O Brasil festeja a universalização do ciclo básico cuja cobertura ultrapassa 97% e a significativa presença de estudantes no ensino universitário. Superou-se a vexatória taxa de 4% da população com curso superior, cifra arrotada, durante décadas, em discursos de formatura, numa celebração estranha ao nosso apartheid educacional. Hoje, estima-se, os com canudo beiram os 13% da nação e, ainda que com ressalvas à qualidade, reconhece-se que foram dados passos largos para uma nova ordem educacional. Todos esses esforços de inclusão e expansão, contudo, criaram para o ensino médio o efeito esqueceram de mim . Literalmente no meio, os três anos do antigo colegial ficaram num estágio de indefinição que preocupa educadores, mobiliza técnicos e atordoa governos.
A maior sangria está na evasão escolar, cujos índices são superiores a 50%, caso se leve em conta quantos concluem o fundamental e quantos chegam ao terceiro ano. O problema é de tal monta que pode ser equiparado a dilemas como as mortes no trânsito ou a epidemia do crack.
Deficiências
Os maus-tratos ao ensino médio são de uma tradição medieval. Basta pensar no desmanche dos cursos profissionalizantes, que por décadas, ainda que debaixo de uma saraivada de críticas, eram um bom motivo para brasileiros de baixa renda permanecerem na escola. Não bastasse, em se tratando da educação um processo paulatino, o ensino médio ainda arca com todas as deficiências do ciclo fundamental e carece de recursos à altura. Estudos institucionais, como os apontados pelo próprio ministro da Educação, Fernando Haddad, indicam que os investimentos por aluno/ano deveriam ser no mínimo de R$ 2 mil, quando hoje não ultrapassam R$ 1,4 mil.
Dados do IBGE divulgados este mês reforçam a impressão de que os adolescentes do médio estão à beira do caminho. O Brasil conta com cerca de 35 milhões de jovens entre 15 e 24 anos 18,5% da população do país. O contingente forma a chamada bolha demográfica . Se essa massa atingir melhores níveis, as chances de desenvolvimento crescem sobremaneira. O contrário disso é um atraso que remeterá o país ao tempo das cavernas. Só resta vencer.
A conta é conhecida, mas mesmo assim, algo como 2 milhões de brasileiros entre 15 e 17 anos estavam fora da escola no ano passado, redundando num dos maiores desperdícios de potencial humano de que se tem notícia. A esse número se soma a informação de que mais de 50% dos que cursam o ensino regular ou profissionalizante têm defasagem idade-série, o que os aproxima perigosamente da situação de abandono.
Relatório
Há três anos, a Rede Latino-Americana de Informação Tecnológica (Ritla) fez o alerta ao publicar o estudo Relatório de Desenvolvimento Juvenil, dando contas da fragilidade do ensino médio em terras tupiniquins. Desde então, quem acompanhou as páginas de educação na imprensa pôde conferir detalhes da maré baixa a que estão sujeitos os escolares adolescentes. Mesmo assim, não há muitas políticas dignas de nota. Nesse cenário, um dos poucos estados que se destaca é o do Paraná (leia na página seguinte).
Os dados da Ritla e de demais fontes disponíveis invariavelmente mostram a dificuldade da escola em falar com o estudante acima de 15 anos, de mantê-lo nas instituições e de ajudá-lo a superar deficiências trazidas dos oito primeiros anos de escolaridade. De todos os quadros, contudo, um dos mais assustadores é o que aponta para a desvalorização do ensino médio no mundo do trabalho, o que indica o pouco caso do capital com a juventude.
Concluir os três anos médios não representa, como em tempos idos, uma boa colocação no mercado do trabalho, quando secundaristas se tornavam bancários ou técnicos de proficiência reconhecida. O desmanche dos cursos profissionalizantes moda que pegou no início dos anos 2000 só veio reforçar essa tendência. O preço da maldade do mercado em premiar quem passou 11 anos em sala de aula é o desestímulo em continuar.
Inadequação
Não há estudos conclusivos, mas a baixa frequência no ensino médio tem a ver com a inadequação de linguagem dos professores pouco preparados para lidar com adolescentes de uma sociedade de violência, competição e cada vez mais seduzida por avanços tecnológicos. Não raro, secundaristas apontam a dificuldade em ver utilidade no que aprendem em sala de aula. Um dos efeitos é a migração para os EJAs a educação de jovens e adultos, distorcendo a intenção do programa, que é o de atender estudantes mais velhos, há tempos afastados da escola, e não adolescentes em condições de fazer cursos regulares.
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