24 de setembro de 2011

Caso como o do garoto D. não tem precedentes, dizem especialistas



Suicídio na infância é raro; para psiquiatra, 'explicar o ocorrido é exercício de imaginação'

Profissionais dizem que suicídio é mais comum após puberdade e está associado a transtornos como a depressão

LAURA CAPRIGLIONE
NATÁLIA CANCIAN

DE SÃO PAULO

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

O caso D. é tão singular que é difícil encontrar, tanto na literatura como na experiência de especialistas, paralelos que ajudem a entendê-lo.
"Hoje, qualquer hipótese para explicar o ocorrido é um exercício de imaginação", diz Bruno Mendonça Coêlho, coordenador da Unidade de Saúde da Infância e da Adolescência de São Caetano.
Para começar, suicídios na infância já são bastante raros. No Brasil, na faixa entre os dez e os 14 anos, ocorreram 106 casos em 2009, o que resulta numa taxa de 0,64 por cem mil habitantes. Para efeitos de comparação, o índice nacional é de 4,9 por cem mil - 7,7 vezes mais.
E, mesmo aí, a grande maioria dos casos se concentra nos 13 e 14 anos, pela simples razão de que 90% dos suicídios estão associados a transtornos mentais, como depressão e alcoolismo, que só costumam aparecer depois da puberdade.
Para complicar ainda mais a situação, D. não cometeu um suicídio clássico. Antes, ele atirou contra a professora, com o objetivo de matá-la. Assim, a história seria mais bem descrita como uma tentativa de homicídio seguida de suicídio, o que a torna ainda mais inaudita.
Assassinatos praticados por crianças são incomuns, mas ocorrem, despertando grande interesse da mídia. Em fevereiro de 1993, dois garotos de dez anos sequestraram, torturaram e assassinaram o menino inglês James Patrick Boulger, 2, um crime repulsivo, mas que não acabou em suicídio, e sim na prisão dos dois homicidas.
Não existe no Brasil nem mesmo nos EUA uma base de dados que catalogue os homicídios-suicídios. Estudos médicos, entretanto, estimam que ocorram, nos EUA, entre 1.000 e 1.500 casos por ano, menos de 5% do total de suicídios registrados no país.
"É o primeiro caso de que tomo conhecimento de uma criança brasileira usando intencionalmente uma arma para ferir alguém e, em seguida, se suicidar. Estamos até acostumados com acidentes de armas de fogo manuseadas por crianças, mas nunca uma tentativa de assassinato seguida de suicídio", disse a psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão.
Na mesma linha vai o psiquiatra da infância e adolescência da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) Fábio Barbirato. "Em quase 18 anos atendendo crianças, nunca vi um caso desses. Ele cometeu um ato homicida e agressivo. É um planejamento tão grande que não há como explicar", diz.
Barbirato afirma que, na idade de D., as crianças já têm capacidade de saber quais as consequências das suas ações, mas não de planejar um ato como esse.
Para ele, o menino sabia o que fazia: "A partir dos cinco, seis anos, a criança consegue entender que o que ela fizer vai ter um resultado positivo ou negativo".
Traçar uma genealogia desse episódio não é fácil. Até agora, não há relatos de que D. sofresse bullying. Ele também não apresentava sintomas depressivos. Era filho de uma família aparentemente estruturada, sem histórico de violência doméstica.
A polícia encontrou um desenho na mochila de D., retratando-o com uma arma em cada mão, ao lado de uma figura masculina, por ele identificada como "professor". A prova de uma mente obcecada pela violência? Para Rosely, não. "Qual é o menino nessa faixa etária que não faz desenhos de pessoas armadas?"
Segundo Coêlho, "a criança expressa menos o que sente, e é provável que D. não tenha jamais externado o imenso sofrimento psíquico que o atingia", disse.
Coêlho checou as fichas de pacientes que usaram os serviços de saúde mental de São Caetano. O nome do garoto não constava. "Todo mundo foi pego de surpresa," diz.

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