ESTUDANTES DO ensino médio em Dujiangyan, na província de Sichuan: na China além da matrícula, gastos extras incluem aulas particulares e propinas
Governo anuncia metas para que educação avance no ritmo do desenvolvimento do país, com mais qualidade e custo menor
Any Bourrier
Especial para O GLOBO
PEQUIM. No início de abril, após uma reunião do Conselho dos Assuntos do Estado, o governo chinês anunciou um plano excepcional de reforma do ensino, cujo objetivo é determinar as metas estratégicas para os próximos dez anos a fim de atender às exigências da população, profundamente irritada com o quadro atual. A falta de vagas, a insegurança - com a repetição de massacres de alunos como nas escolas primárias nas províncias de Fujian e de Shaanxi, respectivamente em março e maio - e o alto custo da educação são problemas que se acumularam na última década.
O primeiro-ministro Wen Jiabao afirmou que o objetivo é modernizar o sistema educacional para levá-lo a um nível compatível com o processo de desenvolvimento do país. Wen assegurou que vai aumentar os recursos para o setor: a China decidiu seguir as regras das Nações Unidas definidas nos Metas do Milênio sobre o financiamento da educação. Tais regras estabelecem que cada país deve transferir 6% do PIB para investir no ensino.
- A China pretende aumentar seu percentual de 3,8% para 5% do PIB até 2020 - prometeu o primeiro ministro.
Corrupção: a tradição dos envelopes vermelhos Um exame do sistema educacional chinês provoca admiração e ansiedade. Admiração pelo que o governo conseguiu fazer: reduzir o analfabetismo a 0,7% da população. Ou seja, num país de 1,45 bilhão de habitantes, as pessoas que não sabem ler somam 10 milhões. E ansiedade, porque concentra os problemas resultantes da transição da China para um sistema de mercado aberto: desigualdade social, corrupção, baixa qualidade de ensino, falta de interesse do poder público, concorrência desleal, falsificação de diplomas e falta de pessoal qualificado.
Na China, há alunos, mas não há professores. Existem belas universidades, mas a maioria está à beira da falência. Abre-se espaço para a competição, mas a ideologia e o nepotismo não deixam os melhores serem recompensados.
A partir das reformas de 1986, maternais, escolas primárias, secundárias e colégios técnicos se multiplicaram. O país tem cerca de 150 milhões de alunos matriculados nos três graus do ensino.
São 835 mil escolas primárias, 120 mil colégios secundários e 1.731 universidades ou institutos de nível universitário.
Pesquisa da Universidade de Pequim indica que o número de matriculados nas universidades está chegando a 30 milhões.
Os pais dos alunos se queixam do custo do ensino. A Constituição assegura o direito à instrução gratuita e obrigatória durante os nove primeiros anos.
Mas há despesas adicionais, como compra de material, transporte e alimentação, cobertos em parte por um fundo que garante a cada estudante de escola pública um bônus anual.
A carga financeira varia segundo tamanho e importância da cidade ou região onde os estudantes moram. O sistema de ensino impõe a matrícula obrigatória por bairro. Na prática, porém, o sistema foi alterado pela falta de verbas e pela autonomia administrativa das escolas, pretexto dos diretores para contratar os raros bons professores por salários acima do orçamento da escola.
Por exemplo, no colégio secundário de Chongqing, a maior cidade do Centro-Oeste, a matrícula custa 400 RMB (renminbi, o nome popular do yuan), ou cerca de R$ 100. No decorrer do ano, outros gastos virão: aulas particulares no fim de semana, assinatura da revista da escola, propinas aos professores. Todos conhecem a tradição do hongbao, os envelopes vermelhos que são o instrumento mais comum de corrupção dos mestres. Por ocasião dos feriados nacionais ou das festas do calendário lunar, há farta distribuição de hongbaos recheados de RMB aos professores, para que deem atenção a determinados alunos. E quem não se submeter ao ritual, pode ter certeza de que seu filho não terá tão boas notas ou chance de aperfeiçoar conhecimentos.
Como há grande discrepância entre as 28 províncias e entre a cidade e o campo, a matrícula que custa 400 RMB (R$ 100) em Chongqing custará 10 mil RMB (R$ 2,5 mil) em Pequim e 15 mil RMB (R$ 3.750) em Xangai. A diferença será maior se a opção for um colégio particular, cujas matrículas podem atingir preços astronômicos. Na escola Jin Shan Xuexiao, no distrito de Haidan (norte de Pequim), o valor nos ciclos primário e secundário chega a cem mil RMB (cerca de R$ 25 mil). Na capital, oscila de 500 RMB (R$ 125) nos subúrbios pobres onde vivem os trabalhadores migrantes a 60 mil RMB (R$ 15 mil) na sofisticada escola de Fuxue Hutong, onde se estuda o "inglês de Cambridge". E ainda há as doações para o colégio ou a conta do refeitório. Na Fuxue Hutong, por exemplo, são mais 5 mil RMB (R$ 1.250) por ano.
Recorde de matrículas em universidades estrangeiras
A solução pode estar no novo plano da educação, que fixa diretrizes até 2020. O objetivo é a reforma do ensino básico, sem mexer nos currículos. No texto de 150 páginas do Ministério da Educação, a meta é melhorar o nível do ensino contratando professores qualificados. Assim, voluntários que dão aulas no interior sem formação pedagógica serão afastados. Outra meta é impor ao ensino básico um programa comum, para que não haja diferença entre cidade e campo, ou regiões ricas e pobres.
Entre 1978 e 2009, 1,620 milhão de jovens chineses foram estudar em outro país por causa das carências de ensino. No ano passado, foi batido o recorde de 220 mil matrículas em universidades americanas, inglesas, australianas, japonesas e europeias. E, segundo a agência de notícias oficial Nova China, 52% dos que partiram não voltaram para casa, preferindo buscar emprego nos países onde residem, com a garantia de bons salários e qualidade de vida. Os 48% que voltaram fizeram a opção por empregos em multinacionais.
O ensino na China é impiedoso: concorrência, exames difíceis, seleção drástica. Desde cedo aprende-se que só os melhores e mais brilhantes terão chance na vida profissional.
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