"Na época de guindar novos sujeitos a postos de mando, a comunidade educacional e os eleitores deveriam preocupar-se em garantir, nos postos executivos e nos legislativos, federais e estaduais, representação da sociedade que tenha clareza sobre as necessidades prementes na área da educação"
Lighia B. Horodynski-Matsushigue é professora aposentada do Instituto de Física da USP e foi vice-presidente da regional São Paulo do Andes-SN; Otaviano Helene é professor no Instituto de Física da USP e ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Artigo publicado no "Correio Braziliense":
Se há algo tão previsível quanto as fases da lua, são as promessas em ano eleitoral. De candidatos a prefeito a candidatos a presidente da República, passando por candidatos aos legislativos das diferentes esferas da União, todos prometem melhorar as oportunidades educacionais com qualidade, mesmo que, de fato, isso nem seja de sua alçada.
Este ano, por óbvio, não é diferente. Pena, contudo, que, após tantos anos de promessas, a realidade seja outra: o Brasil colocado nos últimos lugares em comparações internacionais sobre o ensino básico; jovens saindo do ensino médio sem as mínimas condições de entenderem o conteúdo de um texto de dificuldade pequena; falta de professores nesse nível de ensino, em especial nas áreas de cunho científico; milhares de mestres e doutores desempregados, embora haja "universidades" sem doutor; isso sem considerar que a oferta de oportunidades educacionais está muito aquém da necessária à boa formação da juventude brasileira, conforme verificado por todos os dados disponíveis.
Além desses aspectos qualitativos, há os quantitativos: educação infantil insuficiente; alta evasão escolar antes mesmo do fim do ensino fundamental, embora este seja considerado obrigatório pela Constituição; reduzidas taxas de atendimento no ensino médio; matrículas no ensino superior em proporções muito inferiores às de vários países vizinhos.
É por demais sabido que, em educação, oportunidades perdidas afetam o desempenho da nação por uma geração inteira ou mais. Assim, se, há uma década e meia, ou pouco mais, bastaria melhorar as condições do exercício da profissão para os docentes da educação básica, ao tempo em que seriam ampliadas as vagas, hoje a intervenção necessária precisaria ser muito mais profunda.
Do ponto de vista qualitativo, São Paulo é um estado que presenciou o singular efeito sobre sua educação, advindo da fundação, nos anos 1930, de uma instituição de qualidade para a formação de professores para o ensino médio: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), pedra fundamental da USP.
Nas décadas anteriores aos anos de chumbo da ditadura militar, os egressos da FFCL-USP privilegiados pelo ensino de qualidade, atualizado por concomitantes oportunidades em pesquisa, fizeram a diferença em diversas iniciativas educacionais inovadoras. Mas esse projeto foi desmontado antes que seus frutos pudessem ser colhidos por uma grande parcela da população. Para que isso ocorresse, o setor público se ausentou, abrindo espaço para instituições privadas de pouco ou nenhum compromisso com a qualidade.
Hoje, instituições de ensino superior preocupadas apenas com seus lucros oferecem, a preços módicos ou nem tanto, preferivelmente subsidiados por programas como o Prouni federal, uma formação precária; e fecham cursos e vagas tão logo não se mostrem mais atrativos.
Essa é uma situação que não encontra paralelo em outras nações, que reservam ao Estado a tarefa da formação de seus quadros docentes e incentivam o exercício da profissão escolhida por meio de uma remuneração adequada e da exigência de sua dedicação a uma única escola.
Na época de guindar novos sujeitos a postos de mando, a comunidade educacional e os eleitores deveriam preocupar-se em garantir, nos postos executivos e nos legislativos, federais e estaduais, representação da sociedade que tenha clareza sobre as necessidades prementes na área da educação. Essas vão desde a obrigatoriedade de vagas na educação infantil pública de qualidade para todas as famílias, em especial as de menores posses, até a formação integral de docentes, para todos os níveis, em universidades públicas de qualidade.
Para tanto, é necessário que o investimento em educação seja, no mínimo, dobrado a partir dos atuais valores para pelo menos 10% do PIB; e que o setor lucrativo seja mais controlado, para o bem da nação e dos egressos de um sistema cujo atual perfil não é verdadeiramente universitário.
Em função de sua própria essência, naturalmente, não é isso que a iniciativa privada, de cunho mercantil e lucrativo, pretende ver instituído no ensino superior brasileiro, conforme se depreende do conteúdo de muitos dos projetos de lei que constituem a assim denominada reforma universitária.
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