2 de abril de 2010


Gênese da confusão


JORGE MARANHÃO

No recém-lançado livro "A classe média brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade", os cientistas políticos Amaury de Souza e Bolívar Lamounier traçam um perfil desse grande contingente de brasileiros que passou a integrar a classe C do país. Trata-se de 26,9 milhões, com 46% da renda nacional, e superando os 44% das classes A e B. Alavancado por níveis mais elevados de crédito, esse grupo passou a integrar o mercado de bens duráveis, mas ainda é um grupo carente de consciência de cidadania a julgar por duas revelações: a de que a educação deve ser valorizada e o "sentimento de aversão à política", uma vez que "os políticos e os partidos não se importam com a opinião dos eleitores".

Ainda assim, a democracia foi citada como a melhor forma de governo. Além disso, a maioria dos cidadãos entrevistados não participa de qualquer organização social ou associação civil, o que nos leva a concluir que ainda há muito o que se trabalhar para o desenvolvimento de uma plena cultura de cidadania entre os brasileiros e que a sua inclusão social e econômica não garante necessariamente uma inclusão política e de plena cidadania. Pois cidadania exige, sim, um grau maior de educação política e não apenas de envolvimento social ou comunitário. Não se trata de se organizar para cuidar tão-somente de sua casa, sua calçada ou sua rua através de uma associação de moradores.

Ou mesmo das escolas e dos hospitais, numa relação reivindicatória com os governantes. Quando cidadania é exercer o controle social e tomar conta de mandatos, governos e orçamentos públicos, numa perspectiva de total autonomia em relação aos mandatários do poder; e que só se efetiva em parceria com as instituições judiciárias, de controle de contas, de regulação e de segurança do próprio Estado.

A confusão que a cultura política brasileira tradicionalmente faz entre as funções e políticas de governos e as das instituições de Estado é que está no cerne destas duas revelações em flagrante contradição. A sua noção de que a democracia é o melhor sistema de governo e, ao mesmo tempo, seu sentimento generalizado de aversão à política.

Como se nada tivesse a ver com ela, falta a esta classe emergente o entendimento de que só através da participação política é que se pode transformar a realidade de um país. Uma nova classe média de cidadãos que somente se reconhecem como cidadãos consumidores, mas não como pagadores de impostos e cidadãos eleitores.

Uma vez que só com a sua participação política é que se pode garantir de fato a democracia e evitar que uma oligarquia a corrompa com a demagogia da participação de todos. Tarefa de verdadeiros cidadãos, não importa a que classes sociais pertençam, mas que se comprometam definitivamente a tomar conta da democracia. Na verdade, tarefa inadiável de uma "cidadocracia".

JORGE MARANHÃO é diretor e consultor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão. E-mail: jorge@avozdocidadao.com.

O Globo

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