Valor 15/06/2010
É ótimo o leitmotiv que está sendo proposto
pela Confederação Nacional da Indústria
(CNI) aos candidatos à presidência da
República: "Crescer mais e melhor".
Principalmente pela inadiável necessidade
de que sejam entendidas e assimiladas as
implicações da dimensão qualitativa contida
nessa ideia de que o Brasil deve "crescer
melhor".
No entanto, o documento "A indústria e o
Brasil" (CNI, Brasília 2010) seria muito
melhor se não tivesse tropeçado em dois
temas cruciais: educação e sustentabilidade
ambiental. Tropeços que inevitavelmente
sugerem que entre as elites industriais
brasileiras o "melhor" continua a ser
reprimido pelo "mais".
Na "agenda para a competitividade", que
corresponde a 80% do documento, o capítulo
sobre educação mostra séria incoerência
com a necessidade de "ênfase da inovação
nas
"estratégias" destacadas na parte anterior a
essa agenda. Apesar de enfatizar que a
educação deve ser de qualidade, e de
conter trinta propostas bem pertinentes,
nada disso revela a mínima preocupação
com a precariedade da educação científica
desde o ensino fundamental. No entanto, o
centro do argumento "estratégico" abordado
120 páginas antes é a insuficiência da
formação de cientistas e engenheiros.
A segunda séria deficiência da plataforma
da CNI é a maneira como aborda a questão
da sustentabilidade ambiental. Começa
muito bem ao propor a seguinte rima:
"Mudança de filosofia: do conflito para a
parceria". A confederação está certa em
afirmar que no Brasil "dá-se uma prioridade
exagerada à imposição de custos e
regulações, reduzindo-se o foco na parceria
desejável e necessária entre poder público e
indústria
desenvolvimento sustentável".
No entanto, suas cinco prioridades para o
meio
incoerência com o que antes foi
apresentado como "quinta estratégia": a
transição para a economia de baixo
carbono. Nenhuma das cinco prioridades é
consagrada a iniciativas que reduzam a
intensidade energética e a intensidade
carbono do Brasil urbano, ao mesmo tempo
em que estiverem sendo minimizados
desmatamentos e queimadas (e talvez
também as emissões de metano da
pecuária).
É sintoma de atraso essa incoerência entre o
que é considerado "estratégico" e o que
aparece nas 20 iniciativas elencadas no
tópico
competitividade". Continua dominante a
concepção de que a exigência de
sustentabilidade ambiental é muito mais
estorvo que oportunidade. Embora se possa
ler na página 43 que "as mudanças do clima
representam uma oportunidade para o
desenvolvimento
absolutamente nada que decorra de tal
afirmação nas 20 reivindicações listadas no
capítulo
competitividade.
Além
"estratégias" e "agenda", ambas estão
inteiramente subordinadas à vontade de
"dobrar a renda per capita a cada quinze
anos". Meta que não leva em conta a tripla
constatação feita há dez anos pelo Banco
Mundial: a) nem tudo melhora com o
aumento da renda per capita, b) as coisas
que melhoram nunca o fazem na mesma
proporção; c) e nem é inevitável que a
qualidade de vida realmente melhore.
A depender da sociedade, uma mesma
velocidade de crescimento econômico
costuma gerar consequências das mais
diversas em cerca de dez áreas decisivas:
educação, saúde, lacuna de gênero,
liberdades civis e políticas, redução da
pobreza, redução das desigualdades,
participação dos cidadãos nas decisões
afetas às suas vidas, combate à corrupção,
qualidade ambiental e sustentabilidade.
Como mostra o relatório "A Qualidade do
Crescimento", coordenado por Vinod Thomas
(Ed. Unesp, 2002), quase todas essas
dimensões melhoraram muito no estado
indiano do Kerala, apesar de suas taxas de
aumento da renda per capita terem sido
muito inferiores às de outros estados e
países. Se todos os estados indianos
tivessem a elasticidade da redução da
pobreza de Kerala, por exemplo, a Índia
haveria triplicado a queda de sua população
na pobreza.
A experiência da Coreia do Sul ilustra a
importância de se investir eficientemente
em educação básica. Da mesma forma, o
Chile ilumina a possibilidade de abertura
equilibrada com gerenciamento de risco e
proteção social. E a Costa Rica é um caso
emblemático de proteção ambiental.
Essas quatro experiências indicam que a
ênfase na qualidade do crescimento é
triplamente essencial. Primeiro, porque
promove diretamente o bem-estar ao
influenciar o acesso e a distribuição mais
uniforme ao trio virtuoso formado pela
educação, saúde, e qualidade ambiental.
Segundo, porque o compasso do crescimento
tende a ser menos volátil quando os
aspectos qualitativos são priorizados. Onde
as taxas de crescimento são muito instáveis,
os impactos negativos são especialmente
pronunciados para os pobres. Terceiro,
porque é evitada a frequente tentação de
subsidiar
superexplorar recursos naturais, na ânsia de
se promover a panaceia que no Brasil unifica
governo e oposição, PT e PSDB, Dilma e
Serra: a aceleração do crescimento.
José Eli da Veiga professor titular da USP (FEA e
IRI), Página
web: www.zeeli.pro.br
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