27 de maio de 2010

Educação no Haiti continua excludente, privada e não tem previsão de mudança


Desirèe Luíse

Passados mais de quatro meses do terremoto que atingiu o Haiti, em 12 de janeiro, um dos muitos desafios do país é a educação. Com 90% das escolas destruídas pelo desastre, o governo não tem só a tarefa de reconstruir, mas enfrentar altas taxas de analfabetismo e de crianças fora da escola. A situação no país continua grave, segundo a avaliação do secretário-executivo da Reagrupación por la Educación para Todos y Todas (REPT) do Haiti, Patrice Florvilus. A rede reúne organizações que defendem o direito à educação no país latino-americano.

Em entrevista, o secretário, que participou da 6ª Assembleia da Campanha Latinoamericana pelo Direito à Educação (Clade), realizada no início de maio em São Paulo (SP), destaca que após a tragédia, o governo segue o histórico de não priorizar a educação pública.

Portal Aprendiz – Como estava a situação da educação no Haiti antes do terremoto?

Patrice Florvilus – O país já estava em uma condição muito complicada, com uma taxa de analfabetismo de 60% e 500 mil crianças excluídas do sistema de ensino. As escolas privadas são 85%, apenas 15% são públicas e comunitárias. O sistema de educação tem como base a exclusão e a discriminação, principalmente contra mulheres e moradores do campo. É elitista, já que a maioria dos pais não pode assumir o custo da escolarização de seus filhos, e não tem relação com a realidade cultural e social haitiana.

Aprendiz – E com relação ao ensino superior?

Florvilus – Já tínhamos uma situação de crise na universidade que culminou em uma invasão da Faculdade de Medicina pela polícia nacional junto com a Minustah [Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti], coordenada pelas forças armadas brasileiras, em setembro do último ano. Havia perseguição aos estudantes que se manifestavam pela reforma da Universidade do Estado do Haiti. A situação já era caótica e se agravou. No dia do terremoto, foi assassinado um professor da Faculdade de Ciências Humanas, que era perseguido.

Aprendiz – A situação da educação estava inserida de que maneira no contexto econômico e social pelo qual o país passava?

Florvilus – O Haiti é o país mais pobre da região do Caribe, com uma taxa de desemprego de 70% e uma população que vive com menos de US$ 1 diário. Há uma minoria que se apropria das riquezas do país. O governo haitiano é complacente com a política econômica e não busca um processo de transformação da educação, preferindo aplicar as políticas da comunidade internacional.

Aprendiz –
Qual é o panorama da educação neste momento de reconstrução do país?

Florvilus – Hoje só existem três faculdades em condições de funcionar. Milhares de estudantes, pais de alunos e trabalhadores da educação morreram. Antes do terremoto, já havia se iniciado um processo de privatização dos serviços sociais básicos, como a educação, e que se cumpre agora também. Até o momento, foi anunciada a reabertura de apenas 100 escolas privadas, localizadas na capital Porto Príncipe. Portanto, não são escolas acessíveis à maioria da população. A Constituição do Haiti, de 1987, diz que a educação básica é de responsabilidade do Estado e dos governos locais. Mas já antes do terremoto não se cumpria essa obrigação. Persiste a mesma base de antes do terremoto.

Aprendiz – A educação não é prioridade do governo?

Florvilus – Não é prioridade. Em discurso na reunião da ONU [Organização das Nações Unidas], no dia 31 de março, o presidente [René Préval] disse que se a comunidade internacional quer ajudar na reconstrução do Haiti deve começar pela educação. Mas, entre o discurso do chefe do Estado e a prática há distância. Por que é apoiada a construção de escolas privadas e não de públicas? As duas únicas escolas oficiais que estão previstas para serem públicas é de um acordo de parceria feito entre os governos do Haiti e Venezuela.

Aprendiz – Quanto era investido antes do terremoto e agora na educação?

Florvilus – Apenas 1% do recurso do país era investido na universidade, que é concentrada totalmente na capital haitiana e que não é situada em um campus universitário. As faculdades de uma das principais universidades públicas estão espalhadas pela cidade. Por isso que há muito movimento para solicitar reformas. Agora, no pós-terremoto, não sei quanto será investido. Não há um processo formal de reconstrução da educação no país. Há um processo de facilitar a reabertura das 100 escolas, mas só há garantia da construção da estrutura que foi derrubada. Nada se fala do ensino, então, não podemos dizer que estamos em um processo efetivo de reconstrução da educação.

Aprendiz – Existe uma Comissão de Reconstrução para o Haiti. O que você espera deste grupo?

Florvilus – Difícil dizer, pois é recente. Há um plano que foi apresentado pelo governo haitiano, mas realizado em sua maioria por empresas estrangeiras. O plano foi aprovado em Nova York e servirá de base para a comissão trabalhar. No entanto, há pouca representação do povo haitiano nela. Dos 17 membros, dez são estrangeiros e sete haitianos. O Haiti está sob tutoria internacional e não vejo isso como positivo.

Aprendiz – A solidariedade internacional não é importante? O que é necessário ao Haiti para melhorar o setor educacional neste momento?

Florvilus – A solidariedade internacional é muito bem-vinda, porque quer dizer que o país de fora tem respeito para com os haitianos. Mas se a organização internacional colocar um plano que não tem a realidade haitiana em primeiro lugar, isso não é solidariedade internacional. É possível fazer parcerias que respeitem a população, para contribuir com uma educação que tenha como objetivo dar possibilidade do haitiano analisar sua situação, perceber o que passa no país, pensar na sua relação com o meio ambiente. Estamos vivendo há anos na forma de cooperação internacional e não chegamos a lugar algum.

Aprendiz –
Como está a população no processo de reconstrução? Há improvisos para estudar?

Florvilus – É difícil, porque como posso pedir a uma criança que estude em um acampamento, em um bairro com lama, por causa da chuva? Como se pode esperar que haja um apoio familiar na educação das crianças quando a pessoa pensa: “O que vamos comer amanhã? Onde vou acampar para encontrar água?”. A situação está muito complicada. Mas há oportunidade de superar isso, porque os próprios haitianos estão sendo solidários uns com os outros.

Um comentário:

  1. Na verdade é um caos geral. Como que uma população consegue viver com menos de U$ 1 diário? Mediante a este panorama, infelizmente a educação (no meu ponto de vista que fundamental) não é a prioridade no momento. Deve-se ter o apoio internacional para estabilizar a situação (considerando diversos setores), criar empregos e a partir daí entrar com um programa na área da educação que é a garantia de um futuro melhor. Denise Navas

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