19 de fevereiro de 2012
Revista Pesquisa Fapesp | BR
O que você não quer ser quando crescer
Pesquisa FAPESP - -->
© leo ramos
Mesmo vivendo num mundo imerso em tecnologia, o jovem, ao se deparar com a célebre pergunta o que você quer ser quando crescer? , dificilmente responderá cientista . Segundo a pesquisa Los estudiantes y la ciência, projeto do Observatório Ibero-americano de Ciência, Tecnologia e Sociedade (Ryct/Cyted), organizado pelo argentino Carmelo Polino, apenas 2,7% dos estudantes secundaristas (de 15 a 19 anos) da América Latina e Espanha pensam em seguir uma carreira nas áreas de ciências exatas ou naturais, como biologia, química, física, e matemática (as ciências agrícolas mal aparecem). Realizada entre 2008 e 2010, foram consultadas cerca de 9 mil escolas, privadas e particulares, em sete capitais: Assunção, São Paulo, Buenos Aires, Lima, Montevidéu, Bogotá e Madri. Curiosamente, 56% dos entrevistados se disseram interessados em se profissionalizar em ciências sociais e um quinto deles optou pelas engenharias.
A equipe brasileira participante do projeto veio do Laboratório de Jornalismo da Unicamp (Labjor), coordenado pelo linguista Carlos Vogt, responsável pelo capítulo Hábitos informativos sobre ciência e tecnologia do livro, lançado em espanhol e disponível apenas para download pelo link www.oei.es/salactsi/libro-estudiantes.pdf.
São dados preocupantes para sociedades em cujas economias há uma intensa necessidade de cientistas e engenheiros, mas há um baixo interesse dos jovens por essas profissões. E as razões alegadas igualmente são desanimadoras: 78% dos estudantes explicam sua opção por achar que as ciências exatas e as naturais são muito difíceis , quase metade dos alunos as considera chatas , enquanto um quarto deles afirma que esses campos oferecem oportunidades limitadas de emprego , afirma Polino. O número de alunos de ciências já está num patamar insuficiente para as necessidades da economia e indústria e, acima de tudo, para lidar com os problemas a serem enfrentados pelas sociedades no futuro.
Ainda segundo os entrevistados, o desânimo em face do desafio das ciências está ligado, em boa parte, à forma como elas são ensinadas, e reclamam que os recursos utilizados em sala de aula são limitados. Metade dos adolescentes tampouco acredita que as matérias científicas tenham aumentado sua apreciação pela natureza, nem que sejam fontes de solução para problemas de vida cotidiana.
Há barreiras culturais, porque os jovens de hoje acham que para ter êxito na vida, ter dinheiro, não é preciso estudar muito. É possível escolher uma carreira de resultados econômicos mais rápidos. A cultura do esforço, que é a cultura da ciência, vem perdendo espaço. Temos a necessidade urgente de uma política pública de educação e comunicação da ciência , avisa Polino. Em alguns pontos a nova pesquisa reforça algumas tendências observadas no estudo anterior do grupo, Percepção pública da ciência (ver "Imagens da ciência na edição 95 de Pesquisa FAPESP; Leitores esquivos , na 188; e Avanços e desafios , na 185), de 2004, mas a pesquisa recente, com o foco nos jovens, traz novos e preocupantes dados.
Num país como o nosso, cujo futuro depende dos avanços de ciência e tecnologia, e onde há uma grande carência de profissionais técnicos e engenheiros, esses números demandam atenção das autoridades e da sociedade em geral para despertar nesses jovens o interesse pelas carreiras científicas. Acima de tudo, é um paradoxo, porque vivemos num mundo estruturado pela presença da tecnologia em todos os espaços da vida das pessoas , analisa Vogt. Apreciamos as benesses do esforço científico, mas não nos interessamos em continuar esse trabalho. As facilidades são ofertadas, mas são ilusórias, porque se quisermos tomar posse dessas conquistas é preciso capacitação científica, capacidade de abstração, mesmo com todas essas dificuldades que advêm do estudo das ciências exatas e naturais. Já existem obstáculos grandes para os jovens adentrarem o mundo das ciências, visto como hermético, uma coisa de iniciados com linguagem própria que pouco tem a ver com o mundo sensível em que vivemos, exigindo um alto grau de abstração, e nem sempre se pode encontrar com facilidade analogias na vida pessoal dos estudantes , observa Vogt.
Imagine tudo isso num país como o nosso em que apenas 2% dos formados desejam seguir uma carreira no magistério. A situação de ensino é lamentável e, na maioria dos casos, quem dá aulas de ciências vem de campos alternativos, como engenheiros ou médicos, pouco interessados em facilitar ou renovar a maneira de ensinar.
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