Não é só o poder econômico que migra do Ocidente para os emergentes; é também a capacidade de liderar DAVOS - Que há uma maciça transferência de riqueza e poder econômico do mundo rico para os emergentes, sobretudo China, é fato sabido. Os números citados ontem, em debate sobre o panorama da economia global, são eloquentes: de 2007, o ano prévio à eclosão da mais recente grande crise, até as previsões divulgadas na semana passada pelo FMI, o crescimento da China terá sido de 60%; o dos países emergentes da Ásia, de 50%; dos demais emergentes, 35%. Do mundo rico, zero.
Menos visível e, por isso menos comentada, é uma mudança que se poderia chamar de política e cultural.
Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, contou que, na recente cúpula do G20 em Cannes, ele ficara observando como os líderes dos países emergentes (Dilma Rousseff estava entre eles) olhavam para seus colegas dos países ricos.
Percebiam, segundo Zoellick, muita confusão e sentiam-se frustrados. Havia até certo desdém.
Para ele, essa transferência em benefício dos emergentes não é só econômica, também "é de percepções, é de atitudes", diz. Consequência inescapável: "O mundo nunca mais voltará ao ponto em que estava" [até a crise de 2008, que, na verdade, continua se desdobrando].
Se, em vez do sóbrio Zoellick, fosse o exuberante Luiz Inácio Lula da Silva, diria que os "brancos de olhos azuis" estão perdendo o lugar como faróis do planeta.
Talvez seja ilustrativo da mudança cultural o fato de que o único participante da mesa aplaudido ontem foi Donald Tsang, executivo-chefe de Hong Kong, quando disse que os ajustes até agora feitos para enfrentar a crise "esqueceram o povo".
Em todo o caso, a transferência de poder econômico e a desvalorização dos "brancos de olhos azuis" não significam que emergentes e ricos vivam situações muito diferentes. Tanto que Tsang, que não tem olhos azuis e governa uma região administrativa da China, que vai crescer mais de 8% este ano, contou, não obstante, que, em seus 40 anos de vida pública, jamais sentira tanto medo como agora.
"Ninguém está imune" [à crise], completou Christine Lagarde, a diretora-gerente do FMI.
O medo de Tsang é fácil de explicar: como disse Martin Wolf, moderador do debate e principal colunista do "Financial Times", a crise já tem 4,5 anos de vida, "e ninguém pode dizer que ela está superada".
O problema maior é que a discussão econômica, principalmente em torno da crise na eurozona, gira em falso. Pelo menos desde o G20 de Cannes, três meses atrás, os parceiros da Europa cobram o tal "firewall", um fundo de proteção sólido o suficiente para evitar que países grandes como Espanha e Itália quebrem como quebraram Grécia, Irlanda e Portugal.
Christine Lagarde chegou ao gesto teatral de erguer do chão a bolsa marrom que levara para o debate, mostrá-la aos debatedores e ao público, na esperança -brincou- de "coletar um pouco de dinheiro", naturalmente para o que ela chamou de "firewall decente".
Ninguém se animou a contribuir. Nem mesmo com ideias e propostas originais para justificar o rótulo de Davos como "montanha mágica", por ter sido o cenário do clássico de Thomas Mann com esse nome.
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