14 de agosto de 2011

Até 2020, nove mil jovens serão vítimas de homicídio na Paraíba


14 de agosto de 2011
| Correio da Paraíba | Cidade | PB
Isso é uma guerra! A gente mata ou morre! Não aguento mais viver fugindo, sem saber quando vou levar o próximo tiro. Ontem, pensei em acabar logo com isso, tirar minha vida, pra não fazer mais tanta gente sofrer. Mas um boy , colega meu, impediu. Sei que estou na ponta da lista, pra ser o próximo a morrer. Preciso de ajuda ! O pedido de socorro é de um adolescente, 17 anos, que procurou a reportagem do Jornal Correio, no último dia 25.

Daniel (nome dado ao jovem para preservar sua verdadeira identidade) é dependente de crack, já integrou uma facção do tráfico na Paraíba e, há mais de um ano, tenta se livrar do vício. Com sua vida por um fio, meninos como ele vivem, diariamente, no limite entre a vida e a morte.
A pedido do Correio, o pesquisador e sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do estudo Mapa da Violência 2011, fez uma análise exclusiva e uma projeção de quantos jovens, de 15 a 24 anos, serão vítimas de homicídios na Paraíba, nos próximos 10 anos se nada for feito para barrar esse extermínio.
O resultado é preocupante: Até 2020, cerca de 9 mil adolescentes e jovens, nesta faixa etária, poderão ser apagados do futuro, vítimas, principalmente, da violência provocada por essa narcoguerra . É como se quatro municípios do tamanho de Bom Jesus, na Paraíba, fossem exterminados do mapa. Ou um ginásio de esporte do tamanho do Ronaldão, na Capital, lotado de torcedores, desaparecesse.
Superação
O Jornal Correio publica hoje a 4ª reportagem da Série Geração Perdida e mostra que se nada for feito para conter esse extermínio juvenil, o futuro de milhares de crianças estará ameaçado. Traz ainda a repercussão que as primeiras reportagens tiveram no Estado. Elas foram publicadas em maio. A reportagem de hoje mostra, principalmente, que na contramão dessa guerra declarada, ainda existem histórias de superação e esperança.
É preciso salvar esta geração , diz sociólogo Para o pesquisador e sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, é preciso salvar essa geração de brasileiros com ações efetivas. O estudo Mapa da Violência 2011, coordenado por ele, mostra que 2,6 mil jovens foram executados de 1998 a 2008 na Paraíba e que os homicídios juvenis nesse período cresceram 12 vezes mais do que a população paraibana.
A projeção exclusiva feita pelo especialista revela que, no período de 2010 a 2020, poderão morrer 9.097 jovens nesta faixa etária, ou seja, quase quatro vezes mais paraibanos do que de 1998 a 2008.
Para o especialista, é preciso salvar essa geração com ações efetivas.
Fiz a análise e a projeção com dados oficiais de 2009. No período de 1999 a 2009, houve uma curva de crescimento impressionante da violência. Se nada mudar, a tendência para o período de 2010 a 2020 é esta. O quadro é pior porque a população jovem na Paraíba está caindo a cada censo e as taxas de homicídios juvenis aumentam mais ainda , explicou Julio Jacobo.
Ele disse que é necessário desenvolver uma política pública de combate à violência. É preciso adotar com maior ênfase programas de enfrentamento à violência existentes no nível federal, como a escola aberta, do MEC, outros programas do Pronasci, do Ministério da Justiça, ou ainda no Ministério do Trabalho e na Secretaria Nacional de Juventude , apontou.
Série será transformada em livro
A Série Geração Perdida será transformada em livro para ser distribuído com escolas da Paraíba e órgãos da rede de proteção da infância. A publicação será acompanhada de uma reportagem em DVD, uma forma mais atrativa e didática para os alunos. A diferença desse livro é que os personagens retratados são reais. Segundo a diretora executiva do Sistema Correio de Comunicação, Beatriz Ribeiro, esse projeto faz parte das ações em comemoração aos 58 anos do Jornal e valoriza toda equipe.
As drogas atingem jovens de todas as classes sociais. Com esse projeto, buscamos o compromisso de prestar a nossa contribuição. O básico todos fazem. Então, vamos atrás do impossível, para trazer o diferencial no nosso trabalho , ressaltou Beatriz Ribeiro, lembrando a campanha Crack, Jamais , lançada pelo Sistema Correio no Estado, com a adesão de organizações, instituições e sociedade civil.
A nova visão empresarial prevê o investimento em sustentabilidade, interação e em uma agenda social, no sentido de ultrapassar o limite industrial e comercial, buscando ações que referenciem a sua identidade junto à sociedade. Cada um tem a sua responsabilidade em relação à inclusão social , acrescentou o diretor de Jornalismo do Sistema Correio, Walter Galvão, que fará o prefácio do livro. A foto da capa é da fotógrafa Dayse Euzébio. A ilustração da capa e toda diagramação da obra é do designer Mário Miranda.
Jovem ameaçado por facções do tráfico Assustado, o jovem Daniel , 17 anos, procurou a reportagem do Correio e fez um apelo emocionado. Ele foi personagem da 2ª matéria da série, publicada em 22 de maio. Ele revelou que estava sem comer e já perambulava pelas ruas da Grande João Pessoa há quatro dias. Buscava ajuda para sair da Paraíba. Não encontrou proteção nem abrigo nos meios oficiais. Ele havia sofrido mais uma tentativa de assassinato por integrantes de uma facção do tráfico, em João Pessoa. O caso do jovem mostra o quanto a rede de proteção à infância e à adolescência ainda é frágil na proteção a usuários de drogas. Ele ainda não conseguiu sair do Estado, mas está em um lugar seguro.
Não tenho mais pra onde ir. Quero pedir as autoridades: Não desistam da gente! Não desistam! Existem muitos meninos como eu que precisam de ajuda ou vão morrer! O tráfico não pode vencer essa guerra , afirmou o jovem, emocionado. Para Daniel, as escolas deveriam ter segurança interna e revista nos alunos para evitar ações de traficantes.
Na escola, Daniel aprendeu outra lição, bem diferente. Comecei a usar droga dentro do colégio. Tudo começa pela bebida, depois vem o cigarro comum. Entra uma maconhazinha e chega no crack e no pó. Dentro de uma semana, o cara já está viciado e não consegue sair mais , contou.
Para o integrante da Associação de Conselheiros Tutelares da Paraíba, Luiz Antônio Brilhante, nesses casos como o de Daniel, a burocracia, muitas vezes, emperra os processos. Essa situação de meninos usuários de crack e ameaçados de morte é recorrente. Perdemos meninos todos os dias. Às vezes, não tem para onde mandar esses jovens. Em cidades do interior, a rede de retaguarda é ainda mais frágil , afirmou.
Para ele, é preciso uma atuação conjunta dos governos em todas as esferas, juntamente com a sociedade civil organizada. O Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), ligado à Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, foi instalado na Paraíba, mas ainda não foi colocado em prática. Somente entre 2009 e 2010, perdi seis adolescentes que acompanhava, na área de Mandacaru , informou Luiz Brilhante.
Esperança aumenta recuperação
No meio do fogo cruzado dessa narcoguerra , existem histórias de superação. O nome não poderia ser outro: Esperança. Este é o nome de uma fazenda, localizada no distrito de Mata Redonda, em Alhandra. Nesse lugar, jovens vencem uma batalha a cada dia na luta para superar o vício. Eles são de Estados diferentes, mas as histórias se cruzam. O carioca Tiago , 22 anos, foi campeão sul americano de natação. Mas o seu maior prêmio conquistou ajudando outros jovens.
Tiago ajuda jovens como Rodrigo, 24, natural de Olinda (PE). Perdi 12 anos da minha vida na droga. Passava seis dias sem dormir. Já vi muita criança sendo morta de tiro. Nunca tive um pai presente na minha vida. Tenho um filho de um ano. Não quero que ele tenha um pai noiado . Peço que Deus me ajude a superar. É nisso que busco força , concluiu. Os nomes dos jovens foram trocados para preservar a suas identidades.
Na última semana, a reportagem falou novamente com Daniel. Desta vez, ele falou de planos para seu futuro. Meu sonho é fazer uma faculdade de Direito. Quero provar pra todo mundo que sou capaz de ser melhor , afirmou o jovem.
Série recebe voto de aplauso
A Série Geração Perdida gerou discussões na Assembleia Legislativa da Paraíba (AL-PB), que apresentou, em junho, voto de aplausos ao Jornal Correio e à reportagem. O problema das drogas continua sendo debatido pelo Legislativo e gerou operações policiais esta semana, na Região Metropolitana da Capital. Na última segunda-feira, o tema voltou à pauta na AL. A Comissão Especial de Políticas sobre Drogas da AL divulgou que a Paraíba tem 40 mil dependentes de crack. Apenas 9 mil deles estão em tratamento médico em 67 comunidades terapêuticas. Um plano do Governo do Estado prevê o mapeamento de cidades e a qualificação de policiais para repressão. A Comissão quer determinar recursos no orçamento para o tratamento de usuários.
Projeção
A projeção feita pelo pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz mostra que deverão morrer mais jovens negros, seguindo a tendência atual. O Mapa da Violência 2011 mostra que a Paraíba é o 1º Estado do País no ranking de vitimização negra, onde morrem 20 vezes mais negros do que brancos. O estudo Mapa da Violência 2011 mostra, ainda, que entre 2002 e 2008, os homicídios de jovens brancos, na Paraíba, caíram de 5,8 para 4,9 homicídios (em 100 mil). Mas o índice de assassinatos de jovens negros no mesmo período passou de 31,5 para 76,8 (por 100 mil).
A Paraíba tem um dos maiores índices de vitimização negra do País. Se nada for feito nesse sentido, a vitimização de jovens negros, tendencialmente, deverá crescer ainda mais nos próximos anos , analisou Julio Jacobo. Para o especialista, é preciso reorientar as políticas nacionais, estaduais e municipais em torno da segurança pública, para enfrentar, de forma real, essa grave anomalia .
Henriqueta Santiago

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