29 de março de 2010

FAZENDO ESCOLA NO

ativismo online

Novas mídias móveis online abrem vastos horizontes na luta por causas nobres via internet, mas ainda não existe uma doutrina estabelecida para seu uso eficaz

Sam Graham-Felsen, 28 anos, foi o blogueiro da campanha de Barack Obama à presidência dos EUA. Ao longo desse processo, ele desbravou caminhos nunca antes trilhados e, com isso, adquiriu inestimáveis conhecimentos sobre como usar as novas mídias digitais de maneira eficaz e sem cair em armadilhas. Ele está se dedicando à missão de ensinar o caminho das pedras a ativistas do mundo inteiro, que estejam dispostos a lutar por causas nobres usando as mais recentes ferramentas do mundo online móvel. A DIGITAL conversou com Graham-Felsen semana passada, aqui no Rio, onde ele esteve para participar do 5o Fórum Urbano Mundial. A entrevista, da qual publicamos aqui alguns trechos, pode ser lida na íntegra em catalisando.com\/sam.

O que precisaria ser feito para realizar o sonho dos "tecnoutópicos" - de que ferramentas móveis online inevitavelmente levariam ao progresso social? SAM GRAHAM-FELSEN: É importante reconhecer que, só porque existe uma nova ferramenta, isso não significa necessariamente que essa novidade será usada apenas de maneira positiva e democrática. A imprensa abriu o caminho para que fossem publicados grandes obras, mas também livros negativos.

Da mesma forma, quando o telefone foi criado, pessoas do mundo inteiro passaram a poder se comunicar.

Todas essas novas tecnologias foram surgindo e muitas delas logo serviram às causas ativistas para combater, por exemplo, governos que pretendiam calar a voz de seus opositores.

Ou seja, de modo geral, não podemos partir do pressuposto de que uma nova tecnologia será usada apenas para o Bem. A internet é como um martelo, só que muito mais avançada como ferramenta. Mas você continua precisando saber como construir uma casa usando esse martelo. E essa é parte do que considero minha missão, ou seja, ajudar as pessoas a usar essa ferramenta de um jeito melhor, e não apenas dar essa ferramenta às pessoas sem lhes dar também uma instrução de como melhor utilizá-la.

E o que você anda fazendo? SAM: Depois da campanha de Barack Obama, me associei à empresa Blue State Digital (bluestatedigital.com). Passei um ano e meio ajudando instituições sem fins lucrativos e de caridade mundo afora a levantar fundos e a construir redes populares de pequenos doadores e afiliados. Há pouco mais de um mês, associei-me à "Alliance of Youth Movements" (AYM), onde ajudo a inteconectar jovens líderes ativistas em diversos países, incluindo o Brasil. Ainda não surgiu uma organização que congregasse diferentes ativistas digitais. Numa interligação assim, um ativista apresentaria a outros, por exemplo, quais estratégias de YouTube funcionaram bem para ele e em quais circunstâncias. Ou, num outro caso, quais foram as melhores estratégias para levantar fundos via email. Acho que a AYM é uma organização bem importante, pois se propõe a suprir essa demanda.

E como anda o site da instituição, o Movements.

SAM: Ele está online, mas ainda é um site pequeno e básico. Vamos expandilo para uma versão mais robusta e com conteúdo atualizado. Ele cobrirá de que maneira a internet e os dispositivos móveis estão sendo usados por ativistas no mundo inteiro.

Existem grupos que relatam corrupção nos níveis governamental e policial envolvendo autoridades. Como um grupo pode fazer denúncias assim e se manter seguro? SAM: Nossa meta é congregar esses ativistas em torno de questões tais como a de manter o anonimato em situações difíceis e sensíveis de uma forma que ainda permita causar impacto concreto. Quando você tem sistemas que recebem relatos anônimos, é muito difícil verificar e atestar a veracidade desses depoimentos. E assim, alguns relatos a princípio importantes são, muitas vezes, desconsiderados.

Não temos uma resposta fácil para esse problema. Aliás, esse é exatamente um dos motivadores de termos criado o Movements.org. Queremos desenvolver soluções para essas questões desafiadoras, e muito disso provavelmente envolverá novas tecnologias que irão emergindo ao longo desse processo. Acho que, em parte, pelas discussões que estão sendo veiculadas pela AYM, com as tecnologias que existem atualmente não tenho condições de me organizar efetivamente por causa de leis de censura e também pelo perigo que correm as pessoas que estão tendo coragem de fazer as denúncias.

Ou seja, precisamos urgentemente desenvolver novas tecnologias que permitam que esse ativismo seja mais produtivo.

Quem quiser relatar episódios de corrupção pode enviar anonimamente documentos para o site? SAM: Sim, mas existe um outro site, o WikiLeaks.org, que recebe anonimamente documentos digitais que podem comprovar denúncias. Grande parte de nosso papel é identificar as melhores tecnologias e destacar os grupos que estão usando essas técnicas de modo mais eficiente.

Como são suas atividades na Blue State? SAM: Minha missão é coordenar nossa equipe inteira, fazer um brainstorm e aparecer com uma estratégia bem organizada de internet para atender às metas do cliente. Meu trabalho é ajudar a ter ideias maiores não só sobre como facilitaríamos o envolvimento de pessoas, mas, também e principalmente, como inspiraríamos e motivaríamos essas pessoas a se envolver. É um dos principais desafios na internet, onde existem tantas organizações e tantas maneiras de ajudar e de se envolver.

Para o dono de uma organização, é importante saber porque alguém escolheria uma outra ou a sua organização para se afiliar. Qual a grande ideia que atrairia as pessoas ao site do meu cliente?

E a "National Geographic"? SAM: Tínhamos uma associação muito interessante com a "National Geographic".

Eles conduziam uma exploração científica sobre as mais intocadas regiões do oceano, lugares inabitados ou que nunca haviam sido poluídos. Havia uma jornada especial sendo feita num barco e eles decidiram fazer um programa de TV nessa viagem. Para tornar a experiência mais aberta e transparente, eles queriam que o espectador fosse capaz de vivenciar a jornada virtualmente junto com a equipe.

Assim, montamos um website especial que recebia diretamente os vídeos gerados pelos cientistas no barco, além de blogs e posts no Twitter.

Foi um grande exemplo de como uma estratégia de novas mídias podia ser usada para aproximar pessoas normais de um campo às vezes restrito como é o da pesquisa científica.

E como você vê o futuro do ativismo online? SAM: Já existem tecnologias que irão tornar as campanhas eleitorais ainda mais poderosas, caso usadas corretamente.

Por exemplo, internet móvel e iPhones. Existe um tremendo potencial para que as pessoas usem aplicações móveis para se coordenarem. Num caso prático, vamos considerar a campanha eleitoral americana, em que grande parte do trabalho dos voluntários era bater nas portas da vizinhança. Imagine agora na próxima campanha, se você estivesse com seu iPhone e com algum tempo livre para fazer algumas visitas. Você baixaria uma aplicação e ela lhe diria que, nas redondezas, haveria dez portas para bater, conversar, entrevistar e convencer. E mais, poderia coletar dados dessas visitas e armazená-los ou enviá-los para seu banco de dados. Em suma, existe uma infinidade de aplicações possíveis com esses sistemas baseados em posicionamento geográfico. As ferramentas estão se tornando mais e mais poderosas. Mas o que é mais crítico, e é por isso que estou trabalhando para iniciativas como o Movements.org, é focar essas tecnologias no uso com propósitos positivos. O objetivo do Movements.org é dar aos organizadores populares os conhecimentos e as conexões para fortalecer suas estratégias no uso dessas tecnologias.

Você é uma pessoa que talvez incomode organizações e pessoas "do mal". Você toma precauções de segurança? Já recebeu ameaças? SAM: Nada tão sério. Penso sobre essas questões, mas na maior parte do tempo algumas pessoas ficam corajosas demais quando estão na internet. E acho muito positivo que exista um espaço assim onde as pessoas possam se expressar em liberdade. É claro que sempre existe gente que discorda do que você diz e lhe ataca. Mas, na maioria dos casos, não levo essas manifestações tão a sério.

Nenhum comentário:

Postar um comentário