28 de março de 2010


Revista Veja Rio | RJ

Um gênio nos trópicos

Arquivo Henrique Morise/Acervo MAST

Reprodução de O Jornal (à dir.) e visita ao Observatório Nacional: agenda lotada e tratamento de celebridade
Mostra sobre Albert Einstein usa experiências para ilustrar conceitos criados pelo cientista e, de quebra, relembra sua rápida visita à cidade

Carlos Henrique Braz

A cultura popular do século XX foi pródiga em cunhar ícones cuja imagem se tornou reconhecível em qualquer ponto do planeta. É o caso de Che Guevara de boina e de Marilyn Monroe com seu ar insinuante. Na categoria dos cientistas, o campeão absoluto é Albert Einstein, cuja foto de cabelos desgrenhados e com a língua para fora se tornou símbolo da genialidade - ainda que meio amalucada. Criador de conceitos herméticos para a imensa maioria das pessoas, o físico alemão foi um dos raros teóricos modernos com estatura para ombrear com figuras do porte de Isaac Newton ou Galileu. Tamanha é a mística em torno de seu nome, que ainda hoje, 55 anos depois de sua morte, ele é capaz de atrair multidões. É o que tem acontecido com a exposição Einstein, a ser aberta em 7 de abril no Museu Histórico Nacional, no Centro. Montada pelo Museu Americano de História Natural, em Nova York, a mostra percorreu mais de uma dezena de países e foi vista por aproximadamente 2 milhões de pessoas. Na versão a ser conferida no Rio de Janeiro - adaptada pelo Instituto Sangari, organizador da exibição no Brasil - -, há um capítulo particularmente curioso: a viagem que o gênio fez à cidade. Dividida em duas rápidas etapas, entre os meses de março e maio de 1925, a visita provocou uma comoção pública e ouriçou a elite carioca, que se desdobrou em recepções, banquetes, festas e conferências dedicadas ao convidado ilustre. "Era um personagem absolutamente inusitado, uma espécie de símbolo de uma nova era regida pelos avanços da ciência em meio a um mundo ainda abalado pela I Guerra", diz o físico Alfredo Tolmasquim, diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, consultor científico do evento e autor de um livro sobre a viagem.

A incursão nos trópicos aconteceu de forma quase improvisada. Informados de que Einstein passaria pelo Rio em uma viagem rumo à Argentina, membros da comunidade judaica carioca, empresários e cientistas de renome, como Carlos Chagas e Adolfo Lutz, mobilizaram-se para que a parada de poucas horas do navio alemão Cap Polonio na Praça Mauá se transformasse em um passeio pela então capital federal. A divulgação de sua presença ficaria a cargo do magnata da imprensa Assis Chateaubriand. Assim que o navio atracou, no dia 21 de março de 1925, uma multidão o aguardava no cais, atraída pela manchete de O Jornal, pertencente a Chateaubriand: "Passa hoje, no Rio de Janeiro, o maior gênio que a humanidade produziu depois de Newton". Transformado em celebridade com a comprovação de sua Teoria da Relatividade Geral, em 1919, o físico alemão era motivo de orgulho para os brasileiros. Foi uma experiência realizada na cidade cea-rense de Sobral por astrônomos da Academia de Ciências de Londres que o ajudou a comprovar a Teoria da Relatividade - fato insistentemente lembrado nas reportagens da época. Acomodado em um carro aberto para poder ser saudado pela população, ele foi ao Jardim Botânico e almoçou no novíssimo Copacabana Palace, que havia sido inaugurado apenas três anos antes. Depois do banquete, voltou à embarcação, que zarpou para a capital argentina. Dono de uma paciência quase inesgotável frente ao assédio no Rio, nas anotações feitas em seu diário só reclamou mesmo do calor.

Os anos 20 foram particularmente agitados para Einstein. Defensor da paz e bastante ligado a grupos de pesquisa na Inglaterra e nos Estados Unidos, ele seria bastante criticado por setores radicais da Alemanha, que o consideraram traidor do país, que lutava arduamente para se reerguer da derrota na I Guerra. Em 1920, chegou a ser alvo de protestos de grupos antissemitas em Berlim. Em 1921, conquistou o Prêmio Nobel de Física, curiosamente concedido por sua explicação do efeito fotoelétrico, e não por sua obra revolucionária sobre a relatividade. A fama súbita e um círculo de amizades privilegiado fizeram com que ele escapasse do boicote contra físicos alemães em congressos internacionais no pós-guerra, o que o levou a correr o mundo em conferências e simpósios sobre suas ideias. Foi nesse contexto que se deu sua viagem à América do Sul. Na época, a Argentina, além de rica, era considerada o centro mais importante da física na região. Por isso, tinha cacife suficiente para convidar o professor-celebridade para um mês de aulas na Universidade de Buenos Aires, patrocinada pela Asociación Israelita Argentina. A temporada foi tão bem-sucedida que o cientista resolveu adiar a volta à Europa e passar mais duas semanas entre Montevidéu e o Rio, realizando conferências. De volta à cidade, encarou uma sucessão frenética de compromissos sociais e palestras. A temporada incluiu uma recepção oferecida pelo presidente da República Artur Bernardes, no Palácio do Catete.

Exposições como Einstein são parte de uma tendência mundial de divulgar o conhecimento científico de forma didática e com o uso maciço de atrações interativas. O objetivo é despertar a curiosidade de crianças e jovens pelas ideias que tiveram impacto direto em nosso cotidiano. Nesse aspecto, a mostra que chega ao Rio é emblemática. Os princípios estabelecidos por Einstein nas cinco primeiras décadas do século passado deram origem a inovações como células fotoelétricas, fibras ópticas, emissores de raios laser, reatores nucleares e chips de computadores. Por aqui, os visitantes poderão conferir equipamentos especialmente concebidos para traduzir os conceitos abstratos do gênio para o universo do entretenimento. É o caso de uma espécie de fliperama que usa o choque de bolinhas de metal para exemplificar a teoria de movimentação dos átomos. No experimento Máquina do Tempo, outra atração, é possível ver que a idade de uma pessoa seria diferente se ela tivesse entrado em uma nave ultrarrápida ao nascer. "É uma forma de tornar acessíveis conceitos que na realidade são bastante herméticos", diz Juliana Estefano, do Instituto Sangari. Um dos desdobramentos mais polêmicos dos estudos de Einstein, o surgimento da bomba atômica, é abordado em dois módulos. Na seção Energia, entende-se como a famosa equação E = MC permitiu constatar que massa e energia estão intimamente conectadas. No setor Guerra e Paz há cópias de manuscritos de Einstein prevendo os perigos do uso da física nuclear para fins bélicos e ainda um fac-símile da carta escrita ao presidente Franklin Roosevelt, alertando-o sobre essa ameaça. Avisos que, infelizmente, foram ignorados.

Einstein. Museu Histórico Nacional. Praça Marechal Âncora, s/nº, Centro, % 2550-9220. X Terça a sexta, 9h às 18h; sábado, domingo e feriados, 14h às 18h. R$ 14,00 (aos domingos) e R$ 20,00. A bilheteria fecha às 17h. Até 6 de junho. A partir de 7 de abril. www.einsteinbrasil.com.br.

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