24 de março de 2010

O Globo RJ

A VIOLÊNCIA QUE ESTÁ À ESPREITA

Cidades adotam soluções diferentes para tentar frear criminalidade, que também tem origens diversas

Carla Rocha, Cláudio Motta e Fábio Vasconcellos

Noite de abril em Buenos Aires, uma das cidades com a menor taxa de homicídios na América Latina e no Caribe.

O principal canal de televisão repete inúmeras vezes o caso de um morador assaltado e agredido dentro de casa, no bairro de Palermo Soho. No dia seguinte, o crime é o principal assunto nos bares e restaurantes.

Todos indignados com a insegurança na capital argentina. Altos ou baixos, os índices de violência refletem cenários distintos, mas há em comum, nas metrópoles da América Latina, a percepção de que esse ainda é o grande desafio na região.

E não é apenas a percepção do dia a dia. Um estudo realizado em 2008 pelo Instituto Sangari com 83 países mostrou que a América Latina e o Caribe são os lugares mais violentos do mundo, especialmente para os jovens de até 25 anos. Entre os dez países com as maiores taxas de homicídios para cada cem mil habitantes, seis estão na região (El Salvador, Colômbia, Venezuela, Guatemala, Brasil e Equador). Os dados mais recentes obtidos pelo Grupo de Diários América (GDA) mostram que Caracas, capital da Venezuela, apresenta 104 homicídios por cem mil habitantes. Em seguida, vêm Rio (32,6 por cem mil), Bogotá (23 por cem mil) e San José, na Costa Rica, (14 por cem mil). A Cidade do México, considerando-se apenas a área do Distrito Federal, tem uma taxa de nove por cem mil habitantes e Buenos Aires, algo próximo de seis por cem mil.

México: 8 mil câmeras

Apesar dos altos índices das principais metrópoles, algumas cidades têm buscado formas de mudar esse cenário. No Rio, a experiência das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) tem ajudado a reduzir a criminalidade nas favelas até então controladas por traficantes. Na Cidade de Deus, de 10 de novembro de 2007 a 10 de novembro de 2008, a Polícia Civil registrou 34 assassinatos.

Já de 11 de novembro de 2008 a 11 de novembro de 2009, foram seis casos. O roubo de veículos despencou 83% no mesmo período. No Morro Dona Marta, primeira comunidade a ganhar uma UPP, não houve registros de homicídios no ano passado. Até agora, sete comunidades já foram ocupadas pelas UPPs.

Com taxas que já chegaram a 85 por cem mil habitantes, a capital da Colômbia tem apostado em estratégias de policiamento de rua. A cidade foi dividida em 31 Zonas de Atenção Integral Para a Segurança e Convivência Cidadã. Essas áreas apresentam os maiores índices de violência e, por isso, passaram a ter mais policiamento, atividades culturais, intervenções urbanísticas e participação da Justiça para resolver rapidamente pequenos conflitos entre os moradores.

O uso da tecnologia também faz parte das estratégias. A Cidade do México investe milhões na instalação de oito mil câmeras para monitorar as principais áreas. No Equador, um programa nacional de segurança, orçado em US$ 30 milhões, pretende destinar parte dos recursos para a compra de armas e equipamentos para a polícia de Quito, onde a taxa de homicídios é de dez por cem mil habitantes.

Já em San José, o governo tem ampliado o trabalho das unidades de investigação especializadas no combate ao narcotráfico.

Há alguma semelhança no tipo de violência nas metrópoles da América Latina? Na avaliação do pesquisador Benjamin Lessing, da Universidade de Berkeley e do Instituto de Estudos da Religião (Iser), existe um histórico de desigualdade de renda, problemas políticos e mesmo de imigração que se repete em algumas cidades, mas há diferenças nas dinâmicas da criminalidade - que influenciam a sensação de insegurança, mas não são retratadas nas taxas de crimes.

- É claro que a taxa de homicídios é um indicador, mas ela não revela as diferentes dinâmicas da violência nessas cidades. No Rio, há um conflito territorial nas favelas ligado ao tráfico. Isso não existe em Buenos Aires. Na Colômbia, havia guerra com os paramilitares.

Um ponto em comum na América Latina e no Caribe, na opinião do diretor de Pesquisa do Instituto Sangari, Julio Jacobo Waiselfisz, é o grande número de jovens envolvidos com o crime. O pesquisador explica que a violência, até o início dos anos 2000, sempre esteve associada à questão do narcotráfico, mas isso vem mudando. Segundo ele, agora é o problema da juventude que tem chamado a atenção dos governos, e esse novo enfoque pode ajudar as cidades a criarem políticas específicas para reduzir os índices de criminalidade.

- Os jovens sempre estiveram envolvidos com o crime, mas, como havia uma grande atenção dada ao narcotráfico, a participação da juventude ficava mascarada. Nos últimos anos, no entanto, isso vem mudando.

Nas grandes cidades, há um exército de jovens de baixa renda, sem estudo e que não encontra forma legal de inserção na vida da cidade.

O tráfico e o crime acabaram sendo a única saída oferecida - afirma Waiselfisz.

Cientista político e pesquisador do Iser, André Luiz Rodrigues argumenta que a integração regional é uma alternativa importante para reduzir as taxas. Na opinião dele, ainda há uma forte resistência a esse tipo de estratégia, que poderia mudar mais rapidamente o quadro atual.

- São Paulo tem conseguido reduzir as taxas de homicídios nos últimos anos. O Rio também apresenta uma redução, embora mais lenta.

Mas uma coisa que aconteceu em São Paulo, e que certamente teve impacto nos índices, foi a integração regional da política de segurança.

Não é possível, por exemplo, fazer gestão de segurança pública sem integrar o Rio à Baixada Fluminense - afirma Rodrigues.

A diretora-executiva da ONU-Habitat, Anna Tibaijuka, defende algo parecido. Para ela, é preciso haver uma política de segurança pública que tenha a participação dos moradores e do planejamento urbano nas favelas: - Ou seja, uma política pública abrangente, que inclua moradia e serviços públicos. A prevenção do crime é um elemento-chave para essa abordagem integrada. E os esforços para construir um Rio mais seguro para 2014 (ano da Copa do Mundo) ou 2016 (Olimpíadas) devem começar agora.

Os problemas na área da segurança ocorrem também na polícia.

Além do Rio, onde há casos de agentes envolvidos com assaltos ou tráfico, San José tem registros de policiais cúmplices do narcotráfico. Na Cidade do México, já houve a participação de agentes no controle do transporte clandestino, sobretudo táxis piratas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário