O paraíso do primeiro emprego
Inverte-se o problema: não são os jovens que saem à caça das empresas, mas são as empresas que os disputam
SÃO SOLTEIROS, universitários recém-formados, moram com os pais, estão empregados -e já ganham um bom dinheiro. Sentem-se satisfeitos com sua situação financeira e não viram dificuldade em entrar no mercado de trabalho.
Em pouco tempo, em aproximadamente mais dez anos, continuarão empregados e metade deles, ganhando de R$ 4.600 a R$ 23 mil, estarão entronizados entre os mais ricos do país. Em comum entre eles o fato de serem ex-alunos de escolas particulares da cidade de São Paulo.
Esse perfil foi encontrado pelo Datafolha, que, durante dois anos, elaborou um sistema de avaliação das escolas privadas, algumas das quais frequentadas pela elite paulistana. O projeto foi patrocinado pela Eduqual.
O que se vê aí é um círculo virtuoso. Jovens de famílias mais abastadas, com maior repertório cultural e rede de relacionamentos, ganham ainda mais oportunidades. O salário é um resultado previsível.
Conheci, na semana passada, uma experiência bem-sucedida de aplicação desse tipo de círculo virtuoso em populações mais pobres, na qual se discutem alguns dos principais problemas nacionais, como o gargalo da mão de obra qualificada, a precariedade educacional e o desemprego de jovens.
Uma cidade conseguiu montar um sistema de ensino técnico integralmente conectado à vocação da região, e todos os alunos da rede pública têm direito a frequentar o curso profissionalizante sem pagar um único centavo.
O resultado mais do que previsível: a empregabilidade é próxima de 100%. Isso porque falta mão de obra qualificada na região. Inverte-se o problema: não são os jovens que saem à caça das empresas, são as empresas que os disputam.
O projeto foi arquitetado na Unicamp e aplicado em Indaiatuba, uma cidade de 212 mil habitantes na região metropolitana de Campinas.
A universidade montou um programa de ensino técnico para a prefeitura (batizado de Fiec), o que, por si só, já é diferente do que se vê no resto do país, em que as prefeituras, muitas vezes, não assumem sequer a totalidade do ensino fundamental, muito menos o ensino médio.
Em 1998, foram liberados recursos federais para o projeto, numa parceria entre o MEC e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Depois da fase experimental, a Unicamp deixou o projeto, que, entretanto, graças à popularidade que angariou, não foi encerrado -ninguém ousou fechá-lo.
Aquela é uma próspera região econômica, onde existem empresas dos mais diversos ramos -a IBM, a Toyota e a DHL (a maior empresa de logística do mundo) estão entre elas. Havia um mapeamento da demanda de cada empresa.
A prefeitura continuou a pesquisa sobre a demanda de trabalhadores, buscando afinar-se com o mercado de trabalho. Todo ano, é feito esse tipo de censo. Por meio dele, já se descobriu, por exemplo, que deveria haver muito mais aulas de inglês, especialmente para o pessoal de tecnologia da informação.
O projeto tornou-se sustentável.
Experimentalmente, o governo estadual decidiu comprar vagas para todos os seus alunos da rede oficial -o custo fica mais baixo, já que a conta é dividida com a prefeitura, que assume a gestão- e o governo federal continua com os convênios.
Embora em menor escala, esse tipo de modelo propagou-se para outras cidades do interior, como Campinas e Piracicaba.
Certamente, esse é um modelo a ser acompanhado, já que, por todos os lados, se fala em gargalo de mão de obra e em meios de incluir o jovem no mercado de trabalho -esse é um dos assuntos carimbados neste ano eleitoral.
O tamanho do desafio pode ser visto no anúncio de um projeto, batizado de Brain (cérebro, em inglês), feito na semana passada. Alguns dos ícones da vida empresarial brasileira (Febraban e Bolsa de Valores, por exemplo) querem transformar o Brasil, especialmente as cidades do Rio e de São Paulo, em polo de investimento na América Latina, competindo com Londres e Nova York. Um de seus projetos é ajudar a formar melhor as pessoas desde a educação básica -está aí o caminho para que o primeiro emprego não seja um inferno para maioria e um paraíso para poucos.
PS- Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) a pesquisa do Datafolha, que revela uma sofisticação dos sistemas de avaliação. Vai muito além de medir o desempenho em português e matemática. Mais do que avaliar se o indivíduo está bem empregado, o método mede a taxa de autonomia e responsabilidade de cada um.
gdimen@uol.com.br, Folha de São Paulo
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