Humberto Maia Junior
Basta um incidente - um atentado terrorista, o assassinato de um turista - para manchar a história de um megaevento esportivo para sempre. De nada vai adiantar o Brasil nota A em aeroportos, transportes e rede hoteleira em 2014 se uma bomba explodir, hooligans provocarem brigas nos locais dos jogos ou uma onda de assaltos infernizar os turistas. Será o suficiente para o Brasil passar ao mundo a imagem de um país violento e inseguro, indigno de receber um evento de grande porte. Isso dá uma ideia da dificuldade da tarefa que o país tem pela frente.
A obrigação do governo é garantir a segurança dos torcedores e jogadores nos locais de jogos, nas concentrações e nas fan fests (locais de reunião de torcedores que assistem aos jogos num telão) durante o evento. Mas, como o Brasil é um país atrasado em vários setores, a Copa acaba sendo vista como uma oportunidade para resolvermos antigos problemas. No quesito segurança, o evento é tratado como ponto de partida para uma "mudança irreversível". "O plano é deixar o Brasil com uma nova polícia", diz o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto. "Uma polícia moderna, eficiente, bem treinada e capacitada." Ou seja, tudo que nenhum governante conseguiu desde a Independência.
"Não creio que uma Copa do Mundo ou qualquer evento pontual seja solução para o problema da segurança", diz o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, diretor de Pesquisas do Instituto Sangari. A África do Sul também quis fazer da Copa um trampolim para o Primeiro Mundo. Uma semana depois do evento, porém, a realidade estava de volta: em Johannesburgo, tropas ocupavam favelas para conter conflitos entre miseráveis e estrangeiros. No resto do país, a proporção entre ricos e pobres não se alterou. E o desemprego continuou em 25%.
Os grandes eventos sediados no Brasil foram "ilhas de tranquilidade" na história das cidades sedes. Na Eco 92, no Rio de Janeiro, a ausência de incidentes se deveu a uma "paz armada" - a cidade foi tomada por soldados armados com metralhadoras e em tanques de guerra. Os Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio, também transcorreram sem maiores problemas. Isso aos olhos dos turistas e dos jornalistas que cobriram o evento. Analisando as estatísticas, vê-se que a violência pouco se alterou em comparação aos meses que antecederam e sucederam ao evento (leia o quadro abaixo). Sem falar nos boatos, nunca confirmados, de que a "paz" foi negociada com o tráfico.
Independentemente do que se pode conseguir com a Copa, é fundamental que, nos dias em que ela ocorrer, se possa garantir a segurança dos envolvidos. As ameaças não são poucas: roubos a turistas, brigas entre torcedores, ataques motivados por questões raciais e, o mais temido, ataques terroristas. Mesmo que no Brasil não haja grupos guerrilheiros terroristas nem somos alvo de redes internacionais como a Al-Qaeda, há o risco de esses grupos atacarem um alvo inimigo. "Atentado a outras seleções é uma hipótese pequena, mas que não pode ser descartada", diz Ignácio Cano, especialista em segurança pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Legado zero
O Pan de 2007 foi elogiado pela paz. Mas os dados mostram que a queda dos índices não foi tão grande assim e, após os Jogos, a violência voltou a crescer
Gastos federais
O plano de segurança do governo federal prevê gastos de R$ 3,1 bilhões
Fonte: Ministério da Justiça
O Ministério da Justiça promete entregar, até o fim do ano, um plano para a segurança durante a Copa que prevê gastos próximos de R$ 3,1 bilhões até 2014. As ações são divididas em quatro áreas: investimentos na compra de equipamento; formação do policial para o dia a dia da competição - cursos antibombas, antidistúrbio e ações de inteligência para evitar crimes -; investimentos em "polícia comunitária", ou seja, ensinar línguas estrangeiras e bons modos aos policiais no tratamento aos turistas; e investimentos em aeroportos para evitar a entrada de terroristas e hooligans.
Henrique Borri, secretário executivo do Grupo de Trabalho para a Copa do Mundo da Secretaria Nacional de Segurança Pública, diz que o plano, montado por representantes das polícias das 12 cidades sedes, se baseia na ideia de "perímetros de vigilância". O método é comum em grandes eventos - como Olimpíadas, Copas do Mundo ou viagens papais. Os perímetros começam nas fronteiras seca e marítima e terminam dentro dos estádios, passando por aeroportos, estradas, regiões metropolitanas, a cidade e a área de 5 quilômetros ao redor do palco do jogo. O controle será feito no Centro de Comando e Controle Integrado, com sede em Brasília e unidades nas cidades sedes. Em cada local haverá representantes das polícias Civil, Militar, Federal e Rodoviária. A ideia é unificar o trabalho e os bancos de dados das polícias e estabelecer limites de atuação de cada uma delas. Trabalhos de inteligência serão comandados pela Agência Brasileira de Inteligência, e vigilantes privados deverão ser usados dentro dos estádios. O plano será posto em prática em 2013, durante a Copa das Confederações.
"Queremos deixar um legado para as instituições policiais e apresentar ao mundo o modelo ideal que será copiado em futuras Copas", diz Borri. Na prática, espera-se que tudo isso resulte no que o ministro Barreto chama de "polícia invisível", sem tanques de guerra, soldados do Exército nem policiais armados tomando a cidade de assalto. "É exigência da Fifa. Não podemos ter um policiamento ostensivo na frente dos estádios. Isso só prejudica nossa imagem no exterior." A segurança, então, deverá ser feita por homens à paisana, infiltrados entre os torcedores. Todos serão monitorados por meio de câmeras.
Como a segurança é atribuição dos Estados, e não da União, haverá ações específicas em cada cidade sede. Cada uma das 12 sedes tem realidade e problemas diversos. Em São Paulo, a Polícia Civil criou o Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância Esportiva (Grade). Formado inicialmente por 19 policiais - número que deverá aumentar durante a Copa -, o grupo vai se especializar no comportamento de torcedores. O temor é que torcedores violentos se unam a turistas racistas e ataquem africanos, árabes ou nordestinos. "Algumas torcidas de São Paulo e do Rio Grande do Sul mantêm ligações com grupos de supremacia branca", diz a delegada Margarette Barreto Gracia. "Precisamos monitorar de perto."
Há poucas semanas, a PM de São Paulo fez um treinamento no estádio do Pacaembu. Várias ações foram simuladas - de brigas de torcedores a uma bomba real escondida no estádio. "Apesar de sermos um país tranquilo, não é impossível que ocorra. Temos de estar preparados", diz o capitão Luiz Roberto Fiori.
Para deixar um legado, as ações do governo não podem se limitar à Copa. "O plano para a Copa deve estar dentro de um plano de segurança nacional de médio e longo prazo. Não pode ser o contrário", diz Sergio Adorno, coordenador adjunto do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP). "Não podemos nos restringir a uma operação de guerra."
Epoca
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