27 de janeiro de 2012

Em Davos, lideranças islâmicas tentam seduzir os empresários



Partidos vitoriosos na Tunísia e Egito buscam dissipar temorCLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
Sai a "Primavera Árabe", entra a "Primavera Islamita".
Essa sensação invadiu Davos desde o início do encontro 2012 do Fórum Econômico Mundial, a partir do fato de que partidos islamitas venceram as eleições no Egito e na Tunísia, os dois únicos países a realizarem pleitos democráticos pós-revolução, e até no Marrocos, em que o rei antecipou-se à revolta, adotando reformas que dão um passo rumo à democracia.
Era natural, portanto, que os islamistas tanto do Egito como da Tunísia despachassem quadros relevantes para tentar dissolver os temores do empresariado, cujos investimentos são essenciais para enfrentar os sérios problemas econômicos e sociais que as ditaduras legaram e que a instabilidade política agrava.
A mensagem central foi transmitida em voz baixa à Folhapelo médico egípcio Abdel Aboul Fotouh, preso várias vezes pelo regime de Hosni Mubarak por pertencer à Irmandade Muçulmana, organização-mãe dos partidos islamitas do mundo árabe:
"Precisamos muito de investimentos estrangeiros, e eles serão mais bem tratados no Egito democrático do que o eram na ditadura", diz esse membro do Conselho Diretivo da Irmandade e candidato presidencial.
Outro líder islamita, o tunisiano Rachid Ghannouchi, cofundador do partido Nahda (Renascimento), que hoje governa a Tunísia, ainda se sente um peixe fora d'água no ambiente de Davos, vestido com modéstia, jeito de professor de escola do interior, mas firme na sua garantia de que "o islã não é contra a modernização ou a democracia".
ORGANIZAÇÃO
Ghannouchi, exilado em Londres de 1989 até 2011, proibido de viajar aos países árabes e à maioria dos países europeus, solta também o que seria uma obviedade em qualquer democracia, mas que os temores do Ocidente obrigam os islamitas a usá-la: "Não é possível governar sem a legitimidade que vem do povo".
Se é assim, a pergunta seguinte inevitável é a que a Folha fez: "Os islamitas ganharam porque os eleitores acham que o islã é a solução para todos os problemas?".
Não, responde o egípcio Fotouh: "Ganharam não porque são islamitas, mas porque são um movimento social, que também presta serviços morais à população".
É uma alusão ao fato de a Irmandade Muçulmana, nas várias versões que tem no mundo árabe, suprir as carências do poder público com o atendimento a necessidades básicas da população.
Concorda, do outro lado do espectro político, Amira Yahyaoui, ativista de direitos humanos tunisiana e, como tal, uma das jovens que mergulharam na revolta que derrubou o governo Ben Ali: "A revolução árabe é uma questão de problemas sociais". Não é, portanto, uma questão religiosa.
"Os islamitas ganharam porque são os mais organizados, estão presentes em todo o país e porque os modernizadores fizeram a pior campanha possível", completa Amira.
DEMOCRACIA
Logo, a julgar pelos emissários das revoltas árabes, não se trata de oferecer às sociedades egípcia e tunisiana o que Ghannouchi chamou de "hegemonia dos clérigos", para que resolvam os problemas com a sua própria interpretação do Corão.
Trata-se de "reconstruir nossas sociedades", completa Amre Moussa, também candidato presidencial no Egito, ex-secretário-geral da Liga Árabe e laico, que diz não acreditar que os islamitas sejam contra a democracia. Seu argumento: "Foi a democracia que trouxe os islamitas ao poder".
A reconstrução, lembra Fotouh, passa por enfrentar um quadro social em que 40% da população está abaixo da linha da pobreza.
"Qualquer governo, seja qual for a sua ideologia, tem que encarar esse desafio, para o que é preciso encorajar o livre mercado e não colocar obstáculos".
É música aos ouvidos do público de Davos.

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