08 de fevereiro de 2014 | 2h 08
O Estado de S.Paulo
As políticas públicas na América Latina padecem de falta de visão de longo prazo, o que impede que os países do continente tenham capacidade de aproveitar plenamente as oportunidades de desenvolvimento. É o diagnóstico de um estudo que acaba de ser publicado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e que resume as desastrosas consequências do improviso e do voluntarismo que notabilizam boa parte dos países latino-americanos.
O cenário ganha contornos ainda mais dramáticos quando se observa que vários países emergentes da Ásia têm trilhado o caminho oposto, adotando políticas que têm em vista a revolução tecnológica e as mudanças drásticas do mercado internacional.
A pesquisa, realizada pelo Diálogo Interamericano, tem como objetivo observar a construção da visão mundial de futuro e confrontá-la com os obstáculos para essa realização, que envolvem recursos naturais, rupturas tecnológicas, transformações demográficas e urbanas, mudanças climáticas e construção de cidadania. A conclusão sobre a América Latina é crítica: "Evidencia-se a preocupante ausência de protagonismo do continente nesse debate". Isto é, a região corre o risco de ficar condenada a ser rebocada pelos emergentes asiáticos e pelos países desenvolvidos.
O estudo constata que os últimos 20 anos testemunharam importantes mudanças em quase toda a América Latina - a consolidação da democracia, a gestão responsável das contas públicas, o fortalecimento das instituições e um notável esforço de inclusão social. Contudo, nada disso é capaz de esconder o fato de que os projetos da maioria dos países latino-americanos para o futuro em geral "apresentam-se numa perspectiva exclusivamente nacional, sem contemplar os cenários globais alternativos nem as experiências de outros países".
Como consequência, tais projetos têm fôlego curto, respondem a demandas imediatistas e não apresentam programas estruturais para aumentar a produtividade. Resolvem-se os problemas apenas na medida em que eles surgem, inutilizando previsões que não vão além de um ou dois anos. Já os poucos estudos que traçam cenários de até 20 anos sobre importantes temas, como energia e agricultura, não são coordenados de modo a ter a coerência necessária para se transformar em estratégia de Estado, como acontece nos países desenvolvidos e mesmo em alguns emergentes asiáticos. "Essa falta de perspectiva reduz a capacidade de reação diante de acontecimentos inesperados e torna os países mais vulneráveis às vicissitudes futuras", diz o estudo.
Para ilustrar as consequências dessa política de improviso que impera na América Latina, a pesquisa mostra como o continente não estava preparado para as principais mudanças globais ocorridas nas últimas duas décadas. Dois exemplos são significativos: a internet, cuja infraestrutura na região ainda hoje é medíocre, a despeito das enormes oportunidades que ela gera; e o crescimento da China, mercado com o qual os países latino-americanos têm avidamente se relacionado, sem no entanto elaborar estratégias para reduzir os riscos dessa dependência.
É diante desse cenário de imprevidência que o Diálogo Interamericano questiona se a América Latina estará pronta para os desafios ainda maiores do futuro próximo. Entre esses desafios se destacam a aceleração do desenvolvimento da tecnologia, capaz de alterar drasticamente os processos de produção; a escassez de recursos naturais; as transformações demográficas, com a ascensão da classe média; a urbanização e a consequente demanda de infraestrutura e de serviços básicos; as mudanças climáticas e seus efeitos na agricultura; e, finalmente, a criação de cidadãos globais conectados, com impacto direto na governabilidade.
Como mostra o estudo, as diferenças de abordagem entre a Ásia e a América Latina a respeito das oportunidades e dos desafios do futuro são didáticas. Enquanto aqui se fala orgulhosamente em "década latino-americana", os asiáticos projetam o "século da Ásia" - e consideram que o modelo de desenvolvimento da América Latina é "indesejável".
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