19 de abril de 2014 | 2h 07
O Estado de S.Paulo
Para o Tribunal de Contas do Estado (TCE), alguns professores da Universidade de São Paulo (USP), com décadas de carreira dedicada à educação superior, são marajás do serviço público. É o que se depreende da recente decisão daquela corte que rejeitou as contas da USP no exercício de 2011.
O voto do TCE arrola 167 professores que, na interpretação do tribunal, recebiam vencimentos acima do teto constitucional - que, no caso dos servidores paulistas, é o salário do governador do Estado. Entre eles estão o atual reitor, Marco Antonio Zago, e seu antecessor, João Grandino Rodas. Em 2011, enquanto o governador ganhava R$ 18,7 mil, Zago, por exemplo, recebia R$ 23,6 mil. Os outros professores citados auferiam uma diferença mais ou menos semelhante a essa - e, segundo o TCE, o número de funcionários com salários acima do teto pode ser maior, porque o levantamento foi feito por amostragem.
Diante disso, o tribunal ordenou que a USP "congele" os vencimentos desses professores e que se evitem reajustes futuros para que o teto seja respeitado.
O teto salarial foi criado para evitar que funcionários públicos se aproveitassem de brechas legais para somar benefícios obscenos a seus salários. O estigma criado por esses servidores oportunistas acabou contaminando a imagem de todo o funcionalismo, razão pela qual mecanismos para coibir tal prática foram incluídos na Constituição, por meio de uma emenda de 2003.
Essa emenda diz que a remuneração de todos os servidores, "incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza", não poderão superar o salário da autoridade máxima em cada Poder ou unidade administrativa. Para se adequar ao que prevê a lei, a USP informa que, em 2012, cortou benefícios concedidos a partir de 2003 e que faziam os salários superarem o teto constitucional. No entanto, a universidade considera, com razão, que os professores que antes de 2003 tinham vencimentos superiores ao teto por causa de adicionais típicos da carreira não poderiam ser punidos, pois se tratava de direito adquirido.
Além da distorção apontada pela universidade, é forçoso questionar o próprio fundamento da lei. Ela existe para coibir abusos de funcionários poderosos, entre eles os eleitos, que podem manipular reajustes e aumentos salariais com facilidade. Diferentes deles são os funcionários de carreira, que têm por base o mérito, como os professores, cuja profissão lhes exige constante aperfeiçoamento e produtividade de nível internacional. Seus salários são limitados a um teto que não tem rigorosamente nada a ver com sua atividade, e tal situação certamente os empurrará para a iniciativa privada e para universidades estrangeiras, provocando uma temida fuga de cérebros.
Ademais, o voto do TCE equipara os acadêmicos, servidores de carreira sem outros benefícios senão os que constam em seu contracheque, a funcionários públicos que ocupam temporariamente cargos eletivos. Estes, como é o caso do governador, praticamente não dependem de seu salário para viver, pois têm toda uma estrutura fornecida pelo Estado para suprir todas as suas necessidades, com sobras.
O absurdo vai além. Se for de uma instituição federal, o acadêmico não pode ganhar mais que o presidente da República; se ele pertencer a uma universidade estadual, o teto será o salário do governador - e isso significa que serão 27 tetos salariais diferentes, um para cada unidade da Federação; caso seja professor de uma instituição municipal, o limite é o determinado pelos vencimentos do prefeito - e então serão 5.570 tetos diversos, referentes a cada município. Ou seja, na mesma função, o servidor poderá ser enquadrado em 1 de cerca de 5.600 regimes diferentes.
No momento em que o Brasil mais precisa valorizar a carreira acadêmica, a cruzada moralizadora contra a corrupção, embora em muitos casos necessária, não distingue oportunismo de mérito profissional, reduzindo o poder de atrair bons quadros para as universidades e impedindo que professores sejam adequadamente remunerados.
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