Valor, 24 de feverero,2012
Cultura, coisa de gente idiota que acha que ser macho é matar. Então, o cara quer prestar um serviço, você é meu amigo, tem um cara que você não gosta, eu lhe dou de presente de aniversário o cara morto. Teve um problema pessoal, uma dívida, levou um chifre? Mata! Foi assim que o governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho, tentou explicar os motivos pelos quais o seu Estado se tornou o mais perigoso do país, com índice de assassinatos compatível ao de países em guerra civil.De acordo com números do Instituto Sangari, o número de homicídios avançou 161% em Alagoas entre 2000 e 2010, ano em que atingiu a marca de 67 mortes para cada 100 mil habitantes. No mesmo período, a média nacional registrou um ligeiro recuo, para 26 homicídios a cada grupo de 100 mil habitantes.
Na capital alagoana a situação é ainda mais alarmante. Maceió foi apontada pela ONG mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública como a terceira cidade mais violenta do mundo em 2011, atrás de San Pedro Sula, em Honduras, e Ciudad Juárez, no México. O município brasileiro atingiu no ano passado, segundo o relatório, a impressionante marca de 135 mortes para cada 100 mil habitantes.
Como em toda grande cidade, Maceió tem boa parte da violência explicada pelas mazelas sociais, especialmente pobreza, desemprego e tráfico de drogas. O índice tão elevado de homicídios, porém, revela algumas especificidades locais, como a cultural, apontada pelo governador. Muita gente acha que para ser importante tem que ter mandado matar uns dois ou três. Ainda tem deputado com essa cabeça aqui, disse Vilela, apontado o dedo indicador para a janela de seu gabinete, no centro da capital alagoana.
De acordo com a cientista social Ana Claudia Laurindo, os indicadores de violência também refletem os traços ainda existentes do coronelismo na sociedade alagoana. Neste ambiente, a oferta de um bom emprego em uma terra de poucas oportunidades cria uma relação de lealdade que chega a limites extremos, no caso os crimes de mando.
A violência vem de cima para baixo, com os assassinatos políticos, e se espalha como uma cultura. Temos muita gente morrendo por motivo torpe e fútil. A falta de oportunidades, a impunidade e o completo desaparelhamento das polícias contribuem ainda mais. É uma mistura dos crimes políticos com o abandono social, resume Ana Cláudia.
Em uma audiência recente com representantes do Ministério da Justiça, Vilela diz ter pedido socorro ao governo federal. No encontro, ele apresentou a miséria como pano de fundo do banho de sangue em Alagoas. Contudo, foi questionado sobre o porquê de o Piauí, tão pobre quanto Alagoas, apresentar índices significativamente menores de assassinatos.
A pobreza do Piauí é espalhada em um território imenso. O conceito de família fica mais preservado. A droga não chega com tanta facilidade nessas grotas. Maceió é terceira maior densidade demográfica do país, a maior do Nordeste, com metade da população abaixo da linha da pobreza, vivendo em favela e totalmente vulnerável, justificou Vilela.
Para combater o problema, o governador diz estar aumentando o efetivo das polícias e investindo em aparelhagem. Semana passada, no entanto, entidades ligadas à Polícia Militar debateram a possibilidade de uma paralisação. Reclamam melhores salários e condições de trabalho. O governador também clama por mais ajuda federal. Eles têm me atendido, mas nem de longe, nem em sonho, como ajudam o Rio de Janeiro. (MC)
Estados - Judiciário mais lento do país agrava credibilidade das instituiçõesMurilo Camarotto
No início de fevereiro, a primeira página do jornal Gazeta de Alagoas destacou a foto de dois vereadores de Barra de Santo Antônio, cidade do litoral norte do Estado. Feridos e maltrapilhos, eles se engalfinharam no plenário durante a votação do Orçamento do município. Semanas antes, circulou em Alagoas a notícia de um plano que visava o assassinato de deputados estaduais. Também recentemente, ganhou o noticiário nacional o julgamento do assassinato, em 1998, da deputada federal Ceci Cunha (PSDB).
Comuns no século passado, com algum realce na região Nordeste, os desfechos trágicos de disputas políticas continuam assustadoramente presentes no cotidiano de Alagoas. O atraso no modus operandi político, porém, não se resume a essas práticas. A avaliação geral é de que o aparato trazido pela Constituição de 1988 passou ao largo de Alagoas, o que pode ser percebido na falta de credibilidade das instituições e no modelo feudal de poder estabelecido há décadas pela chamada oligarquia do açúcar, que ainda manda, e muito.
O governador Teotônio Vilela Filho (PSDB), por exemplo, é herdeiro de uma importante usina do Estado, apesar de não ter atuação direta no negócio há vários anos. A família do presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Toledo (PSDB), comanda um dos grupos sucroalcooleiros mais tradicionais de Alagoas. Toledo, aliás, é o preferido do governador para assumir uma cadeira no Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Na avaliação de Ranulfo Paranhos, cientista político da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a concentração em algumas poucas famílias do poder político e econômico, sem falar nos meios de comunicação, inibe o surgimento de novas lideranças. Alagoas tem uma espécie de 'trava de cultura'. O ciclo das elites é muito mais lento, de forma de que é muito mais difícil que alguém de fora consiga entrar. Eles capitalizam politicamente todo e qualquer investimento, especialmente os federais. E assim, se perpetuam, explica.
Hoje vereadora em Maceió, a ex-senadora Heloísa Helena (PSOL) acredita que a manutenção do modelo político alagoano se torna exequível pela ausência de focos de resistência. Em outros Estados você ainda enxerga alguma oposição na sociedade, seja por um grupo de empresários ou algum órgão da imprensa. Aqui não. A capacidade de mimetismo dessa elite envolve a todos, até mesmo o governo federal, diz. Talvez tenha sido este o motivo pelo qual, em 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) preferiu não interferir na corrida estadual, tanto que não pisou em Alagoas durante a campanha.
De acordo com Paranhos, o modelo político hegemônico impediu que o Estado se beneficiasse do novo aparato democrático. Estamos 20 anos atrasados do ponto de vista político. Alagoas parece não ter entendido o aparato institucional pós-1988, de instituições fortes, Lei de Responsabilidade Fiscal etc. Estamos presos em um modelo atrasado, sem projetos e sem políticas públicas. Um modelo pós-coronelismo e pré-Constituição de 1988, definiu o estudioso.
O governador não discorda. Segundo Teotônio Vilela, os péssimos indicadores sociais de Alagoas - quase sempre os piores do Brasil - são resultado de erros políticos em série. Foi falta de iniciativa, de visão. As secretarias eram distribuídas politicamente, como feudos. Não havia política social, de desenvolvimento, não havia gestão para atração de investimentos. Foi uma total ausência de política, reconheceu Vilela, que garante ter profissionalizado sua gestão, apesar de sobrenomes ilustres constarem na lista de secretários.
A Assembleia Legislativa e o TCE reproduzem o modelo. O expediente dos dois órgãos conta com representantes de poderosas famílias locais, como Bulhões e Albuquerque, por exemplo. Este último sobrenome, disseminado pelo deputado estadual Antonio Albuquerque (PTdoB), também esteve ultimamente no noticiário, quando o filho do parlamentar foi baleado em uma esquina de Maceió.
Espécie de caixa-preta, o TCE alagoano não tem boa fama, sendo conhecido localmente como Tribunal do Faz de Conta. O economista Cícero Péricles, da Ufal, aponta uma extrema benevolência do órgão colegiado para com as contas do governo. Na mesma linha, Paranhos afirma que o tribunal só aparece quando alguma cadeira fica vaga, o que é o caso atualmente. Uma guerra de liminares vem postergando a nomeação do novo conselheiro.
Já o Legislativo coleciona escândalos. O mais famoso, e que ainda repercute, eclodiu em 2007, quando a Polícia Federal desbaratou um esquema de desvio de verbas na Casa, que teria movimentado mais de R$ 300 milhões e que ficou conhecido como Operação Taturana. Mais de dez deputados estaduais foram indiciados, entre os quais alguns que se reelegeram em 2010. Há, em Alagoas, uma facilidade incrível em corruptos voltarem à cena política, registra Paranhos.
Segundo o cientista político, o Legislativo alagoano gasta quase todo o seu tempo ocupado em livrar os parlamentares de punições. Em dezembro de 2011, na última sessão antes do recesso, os deputados aprovaram um decreto impedindo que o Tribunal de Justiça de Alagoas determine o afastamento de parlamentares, função que caberia apenas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Dados coletados por Paranhos no Conselho Nacional de Justiça apontam ainda o Judiciário alagoano como o mais lento do país. De acordo com os números, o tempo médio de julgamento para crimes de improbidade administrativa é de dez anos, contra uma média nacional de 5,2 anos.
Instado a avaliar a atuação do Tribunal de Justiça de Alagoas, um juiz que preferiu não ter o nome publicado disse que a concentração do poder político e econômico em feudos regionais está diretamente refletida no Judiciário. Esse modelo foi determinante para a formação dos quadros da magistratura. E, obviamente, contribuiu para esse desempenho, disse ele - que está jurado de morte - sobre a morosidade dos julgamentos de políticos corruptos.
De acordo com a cientista social Ana Claudia Laurindo, a sensação de impunidade proporcionada aos poderosos de Alagoas, aliada à cultura violenta de se resolver as divergências políticas, ajuda a calar os poucos focos de resistência nas instituições. Temos aqui uma história de coronelismo de derramamento de sangue, literalmente. Vivemos num Estado onde a população sente medo de ser assassinada. Aqui se tem medo de fazer pressão, por isso os órgãos colegiados não atuam, não fazem o que deviam fazer.
No início de fevereiro, a primeira página do jornal Gazeta de Alagoas destacou a foto de dois vereadores de Barra de Santo Antônio, cidade do litoral norte do Estado. Feridos e maltrapilhos, eles se engalfinharam no plenário durante a votação do Orçamento do município. Semanas antes, circulou em Alagoas a notícia de um plano que visava o assassinato de deputados estaduais. Também recentemente, ganhou o noticiário nacional o julgamento do assassinato, em 1998, da deputada federal Ceci Cunha (PSDB).
Comuns no século passado, com algum realce na região Nordeste, os desfechos trágicos de disputas políticas continuam assustadoramente presentes no cotidiano de Alagoas. O atraso no modus operandi político, porém, não se resume a essas práticas. A avaliação geral é de que o aparato trazido pela Constituição de 1988 passou ao largo de Alagoas, o que pode ser percebido na falta de credibilidade das instituições e no modelo feudal de poder estabelecido há décadas pela chamada oligarquia do açúcar, que ainda manda, e muito.
O governador Teotônio Vilela Filho (PSDB), por exemplo, é herdeiro de uma importante usina do Estado, apesar de não ter atuação direta no negócio há vários anos. A família do presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Toledo (PSDB), comanda um dos grupos sucroalcooleiros mais tradicionais de Alagoas. Toledo, aliás, é o preferido do governador para assumir uma cadeira no Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Na avaliação de Ranulfo Paranhos, cientista político da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a concentração em algumas poucas famílias do poder político e econômico, sem falar nos meios de comunicação, inibe o surgimento de novas lideranças. Alagoas tem uma espécie de 'trava de cultura'. O ciclo das elites é muito mais lento, de forma de que é muito mais difícil que alguém de fora consiga entrar. Eles capitalizam politicamente todo e qualquer investimento, especialmente os federais. E assim, se perpetuam, explica.
Hoje vereadora em Maceió, a ex-senadora Heloísa Helena (PSOL) acredita que a manutenção do modelo político alagoano se torna exequível pela ausência de focos de resistência. Em outros Estados você ainda enxerga alguma oposição na sociedade, seja por um grupo de empresários ou algum órgão da imprensa. Aqui não. A capacidade de mimetismo dessa elite envolve a todos, até mesmo o governo federal, diz. Talvez tenha sido este o motivo pelo qual, em 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) preferiu não interferir na corrida estadual, tanto que não pisou em Alagoas durante a campanha.
De acordo com Paranhos, o modelo político hegemônico impediu que o Estado se beneficiasse do novo aparato democrático. Estamos 20 anos atrasados do ponto de vista político. Alagoas parece não ter entendido o aparato institucional pós-1988, de instituições fortes, Lei de Responsabilidade Fiscal etc. Estamos presos em um modelo atrasado, sem projetos e sem políticas públicas. Um modelo pós-coronelismo e pré-Constituição de 1988, definiu o estudioso.
O governador não discorda. Segundo Teotônio Vilela, os péssimos indicadores sociais de Alagoas - quase sempre os piores do Brasil - são resultado de erros políticos em série. Foi falta de iniciativa, de visão. As secretarias eram distribuídas politicamente, como feudos. Não havia política social, de desenvolvimento, não havia gestão para atração de investimentos. Foi uma total ausência de política, reconheceu Vilela, que garante ter profissionalizado sua gestão, apesar de sobrenomes ilustres constarem na lista de secretários.
A Assembleia Legislativa e o TCE reproduzem o modelo. O expediente dos dois órgãos conta com representantes de poderosas famílias locais, como Bulhões e Albuquerque, por exemplo. Este último sobrenome, disseminado pelo deputado estadual Antonio Albuquerque (PTdoB), também esteve ultimamente no noticiário, quando o filho do parlamentar foi baleado em uma esquina de Maceió.
Espécie de caixa-preta, o TCE alagoano não tem boa fama, sendo conhecido localmente como Tribunal do Faz de Conta. O economista Cícero Péricles, da Ufal, aponta uma extrema benevolência do órgão colegiado para com as contas do governo. Na mesma linha, Paranhos afirma que o tribunal só aparece quando alguma cadeira fica vaga, o que é o caso atualmente. Uma guerra de liminares vem postergando a nomeação do novo conselheiro.
Já o Legislativo coleciona escândalos. O mais famoso, e que ainda repercute, eclodiu em 2007, quando a Polícia Federal desbaratou um esquema de desvio de verbas na Casa, que teria movimentado mais de R$ 300 milhões e que ficou conhecido como Operação Taturana. Mais de dez deputados estaduais foram indiciados, entre os quais alguns que se reelegeram em 2010. Há, em Alagoas, uma facilidade incrível em corruptos voltarem à cena política, registra Paranhos.
Segundo o cientista político, o Legislativo alagoano gasta quase todo o seu tempo ocupado em livrar os parlamentares de punições. Em dezembro de 2011, na última sessão antes do recesso, os deputados aprovaram um decreto impedindo que o Tribunal de Justiça de Alagoas determine o afastamento de parlamentares, função que caberia apenas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Dados coletados por Paranhos no Conselho Nacional de Justiça apontam ainda o Judiciário alagoano como o mais lento do país. De acordo com os números, o tempo médio de julgamento para crimes de improbidade administrativa é de dez anos, contra uma média nacional de 5,2 anos.
Instado a avaliar a atuação do Tribunal de Justiça de Alagoas, um juiz que preferiu não ter o nome publicado disse que a concentração do poder político e econômico em feudos regionais está diretamente refletida no Judiciário. Esse modelo foi determinante para a formação dos quadros da magistratura. E, obviamente, contribuiu para esse desempenho, disse ele - que está jurado de morte - sobre a morosidade dos julgamentos de políticos corruptos.
De acordo com a cientista social Ana Claudia Laurindo, a sensação de impunidade proporcionada aos poderosos de Alagoas, aliada à cultura violenta de se resolver as divergências políticas, ajuda a calar os poucos focos de resistência nas instituições. Temos aqui uma história de coronelismo de derramamento de sangue, literalmente. Vivemos num Estado onde a população sente medo de ser assassinada. Aqui se tem medo de fazer pressão, por isso os órgãos colegiados não atuam, não fazem o que deviam fazer.
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