4 de fevereiro de 2014

HÉLIO SCHWARTSMAN O beijo gay


SÃO PAULO - Saiu, enfim, o tal do beijo gay na novela da Globo. Não creio que haja muito motivo para comemorar. A TV, como a cavalaria, é sempre a última a chegar. Se a cena foi veiculada no horário nobre, é porque a maioria da sociedade já não considera tal ato obsceno ou escandaloso. Pelo menos não muito.
Vejo com ceticismo, assim, os vaticínios dos que afirmam que o beijo televisado contribuirá para reduzir a homofobia no país. Tal efeito, se de fato passa de uma fantasia, apenas soma um grãozinho a um movimento mais amplo de aceitação que já está em curso há muito tempo e não tem data para acabar.
Nesse quesito, aliás, nós brasileiros não nos saímos tão mal. Embora carreguemos a cruz de ter sido o último país ocidental a abolir a escravidão, estamos entre os primeiros a revogar as leis que puniam o homossexualismo. Por aqui, a sodomia deixou de ser um ilícito em 1830, quando o Código Criminal do Império substituiu as Ordenações Filipinas, que determinavam que os homossexuais fossem queimados vivos e "feitos per fogo em pó, para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memoria, e todos os seus bens sejam confiscados para a Corôa de nossos Reinos".
A título de comparação, nas avançadas Suécia e Inglaterra, a prática só deixou de ser crime em 1944 e em 1967, respectivamente. Nos EUA, as leis contra a sodomia só foram plenamente revogadas em 2003 --e por decisão da Suprema Corte, não dos corpos legislativos estaduais.
Voltando ao beijo, houve, é claro, quem não gostasse. Como em qualquer distribuição normal, existe uma franja de gente mais conservadora que ainda chia diante desse tipo de imagem, mas esse é um grupo cuja importância política e demográfica é decrescente. De todo modo, eles têm à sua disposição o indefectível controle remoto. Se não gostam do que veem, são perfeitamente livres para mudar de canal ou até desligar a TV.



Folha de S.Paulo, 4/2/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário