18 de outubro de 2012

'Estatuto do Desarmamento colaborou para queda de homicídios na região Sudeste'


Como sempre afirmamos nos Mapas da Violencia!!

No Nordeste, acelerado desenvolvimento econômico fez crescer os crimes patrimoniais e uso de armas de fogo para proteção pessoal, afirma cientista político

18 de outubro de 2012 | Estado de São Paulo


A taxa de homicídios brasileira está em 26,2:100 mil habitantes, segundo dados de mortalidade do ministério da saúde de 2010. O crescimento linear observado desde 1980 foi estancado por volta de 2003, ano em que entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento, em razão de quedas observadas principalmente na Região Sudeste. O processo de redução seria ainda maior, não fosse o crescimento observado nas regiões Norte e Nordeste, onde o acelerado desenvolvimento econômico fez crescer os crimes patrimoniais e com eles o uso de armas de fogo para proteção pessoal.

O sociólogo Max Weber alerta que o futuro deve ser deixado aos astrólogos, mas ainda assim, com base nas tendências recentes, é possível apontar para a continuidade da queda das taxas de homicídio nos próximos anos, em razão de vários fatores, como a diminuição da proporção de jovens na população, o aumento dos investimentos em segurança pública, a diminuição do ritmo de crescimento econômico acelerado no Norte e Nordeste, a redução das desigualdades sociais no país, o aumento do rigor na fiscalização do consumo de bebidas alcoólicas, o uso mais intenso de sistemas inteligentes pelas polícias e a diminuição da impunidade dos crimes dolosos contra a vida.
Os ritmos deste processo serão desiguais, em função da maior ou menor presença destes fatores nos estados e é possível que haja retrocessos, pois depende da continuidade das políticas públicas adotadas regionalmente. Mas a experiência internacional corrobora que, passado certo limiar de desenvolvimento econômico e social, as taxas de homicídio tendem a diminuir.
Tulio Kahn é cientista político e ex-coordenador de análise e planejamento da Secretaria de Segurança Pública




'É preciso distinguir entre fatores conjunturais e estruturais na dinâmica da violência'

Para economista, características sócio-econômicas e institucionais permitem ponderar se criminalidade está acima ou abaixo do que seria esperado

18 de outubro de 2012 | 8h 05

João Manoel Pinho de Mello
É cedo para afirmar contundentemente, mas vamos supor que os dados recentes sejam mais do que ruído e, portanto, que haja um recrudescimento da violência em São Paulo. Nesse caso, seria preciso tentar distinguir entres fatores conjunturais e estruturais, tendo em mente que coisas conjunturais podem se tornar estruturais.

Houve um aumento da violência nos três primeiros trimestres de 2012, aparentemente associado ao recrudescimento do conflito entre policiais e bandidos, organizados ou não. Isso pode ser conjuntural - uma onda de conflitos fora do nível de equilíbrio - ou estrutural, se, por alguma razão, aumentou o número e a letalidade dos conflitos que ocorrem em equilíbrio. Será importante estudar a natureza desses conflitos para evitar que algo conjuntural se torne estrutural. Há um aumento do enfrentamento legal, dentro do sistema jurídico estabelecido? Ou é fenômeno parecido com o ocorrido nos anos 1970 e 1980, com a atividade policial operando à margem? As condições institucionais do Estado de São Paulo são muito diferentes, e melhores, do que eram nos anos 1970 e 1980. Por isso sou extremamente cético quanto à segunda hipótese. Consequentemente, tendo a crer que a onda recente de violência seja conjuntural, pelo menos até que haja muita evidência adicional em contrário. Mas esperemos os dados dos próximos trimestres.

O que ocorrerá com o crime no futuro? Bom, futurologia é uma "ciência" perigosa. Mas é possível mensurar se a criminalidade está acima ou abaixo do que seria esperado com base em características sócio-econômicas e institucionais do local. Estou atualmente trabalhando nisso neste momento. Os resultados preliminares sugerem que a taxa de homicídio no Estado de São Paulo atingiu em 2011 já está abaixo do que seria esperado dadas suas características sócio-econômicas e institucionais. Para atingir níveis mais baixos seria preciso melhorar a distribuição de renda e aumentar um pouco as penas em idades particularmente criminogênicas, entre 15 e 18 anos. A segunda opção não parece estar disponível. A desigualdade está a cair, o que é auspicioso. Por outro lado, nos próximos anos aumentará a proporção de pessoas entre 15 e 24 anos, a faixa etária mais criminogênica, o que fará com que a violência estrutural suba um pouco, se todo resto permanecer constante.
João Manoel Pinho de Mello é economista da PUC-Rio



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'O Quadro atual da violência'

Para Sérgio Adorno, a questão da segurança não se restringe ao aparelho repressivo

18 de outubro de 2012 | 8h 01
Sérgio Adorno
O problema de segurança pública em sociedades como a brasileira contém aspectos comuns a outras sociedades do mundo ocidental capitalista, todavia comporta também muitas singularidades. É corrente entre estudiosos a percepção de que nunca teria havido nesta sociedade, mesmo a partir de sua existência como sociedade-Estado independente e republicana, o monopólio estatal da violência. Em algumas regiões do país, sobretudo nos estados de fronteira, o Estado de Direito é precário, sendo comum a indistinção entre interesses privados e negócios públicos. Em outros estados, embora o Estado de Direito esteja formalmente assegurado, a forte presença do crime organizado, com seus negócios e interesses captura segmentos do aparelho repressivo do Estado. Para lograr o monopólio estatal da violência, tarefas tradicionais ainda devem mobilizar a atenção da sociedade política, tais como o controle legal de territórios ocupados por grupos que exploram atividades ilegais, seja o tráfico de drogas e outras mercadorias proibidas seja por milícias que vendem, pela extorsão, segurança privada.

Não é demais lembrar, porém, que a emergência e expansão do crime organizado não são fenômeno exclusivo de sociedades como a brasileira. Na esteira das políticas neoliberais posta em práticas no mundo ocidental capitalista desde meados dos anos 70 do século passado, a globalização econômica e o enfraquecimento do estado-nação desencadearam uma cadeia de processos interligados: desregulamentação dos mercados, em especial os financeiros; incentivos ao livre fluxo de capitais o que estimulará rápida expansão monetária carente de controles institucionais por paraísos fiscais e o anonimato da propriedade da riqueza acumulada. Todo esse processo provocará a diluição dos controles legais nas fronteiras nacionais, tornando viável o financiamento de atividades ilegais, como todas as formas de tráfico ilegal internacional, não apenas de drogas, mas também de órgãos humanos, de bens protegidos por leis ambientais e sobretudo de seres humanos. Na ponta dessa cadeia, estão as disputas pelo controle do mercado ilegal de drogas que tantas mortes provocou entre jovens do século masculino, na sociedade brasileira nas três últimas décadas. Do mesmo modo, a organização de poderosos coletivos organizados, como PCC em São Paulo, que controlam amplas massas carcerárias nas prisões e o movimento e a vida coletiva nos bairros onde habitam preferencialmente população de baixa renda.
A questão da segurança é portanto muito complexa. Certamente, é desejável que os governos democraticamente eleitos formulem e implementem novas políticas de segurança e justiça, com investimentos na modernização e profissionalização dos quadros, em competentes investigações policiais, com planejamento estratégico que requer análises conjunturais e de longo prazo capazes de orientar as diretrizes impressas às agências encarregadas de controle de lei e ordem. Porém, a questão da segurança pública não mais se detém apenas no âmbito do aparelho repressivo. Outras políticas institucionais, inclusive com apoio da sociedade civil organizada, devem alcançar a vida dos cidadãos comuns nos bairros, solidificar laços de cooperação, contribuir para o redesenho urbano com maior equidade na distribuição de recursos e projetar novas relações entre cidadãos e autoridades públicas e políticas responsáveis por tais políticas.
Sérgio Adorno é coordenador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP) e da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Democracia, Direitos Humanos e Tolerância sediada no IEA/USP


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