27 de janeiro de 2012
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Valor Econômico
Brasília é meio chata em janeiro. O Congresso está em recesso, as ruas estão vazias, chove quase diariamente. Parece que o tempo para na capital federal e a máxima de que o Brasil só acontece depois do Carnaval foi inventada aqui, no verdadeiro túmulo do samba. Bobagem. Nos corredores da Esplanada dos Ministérios, Brasília ferve há pelo menos duas semanas. Especialmente naqueles inoculados com o veneno antimonotonia da reforma ministerial, caso do Ministério da Cultura, de Ana de Hollanda.
Seu nome aparece insistentemente no noticiário político como uma das possíveis trocas no rearranjo ministerial. A dívida histórica que o PT tem com a família Buarque de Holanda - Sérgio, pai da ministra, foi um dos fundadores do partido; sua mulher, Maria Amélia, ostentava uma bandeira com a estrela vermelha na sala de sua casa até o dia de sua morte; e Chico, um dos irmãos, nunca voltou atrás em seu apoio mesmo nos momentos mais difíceis, como durante as denúncias do mensalão - conta a seu favor. O fato de que Dilma aprecia a lealdade com que Ana abraçou as restrições orçamentárias impostas a ela (em 2011, o orçamento da Cultura recebeu um corte de 37% com relação a 2010, ou R$ 529 milhões a menos), sem reclamar, e exerceu o perfil de gerente da cultura, também.
Ajuda ainda a questão de gênero. Mas essa seria facilmente sanada se Ana fosse substituída por outra mulher. Marta Suplicy (PT-SP) tem sido cogitada. Seria uma forma de agradar ao PT e à própria Marta, que ficou sem a Prefeitura de São Paulo, sem o Ministério da Educação e sem o da Ciência e Tecnologia. Outro nome que tem ganhado força é o de Marta Porto, que deixou o MinC em setembro. Diz-se, nos bastidores, que Antonio Grassi - padrinho político de Ana e presidente da Funarte - tentou emplacá-lo no auge da crise no MinC no lugar da afilhada.
Há homens que também já aparecem como possíveis sucessores, como o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc-SP, este mais independente, com forte aprovação no meio artístico. Acuada, a ministra não quis receber a reportagem, mas declarou recentemente: "Estou tranquila, tenho o apoio da classe artística e não vou entrar na 'noia'. Senão, eu não trabalho".
Ana de Hollanda, atriz, cantora e compositora de 63 anos, voltou de férias no dia 17 e mergulhou nos relatórios que apresentaria para a presidente Dilma Rousseff, em reuniões convocadas pela chefe com todos os ministros nos dias que se seguiriam. Ao longo de 2011, as duas tiveram apenas dois encontros particulares, de acordo com a agenda oficial da ministra - que se reuniu outras duas vezes com Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, e duas com Gilberto Carvalho, secretário-geral da presidente. Agora, Dilma quer resultados. E Ana de Hollanda precisa deles.
Para apagar a impressão de que seu primeiro ano como titular da pasta foi, ele sim, apagado, e que está na conta dela o fato de o MinC ter perdido protagonismo, a ministra confia em alguns trunfos. O primeiro foi a efetivação do Plano Nacional de Cultura, que estabelece metas para a área até 2020. Outro é a parceria com o Ministério da Educação - sonho antigo, alimentado desde Celso Furtado - para levar agentes culturais e de leitura a 2 mil escolas do Programa Mais Educação.
Ana confia ainda nos números que fez seus secretários compilarem. E eles são unânimes ao propagandear o que acreditam ser sua principal conquista, num período marcado por polêmicas e grita no mundo cultural: eficiência de gestão. "Chegamos a uma execução orçamentária de quase 100%, o que prova que não há retrocesso político ou de investimentos", diz Vitor Ortiz, secretário-executivo do MinC. Seguindo no mantra do orçamento, Grassi, da Funarte, afirma: "Depois de um primeiro semestre de muito embate, o segundo foi a prova de fogo, quando tivemos de provar que somos eficientes administrativa e politicamente".
A questão, garante o secretariado de Ana, é que muitas dessas contas que foram pagas em 2011 eram dívidas das gestões anteriores. E, quando se passa um ano pagando conta atrasada, não se tem muito a mostrar de novo. Além disso, a ministra, discreta, apolítica, com frequência elogiada como "muito disciplinada", sucedeu duas figuras extremamente carismáticas e expansivas e fez pouco lobby com a base governista no Congresso. Fica difícil vender o peixe da "eficiência de gestão" para os movimentos culturais e para os aliados quando seu antecessor mais folclórico, Gilberto Gil, falava em "do-in antropológico".
Essa falta de traquejo resultou na paralisação, por exemplo, da votação do Vale Cultura, tipo de tíquete de R$ 50 para trabalhadores que ganhem até cinco salários mínimos gastarem em livros, cinema, música e teatro. Aprovado pelo Senado em 2009, o projeto de lei segue em repouso na Câmara e a ministra não teve força política para dar prioridade a ele. Também não articulou mudanças na Lei Rouanet, demanda antiga dos produtores culturais. "A lei não atinge os pequenos produtores, principalmente aqueles que estão fora da Região Sul e Sudeste, pois as empresas não se interessam, na sua maioria, em atrelar seus nomes a projetos sem grande visibilidade. O MinC não criou nada para preencher essa lacuna", diz Daniel Gaggini, produtor, ator e cineasta, responsável pelo projeto CineFavela.
"Os momentos são diferentes. A gestão Dilma, como a da ministra, é de sistematizar os avanços conquistados na gestão Lula e Gil", afirma Sergio Mamberti, secretário de políticas culturais e no MinC desde 2003. Ele conhece Ana há 40 anos e assegura que seu perfil é o de uma questionadora, não o de uma "burguesa" como alguns de seus desafetos tentaram tachá-la, num anacronismo comum às discussões do meio cultural. "Fomos do Partido Comunista juntos, imagine. O problema é que sistematizar é colocar nos trilhos e isso pode dar a impressão de limitação, o que não é verdade", diz Mamberti.
Só que as visões "sistemáticas" de Ana sobre duas das principais bandeiras de Gil e de seu sucessor, Juca Ferreira, foram pontos de discordância com setores pesos pesados da discussão. Mexer com o vespeiro da cultura digital e ameaçar a valorização da cultura popular, com sua representação maior nos Pontos de Cultura, do Programa Cultura Viva, lhe trouxeram grandes prejuízos. "Ninguém esperava que a ministra rompesse com o ambiente de 'cogestão' entre o MinC e os movimentos sociais. O reconhecimento internacional da política de cultura digital na gestão Gil/Juca e de um programa como o Cultura Viva [exportado para boa parte da América Latina] foi fruto dessa cogestão, que se rompeu com a entrada de Ana de Hollanda", afirma Ivana Bentes, professora e pesquisadora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenadora do Pontão de Cultura Digital da ECO/UFRJ.
O rompimento foi abrupto. Uma das primeiras medidas da ministra foi a retirada do selo Creative Commons (CC) - uma espécie de bandeira da turma pela web livre - do site do MinC, o que revoltou os militantes mais libertários da rede. Hoje, ela tenta emplacar na nova Lei de Direitos Autorais a criação de uma licença pública nos moldes do CC, mas com base na legislação brasileira, além de um banco de dados único para os registros autorais. Os representantes da cultura digital, no entanto, não parecem convencidos.
"Lidar com os movimentos de cultura digital não é fácil aqui nem em lugar algum. É só ver o que está acontecendo nos Estados Unidos", argumenta José Murilo Junior, coordenador-geral de Cultura Digital no MinC, referindo-se ao embate sobre o Stop Online Piracy Act (Sopa), que colocou movimentos pela internet livre em guerra com o governo americano. "Mas nós estivemos em todas as reuniões com o pessoal que nos critica e explicamos que estamos num momento voltado para dentro, pensando tecnologias e plataformas para exercer essa liberdade."
Já a política do MinC para os Pontos de Cultura está sendo revista e alguns representantes dos mais de três mil pontos espalhados pelo país temem que as alterações resultem em menos repasses de verbas. "Tivemos de reavaliar editais da gestão anterior, porque muitas entidades, por falta de experiência técnica, não cumpriram exigências. Mas hoje temos capacidade de implantar 500 novos pontos por ano, com a proposta de que, mais do que financiamento, esses pontos precisam de fomento", afirma Márcia Rollemberg, secretária de Cidadania Cultural.
A suspensão desses repasses criou grande descontentamento num setor que sabe fazer barulho. Patrícia Ferraz, gestora de um ponto de cultura e membro do movimento Mobiliza Cultura, que bateu de frente com a ministra, diz que essa ação do MinC resultou em insegurança geral sobre a continuidade do programa. "Os motivos das suspensões não ficam claros. Há casos em que faltam páginas nos editais cancelados. Estão tentando desqualificar o processo."
Na origem desse turbilhão, o episódio do "desconvite" do sociólogo Emir Sader para dirigir a Casa Rui Barbosa, depois que ele declarou em entrevista à "Folha de S. Paulo" que a considerava "meio autista", fez que ela se enfraquecesse e passasse a enfrentar boatos sobre sua possível demissão desde os primeiros meses de gestão. "Apesar disso tudo, ela sempre agiu com muita serenidade. Sabia que esse enfrentamento era parte de assumir uma pasta em que os conflitos são históricos", afirma Vitor Ortiz, seu secretário-executivo.
Juntou-se a todas essas polêmicas o fato de que Ana de Hollanda tem a pecha de "ecadista". Desde seu discurso de posse, ela defende o "criador" como prioritário em sua gestão. Mas seus detratores a acusam de favorecer a indústria cultural em detrimento do pequeno produtor e usam seu histórico na direção do Centro de Música da Funarte e a nomeação de Márcia Barbosa, que seria bem próxima a pessoas do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos (Ecad), para a direção de Direitos Intelectuais do MinC, como argumentos.
O mais forte deles, no entanto, está na nova proposta para a reforma da Lei de Direitos Autorais, enviada pela ministra para a Casa Civil depois de uma revisão do projeto apresentado por Juca Ferreira. Uma das poucas mudanças do MinC foi justamente no que diz respeito à supervisão do Ecad: artistas pedem que haja um acompanhamento e uma fiscalização mais rigorosos da distribuição dos direitos autorais pelo órgão e o MinC recusa a criação de um conselho para isso. "Não pode ter política que defenda só alguns nichos [o músico filiado ao Ecad, os produtores ou criadores 'profissionais'], porque boa parte da produção cultural está fora desse pequeno gueto", diz Ivana Bentes.
Esse ambiente hostil e essa estigmatização da ministra Ana de Hollanda antecedem até mesmo sua nomeação. "Em dezembro de 2010 já tinha campanha contra ela", diz Antonio Grassi, lembrando da forte campanha pela permanência de Juca Ferreira na pasta. "O nome dela foi escolhido de forma fechada, sem discussão", lamenta José de Abreu, ator e militante petista que estava atrás da presidente Dilma no discurso de posse e rompeu com Ana por meio de uma carta pouco tempo depois. "Com a Ana, o MinC ficou desimportante. Nem as denúncias contra ela colam como colaram em outros ministros."
As denúncias a que ele se refere são as de que ela teria usado passagens aéreas e verbas do MinC em fins de semana para compromissos não oficiais no Rio, onde tem imóvel (a ministra devolveu o dinheiro), e de favorecimento a ONGs como a do consórcio de Monte Alto (o MinC alega que o convênio com a ONG foi firmado em 2010), por exemplo. A reação da ministra a esses casos foi vista dentro do MinC como tímida. Aliás, essa "timidez" foi um dos percalços na gestão. Pouco articulada com a imprensa e com outros políticos, Ana foi submetida a diversas sessões de "media training", mas sempre preferiu a circunspecção. "O MinC tornou-se mero 'balcão' que executa projetos e lança editais. Deixou de lado a capacidade de indução e articulação. Assim, não há chances sequer de brigar por um orçamento melhor dentro do governo", diz Ronaldo Lemos, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-Rio e fundador do projeto Overmundo.
Se as denúncias não colaram, também não se viu ninguém do PT e da base aliada sair em sua defesa publicamente. Em todas as crises que enfrentou, os apoios políticos à ministra foram para lá de discretos. Antonio Palocci, quando ainda estava na Casa Civil, e Gilberto Carvalho, emissário de Dilma no auge da turbulência no MinC, tentavam acalmar o PT, que queria derrubá-la. E foi isso.
Hoje, é difícil saber quem a sustenta politicamente no cargo. "A história dela não é de militância política. A sensação no Congresso é de que ela é totalmente deixada de lado por sua base e, além disso, a cultura não está entre as prioridades do governo Dilma", diz o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ).
Este ano deve continuar sendo de aperto financeiro sob Dilma Rousseff. Embora o MinC possa vir a ter um orçamento mais rechonchudo do que em 2011, com estimados R$ 1,79 bilhão, fora as emendas que devem engordar a conta das Praças do PAC, sob responsabilidade da Cultura, e do Fundo do Audiovisual, a "eficiência de gestão" talvez não contente um setor que urge por efervescências. De qualquer modo, Ana de Hollanda segue despachando na (não tão) tranquila Brasília de janeiro.
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