Embora tenham mais itens de consumo, moradores de "aglomerados subnormais" continuam abaixo da média nos indicadores sociais
A iniciativa do IBGE de quantificar alguns aspectos da vida no que se chama genericamente de favelas --"aglomerados subnormais", na linguagem técnica-- embasa e ratifica algumas intuições antigas a respeito de seus habitantes.
Segundo a pesquisa do IBGE que refinou o Censo 2010, uma casa de favela tem quase tantos eletrodomésticos básicos quanto as do restante do país, mas seus moradores estão pouco aparelhados para aspirar a uma vida que não seja apenas confortada por alguns poucos objetos de consumo.
Os moradores da favela continuam "subnormais", fora da norma e abaixo da média, como seus ancestrais na criação ou ocupação de bairros precários, no século 19.
Na sua média "subnormal", têm menos educação formal, menos acesso ao mercado de trabalho formal, menos acesso ao traçado formal de ruas (com o que acabam tendo menos acesso à infraestrutura básica, de saneamento a segurança). Têm, portanto, uma cidadania informal. Subnormal.
Certamente não só eles vivem abaixo das médias já deprimentes do Brasil. Estar perto da cidade em tese traz algumas possibilidades de superação. Há pessoas em situações piores, desconectadas do mercado pela geografia e quase isoladas dos serviços do Estado.
Mais gritante na condição dos moradores de "aglomerados subnormais" é que se concentram nas maiores regiões metropolitanas do país. São vizinhos muito próximos da "normalidade", e o conhecimento intuitivo que se tem deles não se distancia do que as estatísticas agora ilustram com precisão.
Dado que a existência dos "subnormais" urbanos é secular, persistente, é razoável supor, não sem fundamento, que a favelização territorial e social tem alguma funcionalidade imediata, ainda que prejudicial a longo prazo (deterioração urbana e baixa produtividade, por exemplo).
Diferentemente dos moradores dos grotões e sertões, os habitantes desses bairros precários terminam sendo reserva de mão de obra para uma sociedade que aceita, na prática, conviver com a desigualdade de direitos e o subemprego como soluções para uma economia eivada de ineficiências e de serviços sociais precários.
A esse respeito, cabe a comparação com a situação até há pouco tempo enfrentada pelos trabalhadores domésticos. Também eles eram "subnormais", já que não tinham os mesmos direitos de outros trabalhadores. A subnormalidade, enfim, resulta no barateamento, ao menos no curto prazo, da vida "normal", mas dura, de uma sociedade ainda medianamente pobre e, sobretudo, tolerante com o abismo social.
Folha de S.Paulo, 10/11/2013
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