31 de janeiro de 2012

O poder é partilhado na revolução do século XXI , Ricardo Abramovay


Para o Valor, de São Paulo
Rifkin, articulador e ativista: prognósticos de quem conversa com personalidades do
mundo político e empresarial
Não é inocente o uso da palavra revolução no nome de batismo das
eras econômicas. Mais do que técnicas e possibilidades de mercado,
o que está em jogo na terceira revolução industrial anunciada por
Jeremy Rifkin é um novo poder: partilhado, descentralizado,
colaborativo ou, para usar a expressão do título de seu último livro,
lateral. Em comum com as duas revoluções industriais anteriores, a
do século XXI também emerge da convergência entre novos meios
de comunicação e formas inéditas de produção de energia. A
coerência dos grandes períodos históricos dos últimos dois séculos é
dada por essa unidade entre comunicação e energia. O carvão e o
vapor, no século XIX, abrem caminho não só para estradas de ferro,
e imensas frotas navais, mas também para a massificação de
materiais impressos, o que favorece o surgimento da educação
pública na Europa e nos Estados Unidos. Na segunda revolução
industrial, que domina todo o século XX, o petróleo e a eletricidade
permitem o motor a combustão interna, o automóvel individual e,
sobretudo a comunicação apoiada em grandes centrais elétricas:
telégrafo, telefone, rádio e televisão.
A terceira revolução industrial tem como marca central a rede de
energia/internet. O fundamental não está na energia, na internet ou
na noção de rede, e sim na junção das três: não só a energia, mas
parte crescente da prosperidade do século XXI virá de uma
organização social assinalada pela descentralização, pela cooperação
e pela partilha.
O prognóstico já seria intrigante se partisse de um destacado
acadêmico ou de um ativista ligado a movimentos sociais globais.
Mas Rifkin tem ainda a qualidade de hábil articulador voltado ao
diálogo com importantes dirigentes políticos contemporâneos e
personalidades centrais na formulação e execução das estratégias deempresas globais. Professor do Wharton School's Executive
Education Program, da Universidade da Pensilvânia, autor de 18
livros (entre eles, já traduzidos para o português, "A Era do Acesso",
"O Fim dos Empregos", "A Economia do Hidrogênio" e "O Sonho
Europeu"), Rifkin, nos últimos dez anos, manteve estreito contato
com figuras como Angela Merkel, Manuel Barroso e José Luiz
Zapatero, o que contribuiu para que o termo terceira revolução
industrial se incorporasse a inúmeros documentos da União
Europeia. Ao mesmo tempo, em torno da terceira revolução
industrial reúne-se hoje uma centena de dirigentes empresariais
globais. Muito mais do que um conjunto abstrato de normas e
prescrições, a terceira revolução industrial está na agenda de
algumas das mais importantes forças sociais e políticas
contemporâneas.
Pelas resistências que desperta e pela mobilização que exige, seu
sucesso depende de uma nova narrativa. A do período que se esgota
agora é clara: concentrar recursos, fortalecer os regimes exclusivos
de propriedade e favorecer a busca estreita dos interesses
individuais são condições para a eficiência alocativa, da qual
decorreriam produção de riqueza e bem-estar crescentes. A crise
desencadeada em 2008 foi a pá de cal que retirou coerência a essa
narrativa, como mostra o livro em sua primeira parte.
A narrativa da terceira revolução industrial, também exposta no
livro, apoia-se em cinco pilares, que trazem consigo uma
reorganização na cultura, nos modos de vida e nas formas de se fazer
negócio. O primeiro está na passagem (nada trivial, é claro) das
energias fósseis para as renováveis. O segundo, e talvez mais
importante dos cinco pilares, é a transformação do estoque de
construções de todo o mundo em microusinas de coleta (e de
distribuição) de energia. Na União Europeia, onde essa ideia se
converteu em orientação de política pública, Rifkin fala da existência
de 190 milhões de microusinas. Cada edificação tem o poder de
absorver e transformar localmente energia vinda dos ventos, do sol e
da reciclagem daquilo que seus ocupantes produzem e consomem. O
princípio é que, contrariamente aos combustíveis fósseis ou ao
urânio (energias de elite, que se encontram apenas em alguns
lugares), as renováveis estão por toda parte. E, embora distante do
horizonte brasileiro, Rifkin cita numerosos exemplos em que esse
aproveitamento das energias descentralizadas e renováveis permite
novos modelos de negócio.
O terceiro pilar está em tecnologias que permitirão armazenar (para
se poder, então, distribuir) o produto dessas fontes inevitavelmente
instáveis de energia de que são potencialmente dotadas as
edificações. Rifkin prevê que, até meados deste século, a União
Europeia terá uma economia do hidrogênio inteiramente apoiada
em energias renováveis. Mas isso supõe - quarto pilar - que os
dispositivos da economia da informação em rede possam promover
a integração e a partilha desse fluxo de energia produzido de
maneira descentralizada. Aí reside a nova unidade entre
comunicação e energia. São redes inteligentes, mas que operam com
base em energias produzidas localmente, ao contrário das duas
revoluções industriais anteriores. Além de resolver um problema de
oferta de energia, essas redes dão lugar a uma nova forma de poder,
não mais hierárquico, mas distributivo, colaborativo, em rede. Não
se trata apenas de substituir a centralização dos fósseis, da energia
nuclear e das grandes hidrelétricas por gigantescas unidades solares
ou eólicas. O mais importante é promover a oferta desconcentrada e
partilhada de energia.
O quinto pilar está no sistema de transportes, que dará maior peso
aos equipamentos coletivos e também, no que se refere aos veículos
individuais, aos carros elétricos e baseados em células combustíveis,
integrados igualmente a esse sistema descentralizado de redes
inteligentes.
Nada garante, é claro, o triunfo do poder lateral. Mas o livro de
Rifkin mostra condições especialmente privilegiadas para que
colaboração social, partilha e descentralização formem a base da
prosperidade no século XXI.
Ricardo Abramovay é professor titular do departamento
de economia e do Instituto de Relações Internacionais da
USP, pesquisador do CNPq e da Fapesp. Twitter:
@abramovay - www.abramovay.pro.br
"The Third Industrial Revolution"
Jeremy Rifkin. Palgrave Macmillan. 304 págs., US$ 27,95

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