Pesquisadora americana alerta que filmes de super-heróis estão cada vez mais recheados de cenas de violência e mensagens machistas. Especialistas recomendam que os pais busquem conversar de maneira crítica com os filhos sobre o conteúdo mostrado nessas obras
Max Milliano Melo
Ajudar os fracos e oprimidos. No passado, esse era o lema da maioria dos super-heróis, que estavam sempre dispostos a defender aqueles que precisavam de auxílio. Nos últimos anos, porém, esses personagens, que já divertiram diversas gerações, se tornam cada vez mais violentos, machistas e antiéticos. Pelo menos é o que concluiu um estudo conduzido por uma psicóloga da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos. De acordo com a autora da análise, Sharon Lamb, as versões mais recentes de clássicos das histórias em quadrinhos não passam mensagens tão fortes de justiça e solidariedade para as crianças. O estudo tem o objetivo de alertar os pais para a importância de acompanhar com atenção o conteúdo a que os filhos assistem. Outros especialistas, porém, dizem que, mesmo mais distantes dos padrões ideais, os superpoderosos ainda podem ajudar na educação dos pequenos.
Para Sharon Lamb, grande parte dos filmes direcionados para as crianças tiveram uma mudança drástica no seu conteúdo. Os super-heróis modernos agem como personagens de filmes de ação. A quantidade de explosões, acidentes de carro e até tortura nesses filmes acaba tornando-os inadequados para os meninos mais novos , afirma. Assim, se antes eles buscavam minimizar a injustiça social, os heróis de hoje trabalham muito mais com a vingança e a retaliação , critica por e-mail ao Correio.
Ela explica que, no passado, esses personagens eram pessoas normais, com problemas normais e muitas fraquezas. Eles só utilizavam seus poderes em último caso e para ajudar as pessoas, como o Super-Homem(1), que mantinha uma carreira paralela, com problemas e situações de uma pessoa comum , avalia. Já o super-herói de hoje é agressivo, sarcástico e raramente fala sobre as virtudes de fazer o bem para a humanidade , completa Sharon.
A psicóloga explica que, além do problema da excessiva violência, as histórias e heróis atuais reforçam estereótipos, atingindo crianças cuja personalidade ainda está sendo formada. Segundo essas histórias, existem apenas duas maneiras de se ser um menino. A primeira é ser um super-herói forte e másculo, como é a última versão do Homem de Ferro(2), bem diferente de um herói (como o Batman antigo), que lutava pelo certo e tentava trazer a paz para Gotham City , conta Sharon. Há ainda heróis preguiçosos, que se aproveitam dos poderes para não estudar e usam a escola só para encontrar garotas.
A psicóloga infantil Yvanna Sarmet concorda com a pesquisa americana. Para ela, a mídia, de maneira geral, exerce uma influência muito grande nas crianças. Essa influência pode ser tanto positiva quanto negativa. Esses programas e filmes vão ajudar a criança a criar o seu conceito de masculino e feminino e a decidir como agir em diferentes situações de conflito , afirma. Assim, se eles mostram que a única forma de vivenciar a masculinidade é por meio da força e da violência, a criança tende a criar um estereótipo do que é ser homem, eliminando outras possibilidades , alerta.
Ela lembra também que essa influência não é apenas nos meninos. Para as meninas, o mesmo problema pode acontecer. Nas personagens femininas, como a Barbie(3), também persiste a ideia da delicadeza, do rosa, o que não é a única forma de feminilidade , pontua Yvanna. Não é que a criança não pode ficar exposta a esse tipo de conteúdo, mas essa não deve ser a única referência que ela deve ter durante seu desenvolvimento , pondera.
Diálogo
Uma boa saída para os pais, segundo a psicóloga infantil, é assistir a esses programas e filmes com os filhos. Nos trechos que não parecerem adequados aos valores que desejam passar às crianças, os adultos podem explicar por que consideram o que é mostrado ruim. Nas cenas de excessiva violência ou quando a história passar imagens negativas, o pai e a mãe podem aproveitar para dizer que aquela atitude não é correta, e assim, utilizar o filme como um instrumento pedagógico , indica.
É essa a estratégia adotada pelo publicitário Alexandre Passos, 35 anos, com o filho João Lucas, 12. A geração de hoje está muito mais exposta a todo tipo de conteúdo negativo, por isso o controle é fundamental , diz o pai. Para ele, no entanto, proibir não é o melhor caminho. É impossível impedi-lo de ter acesso a esse tipo de conteúdo. Então, o diálogo acaba sendo a melhor saída. Conversar e explicar por que ele não deve ver algo surte muito mais efeito , ensina.
Além de assistir a filmes e a programas de tevê com João, Alexandre negocia o tempo que o menino vai dedicar a esse tipo de entretenimento. Ele tem um horário diário reservado à leitura, por exemplo, e o tempo para a internet também é controlado. Assim, ele pode fazer de tudo um pouco sem se prejudicar , completa o pai.
Especialistas aplaudem a postura do publicitário. Assistir a esse tipo de programação não é necessariamente ruim. O importante é dar orientação para a criança sobre questões de violência e demais assuntos que por ventura esses programas tratem , afirma o coordenador de Comunicação e Informação da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) no Brasil, Guilherme Canela.
Ele lembra, no entanto, que segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, da qual o Brasil é signatário, a programação voltada para esse público deve servir para a construção de valores. Ela deve tratar de questões consensuais, como ética, respeito ao meio ambiente, igualdade de gênero e conscientização sobre os problemas decorrentes do uso de drogas , indica Canela. Portanto, os pais também precisam incentivar o consumo de conteúdos que tratam desses assuntos, até para estimular a sua multiplicação nas grades de programação das emissoras , acrescenta o especialista da Unesco.
Preocupação que ocupa o dia a dia da produtora e historiadora Thaís Saraiva, 31 anos, mãe do fã de super-heróis Samuel, 6. Um dia desses eu fui assistir a um filme com ele e começaram a passar cenas bem violentas. Quando eu disse que não era bom para ele assistir àquilo e mudei de canal, ele me contou que já tinha visto o filme , lembra Thaís. É muito complicado lidar com isso hoje, porque são tantas fontes de informação que acaba ficando impossível controlar totalmente o que eles veem , lamenta a mãe.
Ela reclama também do consumismo que esses programas trazem. Quando um personagem está na moda, a indústria lança vários bonecos, camisetas e outros produtos. Aí, as crianças querem todos. Pouco tempo depois surge um novo personagem, e a gente tem de comprar tudo de novo. A criança vai crescendo e aprendendo a ser consumista , comenta a produtora. O jeito é ir conversando e controlando na medida do possível, já que sem diálogo a gente não chega a lugar algum , conclui.
1 -Mais ação
Criado em 1932 por Jerry Siegel e Joe Shuster, o homem de aço com capacidade de voar e ver através das paredes e dono de uma força sobre-humana já não é mais o mesmo. A identidade secreta, em que vivia a maior parte do tempo e que rendia a maior parte das cenas de humor, já que no seu coditiano era Clark Kent, um jornalista desajeitado foi dando cada vez mais espaço às cenas de ação e destruição, que predominam nas versões mais recentes do clássico.
2 - Mulherengo
A primeira aparição do Homem de Ferro foi em 1963. Tony Stark era retratado como um brilhante engenheiro de automação que, em um acidente durante a Guerra do Vietnã, passou a conviver com uma armadura de metal, usada para vencer a guerra e posteriormente lutar contra o crime nos EUA. As versões recentes são mais violentas, e o personagem passa a usar seus poderes para conquistar mulheres.
3 - Padrão irreal
A boneca magra, de cabelos loiros e lisos, pele e olhos claros foi criada em 1959, e desde então recebe críticas por não corresponder à aparência da maioria das meninas, especialmente no Brasil. Mesmo nas novas configurações da personagem, que já ganhou versões negras e latinas, permanece o estereótipo do corpo escultural, com traços finos e delicados. A mensagem que acaba passando para as meninas é que essa é a única forma correta de ser feminina, o que não é verdade , afirma a psicóloga infantil Yvanna Sarmet.
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