5 de junho de 2010

É preciso mudar


Jackson Romanelli/EM/D.A Press

Pescador Deusdet Assunção às margens do São Francisco sangrado por projetos de irrigação
Desde 1985, o Brasil tem um Ministério de Meio Ambiente e, até então, uma secretaria ligada diretamente à Presidência da República. Desde 1981, temos uma Lei Nacional de Meio Ambiente e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), do qual a sociedade faz parte, com a função de traçar políticas ambientais para o país. Em Minas, temos o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), criado em 1977.

Juscelino Kubitschek construiu Brasília em quatro anos. Mas passadas quase três décadas, o Brasil não tem ainda uma política ambiental definida. Não dá mais para aceitar a desculpa de que é algo novo no cenário nacional. Quanto a isso, deve-se à conhecida dificuldade dos governos brasileiros de lidar com planejamento ou ao tratamento secundário dado ao assunto. É difícil dizer. Opto por acreditar que os dois fatores se somam. Mas o segundo tem bem mais peso.

Alguém pode dizer que não existem também políticas definidas em outras áreas, como agricultura ou indústria. Pode ser, mas em compensação, nessas áreas, sempre existiram programas com metas, equipes e verbas. Posso citar Pró-várzeas (início da década de 1980), que marcou sua realização pela drenagem de áreas de preservação permanente no país. Em Minas, por exemplo, dezenas de lagoas de várzea do Rio São Francisco foram apagadas do mapa para o plantio de capim. Os prejuízos ambientais foram lamentáveis e os econômicos também.

O Profir (financiamento para compra de equipamentos de irrigação), da mesma época, foi implantado sem análise sobre uso e disponibilidade de água. No estado, um de seus resultados foi sugar tanta água do Rio Verde Grande, afluente do Velho Chico, que muitos pivôs centrais foram abandonados.

Na indústria, o melhor exemplo são os programas de infraestrutura implantados para estimular o setor. Abrir e asfaltar rodovias é um deles, medida ligada diretamente ao estímulo à produção de veículos. Produção de energia é outra. Linhas de crédito diversas também. Por que, então, tanta dissociação entre economia e meio ambiente ou, perguntando de outra forma: O que seria necessário para ligar os dois assuntos? Não há uma resposta somente, porque existe mais de uma causa.

O Brasil sempre foi extrativista. Basta olhar os diversos ciclos econômicos que caracterizaram seu crescimento: ciclo do pau-brasil, ciclo do desmatamento para produção de madeira (este já dura mais de 500 anos), ciclo do ouro, ciclo do café, ciclo da cana-de-açúcar etc. Com tantos recursos naturais, poucas pessoas em nossa história perguntaram-se sobre sua finitude. E, pior, há muita gente - na sociedade, nos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo e no setor privado - que ainda crê que nunca se extinguirão.

Lei e realidade Sabemos - e está na lei - que é proibido poluir águas, ar e solo; e matar animais silvestres. Obedecer e fazer cumprir as normas legais é obrigação de todos os órgãos governamentais, não somente dos ambientais. A guerra constante e, às vezes declarada, entre agricultura e meio ambiente, tem de acabar.

A Constituição deveria ser cumprida no que se refere à educação ambiental no ensino formal. Mas para dar resultado, deveria, obviamente, refletir a postura governamental. De nada adianta ensinar que as florestas devem ser protegidas e respeitadas e que não se pode jogar lixo nos rios, se as matas continuam a ser derrubadas, por incentivo ou ação do próprio governo, e as cidades não tratam seus esgotos.

Políticas tributárias e fiscais sempre foram excelentes instrumentos de governo. Mas sempre foram usadas de forma contrária ao meio ambiente, financiando atividades econômicas degradadoras. Existem linhas de crédito para derrubar florestas, mas não para recompô-las. Diagnosticar e rever esta situação seria tarefa indispensável a uma boa política ambiental.

Um dos mais fortes entraves quanto aos resultados de políticas ambientais são as frágeis estruturas dos órgãos responsáveis, representadas principalmente pelos baixos salários e confusões de gerenciamento. Em Minas Gerais, defendemos a criação de Agência Ambiental, como alternativa para mudar essa situação. Técnicos bem pagos e preparados e utilização de ferramentas modernas de gestão territorial podem ser eficazes.

Temos dezenas de problemas ambientais que precisam ser resolvidos. Grande parte das soluções passa pela adoção de políticas econômicas, sociais e de pesquisa, por estarem associados a fatores como pobreza, ausência de alternativas econômicas e dificuldades tecnológicas.

A poluição atmosférica, que marcava o caminho da praia para os mineiros - em João Monlevade e Ipatinga, ou da Cidade Industrial de Belo Horizonte e Contagem - acabou. E não foi à toa. Resultou de mobilização da sociedade, da ação do poder público e de mudanças das empresas. A destinação de resíduos, que até há pouco tempo, configurava situação grave na área ambiental, melhorou bastante, depois de mudanças no tratamento do problema, por meio de inventários e novas tecnologias.

Poderíamos ter avançado muito mais, com políticas de estímulo à implantação de empresas de reciclagem ou de novas tecnologias. A sociedade é agente fundamental em qualquer mudança, mas há providências que dependem do poder público. Onde pode um indivíduo levar suas lâmpadas para serem recicladas em Minas Gerais? Por que não há programa severo, tanto no que se refere a exigências, quanto estímulos, à implantação de aquecimento de água pelo calor do sol? Se temos estoque de terras desmatadas suficientes para produção, por que o desmatamento continua?

São perguntas que refletem a falta de planejamento econômico realmente sustentável e não somente sua utilização como "moda". Um último aspecto que chamo de "caixa de marimbondo bravo" é a limitação do crescimento populacional, por meio de políticas de planejamento familiar. Não adianta alguns setores tradicionais continuarem ignorando a lei da física: dois corpos não cabem nos mesmo lugar do espaço. Todos que nascem e crescem querem consumir, consumir e consumir. E como os recursos naturais são finitos, essa bomba-relógio vai explodir um dia.

A humanidade começou a falar em paz depois de sentir, por alguns milhares de anos, as dores das guerras. Parece que as dores já sentidas pelos problemas ambientais não foram ainda suficientes para que o homem mude sua postura.

Maria Dalce Ricas é economista e superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda)


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