios entre a população jovem alcança de 80 a 100 para cada 100 mil habitantes jovens.
Para o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), a população jovem, que tem entre 15 e 24 anos, é a que mais está exposta à violência. “Esses indivíduos
sofrem, mas também são os maiores causadores dos atos de violência, pois muitos deles estão fora da escola e do mercado de trabalho”, avalia o especialista. As consequências se traduzem no fato de que cerca de 30% dos 550 mil presos no Brasil têm de 18 a 24 anos, de acordo com o Instituto Avante Brasil.
Ao analisar o grau de escolaridade dessa população carcerária, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) concluiu que, em 2012, 45,3% dos presos não tinham completado o ensino fundamental. E apenas 0,4% havia terminado o ensino superior.
Por trás desses índices, estão profundas mudanças ocorridas na estrutura familiar na América Latina, especialmente nas três últimas décadas. O relatório da ONU aponta três das mais importantes: maior número de famílias monoparentais (só um dos pais cria os filhos), elevada incidência de gravidez na adolescência e crescente migração populacional na região. O percentual dos nascimentos em famílias monoparentais chefiadas por mulheres dobrou em 30 anos, de 7,3%, em 1970, para 15%, em 2000.
De acordo com o Banco Mundial, as crianças que vivem perto de suas famílias têm 10% menos possibilidade de adotar comportamentos de risco, como consumo de tabaco, abuso de álcool e de drogas e atividades sexuais de risco. Em relação à gravidez na adolescência, no período de 1970 a 2010, a taxa de fertilidade por mil mulheres adolescentes aumentou 10%, enquanto, no mundo, houve redução de 26%.
Ao tratar do tema da violência, especialistas são unânimes em avaliar que o tratamento dessa “epidemia” passa pela educação. O estudo do Pnud aponta que, na América Latina, 51% dos jovens e 45% das mulheres não terminam o ensino médio. “Os jovens deixam a escola para trabalhar e sustentar famílias precoces e para ter acesso a bens de consumo”, diz o sociólogo Waiselfisz.
Questionado pela reportagem de AméricaEconomia sobre o que está sendo feito para que os jovens do Brasil consigam ter acesso à educação e os que têm não a abandonem, o Ministério da Educação (MEC) não respondeu. O Brasil tem a terceira maior taxa de abandono escolar (24,3%) entre os 100 países com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), ficando atrás apenas da Bósnia Herzegovina (26,8%) e das ilhas de São Cristóvão e Névis, no Caribe (26,5%). Na América Latina, somente Guatemala (35,2%) e Nicarágua (51,6%) têm taxas de evasão superiores, segundo dados do Pnud.
O MEC destacou, no entanto, por meio de sua assessoria de comunicação, o programa Escola Que Protege. Lançado em 2006, o projeto investiu R$ 2 milhões na capacitação de professores em áreas consideradas vulneráveis e prepara cartilhas de prevenção à violência no ambiente escolar.
Armas e drogas
No ano de 2011, a probabilidade de morte por armas de fogo na América Latina foi seis vezes maior do que por armas brancas, como facas. A conclusão é de um estudo realizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês), divulgado no ano passado.
O debate em torno da violência na região passa também pelos temas armas de fogo e drogas. Segundo o Instituto Igarapé, que tem apoio das Nações Unidas para elaboração de pesquisas e projetos mundiais nessas áreas, há, atualmente, cerca de 850 milhões de armas de fogo em circulação no mundo. Desse montante, os Estados Unidos são donos de 250 milhões a 300 milhões, o equivalente a um quarto do total. “Eles [os EUA] são os maiores importadores e exportadores de armas de pequeno calibre, ligeiras, e de munições do globo, e muitas das produzidas lá também chegam ilegalmente ao México, a América Central e Caribe e à América do Sul”, diz Ilona Szabó de Carvalho, especialista em redução da violência e política de drogas e fundadora do Instituto Igarapé.
Apesar da sensação contrária, o negócio global de armas é relativamente modesto, de acordo com o instituto. Anual-
mente, gera cerca de US$ 8,5 bilhões, sendo metade em munição. Para comparação, o mercado mundial de produtos falsificados gera mais de US$ 250 bilhões anuais, aponta o UNODC. O PIB do mundo, segundo dados do Banco mundial, gira em torno de US$ 73 trilhões. “A ideia de que os fabricantes de armas de fogo contribuem significativamente para o lucro líquido dos países simplesmente não é verdade, mas o custo de uso indevido de armas de fogo em termos de vidas perdidas e pessoas feridas é muito mais expressivo”, afirma Ilona.
O Brasil foi o quarto maior exportador de armas leves (que podem ser usadas e transportadas por uma ou duas pessoas) do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, Itália e Alemanha, de acordo com a ONU. “É utopia acabar com esse mercado, porque as armas têm um lugar legítimo nas sociedades que optam por usá-las, mas isso deve ser feito com responsabilidade”, acrescenta.
No caso das drogas, a questão financeira é o principal ponto de discussão. No mundo, o tráfico movimenta, anual-
mente, US$ 870 bilhões, segundo a ONU. Na América Latina, a divisão entre os países envolvidos no narcotráfico é bem clara. Há as nações que servem de produtoras de drogas, as que são rota de tráfico e as consumidoras. No caso do Brasil, da Colômbia e do México, acontece a cadeia completa.
O Peru, a Bolívia e a Colômbia são os produtores de praticamente toda a cocaína
consumida no mundo. Essa cocaína passa por países da América do Norte, como o México, e cada vez mais por países da América Latina e Caribe para chegar ao mercado norte-americano – o maior consumidor do mundo. O Brasil também entra nessa rota, pois precisa da cocaína para produzir o crack e derivados. Do Brasil, as drogas são distribuídas para a Europa, passando pelo oeste da África.
Já o Paraguai fica como o principal produtor da maconha que é consumida no Brasil, de acordo com o Instituto Igarapé. “Com toda essa organização, os jovens de comunidades pobres e marginalizadas entram no tráfico por falta de opções de empregabilidade, já que o trabalho no ramo de drogas não requer grande formação”, diz a especialista do instituto.
Para ela, a repressão não é a melhor maneira de lidar com o problema, porque o modelo de proibição só facilita o lucro para o crime organizado, que opera sem regras. “Seria necessário regular esse mercado, definindo a idade mínima de consumo, os lugares de uso, a potência máxima da substância ativa da droga, o grau de pureza e de qualidade. Uma vez que se aceita que nunca teremos um mundo livre de drogas e que o mercado é regulado pela lei da oferta e da demanda, a única opção razoável para quem de fato quer diminuir o poder do crime organizado e o abuso de drogas é a regulação responsável”, avalia.
Procurado, o Ministério da Justiça do Brasil não respondeu às indagações sobre a violência no país. De acordo com o Instituto Avante Brasil, em 2012 foram gastos com a segurança pública do país
R$ 61 bilhões de reais, sendo que 37% são despesas com previdência e seguridade social. Por essa estimativa, o investimento efetivo do país em segurança pública foi de R$ 40,8 bilhões naquele ano.
Quem pode, paga
Em meio à escalada de violência, quem pode paga para se proteger. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (Abese), em 2013 o faturamento do ramo, que inclui câmeras, portões, alarmes, foi recorde – R$ 4,6 bilhões, quando, em 2012, havia sido de R$ 4,2 bilhões.
Boa parte desses números advém de um sistema policial sucateado. Para cada 100 mil habitantes, o Brasil tem 178 policiais. No Chile – cuja população é 80% menor do que a brasileira (16 milhões de habitantes, antes 200 milhões, em 2013, segundo o Fundo de População das Nações Unidas) –, esse número sobe para 318.
Há disparidades também em relação aos salários dos policiais no Brasil. Dados do 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no ano passado, revelaram que o estado de São Paulo, apesar de ter o maior número de delegados de polícia do país, com mais de 3 mil na ativa, foi o que pior remunerou o profissional em início de carreira em 2012. Enquanto um delegado em Mato Grosso recebeu R$ 18.837, o mesmo profissional em São Paulo ganhou quase um terço disso, R$ 6.709,32 – entre salário bruto e gratificações.
O resultado de uma categoria insatisfeita se traduz em números. Segundo a Associação Brasileira de Criminalística (ABC), o índice de elucidação dos crimes de homicídio é baixíssimo no Brasil. Estima-se que varie de 5% a 8%. Nos Estados Unidos, o índice chega a 65%, no Reino Unido a 90% e na França a 80% dos casos de homicídios.
Para Nívio Nascimento, oficial do UNODC, em Brasília, enquanto a região latino-americana não resolver as mazelas sociais, nenhum programa de combate à violência vai dar conta de números tão preocupantes. “O clima é de insatisfação geral; a sociedade tem ido às ruas para protestar não somente contra o que é relacionado à segurança pública, mas porque chegou ao limite”, avalia.
Luzes no fim do túnel
Apesar do quadro pintado com nuances catastróficas, há muitas ações de sucesso que visam remediar essa epidemia de violência na América Latina. No Brasil, funciona desde 2000, em São Paulo, o Disque Denúncia. Por meio de ligação anônima, os cidadãos podem denunciar crimes ou situações suspeitas. Em 2012, foram registradas mais de 150 mil denúncias, a sua maioria sobre tráfico de drogas. Desde sua criação, o projeto permitiu, por exemplo, que fossem solucionados 32.106 casos envolvendo tráfico de entorpecentes e 2.297 crimes de homicídios. Além do telefone 181, é possível fazer a denúncia via internet, com acompanhamento das investigações por meio de senha.
No âmbito nacional, o governo federal lançou, no mês passado, o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, conhecido como Cadastro Único, que reúne dados sobre 27,2 milhões de famílias pobres do país – ou 85,1 milhões de brasileiros. O mapa, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), serve de referência para 19 programas sociais do governo, inclusive para monitorar locais de vulnerabilidade à violência.
Para a Copa do Mundo, a ser realizada no Brasil em junho, o governo federal prevê investir R$ 1,879 bilhão para que nada de grave aconteça no país durante o evento. Desse total, R$ 164,5 milhões serão gastos em equipamentos e sistemas, de acordo com o Grupo Executivo da Copa do Mundo.
No caso da Venezuela, após a morte da ex-miss baleada por motoqueiros, o presidente Nicolás Maduro propôs toque de recolher para as motos em Caracas. A proposta ainda tem causado manifestações da categoria e não entrou em vigor.
Na Colômbia, um plano de ação entre governo e comunidade, em Medellín, fez com que houvesse queda de 8% no total de homicídios em 2013 na cidade. O melhor exemplo, porém é o chileno, país em que a segurança tem recursos e acima de tudo metas e resultados na promoção da segurança dos seus cidadãos.
Em Medellín, pacificação de fachada
Muito tem se falado sobre a crescente pacificação na Colômbia – principalmente em Medellín. O que é apresentado como verdade pelo governo, contudo, é questionado por instituições independentes. De forma geral, dados oficiais apontam queda de 8% no total de homicídios em 2013 (14.782) em relação ao ano anterior (16.033) e de 4% no número de sequestros. De acordo com indicadores do Centro de Seguridad y Democracia, de la Universidad Sergio Arboleda, porém, entre janeiro e novembro do ano passado, o número de lesões pessoais cresceu 24%, e o de furtos (principalmente de celulares), 36%. Nos dois casos, foram as taxas mais altas dos últimos 11 anos. A cidade mais violenta continua sendo Cali, com 1.810 homicídios em 2013 (93 por 100 mil habitantes), ante 1.610 em 2012. Medellín, diferentemente, teve 856 homicídios no ano passado, ante 1.139 em 2012.
Segundo o general Jorge Hernando Nieto, diretor de Seguridad Ciudadana de la Policía Nacional, o governo colocou em prática uma plataforma de integração e inteligência para o estudo da segurança e da convivência dos colombianos. A Comunidade Cidadã funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, analisando dados sobre segurança de todas as cidades, produzindo informações em tempo real para as unidades que estão em serviço. “Temos também o Plano de Vigilância por Quadrantes, um modelo que possibilita uma reação imediata”, diz o general.
Mas nada disso parece surtir efeito em Medellín, segundo parecer de Fernando Quijano, diretor da Corporación para la Paz y el Desarrollo Social (Corpades). “O poder ilegal armado se tornou importante para a segurança da cidade. As chamadas Convivir (ou Bacrin, organizações dedicadas ao negócio do narcotráfico) exercem poder de controle importante sobre as comunidades”, diz. Essa dupla governança, em sua opinião, resulta em informações pouco confiáveis. “As autoridades dizem que o número de homicídios caiu nos dois últimos anos em Medellín, mas nossas investigações mostram 320 pessoas desaparecidas em 2012 e 220 em 2013.
Há casos em que a causa da morte é ‘insuficiência respiratória’. Se uma pessoa aparece morta nas águas do rio Medellín, registra-se ‘morte a esclarecer’. Segundo ele, trata-se de uma questão de imagem, de querer mostrar que Medellín saiu da guerra. “Mas há na cidade 350 facções com 13.500 homens armados e 70% dos habitantes estão nas mãos da criminalidade.”
Tecnologia para monitorar armas
Um aplicativo para celular e computador de mesa capaz de monitorar a entrada e a saída de armas leves, com registro, no mundo, inclusive com a movimentação financeira envolvida. Sim, ele existe. O projeto foi lançado em 2012 pelo Instituto Igarapé, em parceria com o Google Ideas e o Peace Research Institute Oslo (Prio). O Mapa de Dados sobre Armas (MAD, sigla em inglês para Mapping Arms Data) apresenta informações sobre todas as transferências autorizadas globais de armas pequenas, armamento leve e munições entre 1992 e 2011.
“A ferramenta já foi vista por mais de 5 milhões de pessoas em mais de 150 países e tem sido usada durante as negociações no âmbito das Nações Unidas, por jornalistas investigativos, acadêmicos e estudiosos de todo o mundo; organizações da sociedade civil que fazem campanha sobre os regulamentos de controle de armas mais rígidas; além de especialistas em design e informação de comunicação gráfica”, afirma Robert Muggah, diretor de pesquisa do Instituto Igarapé.
A ideia, segundo Muggah, é que sejam incluídos neste e no próximo ano dados das movimentações ilegais, os preços de cada arma e também as movimentações de tanques de guerra, aviões ou armas maiores.
Bolívia faz barulho com o Plano Chachapuma
Até pouco tempo atrás, não existia na Bolívia um sistema para tratar do tema violência em nível nacional. No dia 19 de abril do ano passado, o problema começou a ser enfrentado, com a implementação de uma série de ações dentro de uma estratégia chamada Plano Chachapuma, que teve resultados importantes na redução dos indicadores de delinquência do país. A primeira ação do plano enviou um contingente de 100 homens à cidade de Santa Cruz de la Sierra com o objetivo de recuperar o controle territorial e erradicar o problema dos assassinatos.
Aos poucos, o plano foi sendo levado para outras cidades e, segundo o vice-ministro de Seguridad Ciudadana, Jorge Alberto Aracena, a estratégia caminha hoje para se tornar uma ação de política pública. “A população aceitou o plano, que das capitais passou a ser implantado nas províncias, com um impacto positivo porque mudou condutas sociais das pessoas”, diz.
Às críticas de que o plano não atacou as raízes da delinquência, o governo responde com números. Em 215 dias de operação foram atendidos, por exemplo, 2.832 casos de delitos (média de 13 por dia), feitas 13.195 intervenções em bares e cantinas e registradas 43.288 queixas de assaltos. “O Plano Chachapuma é uma ferramenta estratégica de prevenção e pretendemos agora trabalhar o tema da prevenção dentro dos colégios, das universidades e das instituições públicas e privadas do país. Durante o primeiro semestre de 2014 queremos implementar câmeras de segurança, GPS e sistema de identificação digital nos nove departamentos e reforçar a segurança aérea com mais helicópteros”, disse o vice-ministro. De acordo com balanço divulgado pelo governo boliviano, foram investidos no ano passado 36 milhões de bolívares (US$ 5,1 milhões) no sistema de segurança dos cidadãos, o que promoveu, segundo o governo, o maior salto tecnológico na área nos últimos 40 anos. Nesse valor estão computadas a implantação do Sistema de Patrulhamento Aéreo, com a dotação de novos e modernos de helicópteros; a instalação de câmeras de videovigilância e GPS para prevenir acidentes nas rodovias do país; e a aplicação do Plano Chachapuma.
Apesar das ações, a percepção de insegurança tem aumentado entre a população. Segundo estudo publicado pelo Observatório Nacional de Seguridad Ciudadana, do ministério governamental, 89,2% dos bolivianos acreditam que o crime aumentou no último ano; 90,1% percebem o aumento na sua cidade; e 66% no seu bairro.
O contraponto chileno
Na contramão dos números da maioria dos países da região, o Chile demonstra ter a violência, se não em queda, ao menos sob controle e números menos alarmantes. Os índices de delitos no país estão entre os menores registrados na América Latina, segundo o Latin America Public Opinion Project 2012 (Lapop). Somente 21,6% das famílias foram vítimas de algum delito nos 12 meses anteriores à pesquisa, diz o Lapop. No Equador, que lidera a lista, esse índice foi de 47,7%.
“Embora as comparações sejam difíceis por causa da diversidade nos sistemas de classificação e registro dos crimes, todas as informações aprovadas pelas organizações multinacionais indicam que o Chile tem taxas relativamente baixas de crime violento, e uma das mais baixas de assassinatos na região”, diz Catalina Mertz, diretora executiva da Fundación Paz Ciudadana, do Chile. Os números da violência levantados pela fundação apontam que os índices de crimes contra a propriedade e a taxa de homicídios se mantiveram estáveis, chegando a três homicídios por 100 mil habitantes, e destes apenas cerca de um terço é cometido com armas de fogo. “No geral, a maioria dos crimes no Chile são contra a propriedade, no espaço público e sem violência. No caso das cidades, o bem mais roubado é o telefone celular, que se massificou nos últimos anos”, acrescenta Catalina.
O principal problema atual a ser resolvido é a superlotação dos presídios, já que os cerca de 44 mil encarcerados têm de encarar uma superlotação de 23%, mas que vem sendo reduzida, com a criação de mais penitenciárias.
Para a Fundación Paz Ciudadana, autora do estudo “Por que o Chile tem problemas de criminalidade muito menores do que outros países latino-americanos?”, o grande diferencial do país andino é o bom desempenho do Estado na gestão das políticas públicas, principalmente das relacionadas à segurança. “A experiência chilena ensina que não é só a alocação de recursos (financeiros, humanos, tecnologia ou outros meios), mas uma distribuição relevante e um emprego adequado desses recursos em função das metas e resultados”, aponta o estudo.
Com menos verba, violência cresce no Peru
Apesar da maré de crescimento econômico do Peru, a violência tem aumentado significativamente na última década e, segundo especialistas, a culpa é do Estado peruano, que diminui a atenção para o problema. “E, ao contrário da década de 1990, o crescimento da violência ocorre em um contexto de crescimento econômico”, diz Juan Mendoza, professor de economia na Universidade do Pacífico.
Os números apontam ainda que o que mais tem afetado a população peruana são os furtos e roubos, delitos menos ligados ao crime organizado e mais à violação de patrimônio. Por exemplo, 34% do total de queixas registradas pela Polícia Nacional em 2012, em Lima, foram furtos (39.597), enquanto 38% foram roubos (43.778). “A percepção de insegurança é muito alta. A sensação de impunidade e falta de proteção faz com que as pessoas já nem apareçam nas delegacias para denunciar roubos menores”, analisa Luis Felipe Calderón, professor da escola de negócios Esan. Os números de homicídios também apontam essa crescente insegurança. Entre os anos 2000 e 2004 foram registrados pela polícia cerca de cinco homicídios a cada 100 mil habitantes, e após 2005 a taxa varia entre 10 e 11 homicídios por grupo de 100 mil pessoas.
A situação do sistema carcerário peruano também é delicada. A superlotação ultrapassa 200% a capacidade das cadeias e 58% dos presos não passaram sequer por julgamento. Além disso, o ingresso de celulares e até mesmo a presença de internet são comuns nos cárceres, por causa principalmente da corrupção dos agentes penitenciários.
O aumento da criminalidade e da delinquência é consequência da decisão do atual e dos governos anteriores de reduzir os investimentos destinados ao setor. O Ministério do Interior, responsável pela organização da segurança no país, teve sua participação no orçamento nacional reduzida de 8%, em 2000, a 5%, nos últimos anos. A medida tem diminuído gradativamente o salário dos policiais peruanos, que recebem cerca de um terço do salário médio na região e são forçados a completar a renda trabalhando para a iniciativa privada nos períodos de folga.
Colaboraram Susan Abad, de Bogotá, Carlos Arce, de La Paz, Claudio Reyes, de Santiago e Hugo Flores, de Lima
autor
Juliana Colombo
Nenhum comentário:
Postar um comentário