1 de fevereiro de 2014

ANDRÉ SINGER Segunda chance


Era evidente que ia ocorrer algo grave. De um lado, as reivindicações urbanas que emergiram em junho, no rastro do movimento contra o aumento das tarifas, despertaram a energia dos jovens. De outro, o governo federal decidiu apertar o cinto dos gastos públicos.
Então, no protesto de sábado passado, aniversário de São Paulo, o destino se cumpriu. O estoquista Fabrício Chaves, 22, caiu com dois tiros. A PM afirma que foi atacada com estilete e reagiu em legítima defesa. O rapaz diz que só lançou mão do objeto perfurante depois de ser alvejado. É palavra contra palavra.
Seja qual for a verdade, nas duas partes parece haver disposição para a guerra, algo que passa longe da experiência europeia, em que "black blocs" e tropa de choque parecem ter aprendido a encenar uma espécie de violência controlada. Aqui, numa sociedade em que a criminalidade cresceu de maneira assustadora, a truculência fica sempre a um passo de explodir.
Por sorte, Chaves está fora de perigo e não foi ainda dessa vez que aconteceu uma morte no embate entre o movimento que deseja protestar contra a Copa e as forças de segurança. A pergunta é se vamos esperar inertes que ocorra uma fatalidade para então lamentar a incapacidade coletiva de encontrar soluções pacíficas quando há confronto social.
O caminho certo foi indicado e executado pela prefeitura paulistana no caso dos "rolezinhos". As partes foram chamadas a negociar e, depois de vencidas as resistências de praxe, foi anunciado um início de entendimento entre a garotada da periferia e a associação dos shoppings. Em troca de limitar o número de participantes, os lojistas aceitariam novos "rolezinhos" dentro dos centros de compras.
Nada garante que o acordo vá funcionar e é certo que a convergência nesse caso seja mais fácil, uma vez que não há teor ideológico explícito nas correrias dos "rolezeiros". No entanto, os atores políticos cumpriram o seu papel, legitimando os contendores e mediando o conflito. Com maior urgência, eles têm o dever de tentar o mesmo entre os organizadores dos protestos contra o Mundial e a PM.
Goste-se ou não, é um direito não querer a Copa no Brasil. Há muitas razões para imaginar que o escasso dinheiro público disponível seria mais bem empregado em escolas e hospitais padrão Fifa do que em estádios que depois ficarão vazios. Não obstante, com a mesma força dos fatos, o evento vai ocorrer, e mais: para boa parte da população será o momento de torcer em favor do país, dentro e fora do campo.


Em resumo, o embate existe e requer tratamento urgente. Se já não houvesse evidências suficientes de quão explosivo vai se tornar, as balas da última semana soaram como novo alerta.

Folha de S.Paulo, 31/1/2014

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