29 de janeiro de 2012

MARCELO NERI, A nova classe média




Riqueza maior que ouro, mata e pau que deram cor e nome à nossa nação é o brilho no olhar brasileiro
No honroso convite para escrever neste espaço, sugeriram-me tratar das relações entre sociedade e economia, em particular da nova classe média brasileira. O tema ganha força com o belo caderno da Folha e o discurso de Barack Obama da semana passada. Acabo de publicar livro pela Editora Saraiva que sintetiza e estende pesquisas nesse tema.
Há 25 anos eu e meu grupo nos debruçamos sobre a distribuição de renda brasileira. Estendemos a análise da pobreza absoluta a outros segmentos da população. Em particular, acompanhamos a evolução das classes econômicas (de A1 a E2).
Os sociólogos podem relaxar, pois não estamos falando de classes sociais (operariado, burguesia, capitalistas etc.), mas de estratos econômicos.
Leia-se dinheiro no bolso, segundo os economistas a parte mais sensível da anatomia humana.
Nova classe média foi o apelido que demos à classe C anos atrás. Chamar a pessoa de classe C soa depreciativo, pior que classe A ou B, por exemplo. Nova classe média difere em espírito do "nouveau riche", que discrimina a origem das pessoas. Ela dá o sentido positivo e prospectivo daquele que realizou -e continua a realizar- o sonho de subir na vida.
Mais importante do que de onde você veio ou está é aonde você quer e vai chegar. Nova classe média não é definido pelo ter, mas pela dialética entre o ser e o estar.
A opção foi aninhar nossa metodologia na clássica literatura de bem-estar social baseada em renda familiar per capita. Entre 2003 e 2001, cerca de 40 milhões de pessoas, uma Argentina, juntou-se à classe média aqui. O Rio Grande do Sul contém 30 dos 50 municípios com maior participação relativa dela. Niterói é a cidade mais classe A.
Projetamos mais 32 milhões em seis anos entrando nas classes ABC. A nova classe AB, isto é, pessoas que ascenderam à elite, ganhará nos próximos anos atenção semelhante àquela devotada à nova classe média nos últimos.
Para além da renda, incorporamos outras dimensões como sustentabilidade e percepções das pessoas. O primeiro caso trata das relações concretas entre fluxos de renda e estoques de ativos abertos em duas grandes frentes: a do produtor e a do consumidor analisadas em detalhes sociais e setoriais.
O lado do produtor se apoia em economia do trabalho, leia-se emprego, mas também empreendedorismo. O outro lado se apoia na literatura de consumo e poupança, que é tão ou mais fraca no Brasil quanto as nossas taxas de poupança.
Criamos indicadores sintéticos dessas duas dimensões. E, para a minha surpresa, e talvez para a sua, o lado do produtor andou 38% mais rápido que o do consumidor.
A nova classe média constrói seu futuro em bases sólidas que sustentem o novo padrão adquirido. Isso é o que chamamos de lado brilhante dos pobres.
Mais do que frequentar tem-
plos de consumo, o que move a nova classe média brasileira é a produção. Carteira de trabalho é o seu principal símbolo. Famílias com menos filhos, investindo mais na educação deles.
A nova classe média nasce a partir da recuperação de atrasos tupiniquins. Ela é filha da volta do crescimento com a redução da desigualdade. Muito diferente daquela dos demais Brics.
Ao fim e ao cabo, fluxos ou estoques de dinheiro podem trazer, ou não, a felicidade. Acoplamos atitudes e expectativas das pessoas em relação a suas vidas tal como desenvolvido na literatura de felicidade, que apenas há pouco ganhou a atenção e talvez algum respeito por parte dos economistas.
Atestamos em quatro ocasiões diferentes que, entre mais de 130 países, o brasileiro é o povo mais otimista em relação à sua vida cinco anos à frente.
O "brasileiro, profissão esperança" de que a vida vai melhorar me ajudou a entender o que as grandes bases de dados e minhas idas a campo indicavam sobre os novos emergentes.
Mais do que o ouro, as matas e o pau que deram cor e nome à nossa nação, riqueza maior é o brilho deles refletido no olhar brasileiro.

MARCELO NERI, 48, é economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, na Fundação Getulio Vargas, e autor de "Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grameem Brasileiro" (editora da Fundação Getulio Vargas) e "A Nova Classe Média" (editora Saraiva).

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