11 de agosto de 2011

Desigualdade na educação

11 de agosto de 2011
Educação e Ciências | O Globo | Opinião | BR


FLÁVIA PIOVESAN


Recente pesquisa do IBGE em cinco estados e no Distrito Federal constata ser a distância entre a escolaridade dos pais e filhos maior entre negros que entre brancos. A proporção de filhos negros com 12 anos ou mais de estudos é quatro vezes maior que de suas mães e três vezes maior que de seus pais. Conclui o IBGE que um nível mais alto de escolaridade entre negros começa a transformar a realidade brasileira. Revela ainda que jovens de todas as raças estão tendo mais acesso à escola.

Ao lado destes avanços, contudo, a pesquisa demonstra que a desigualdade racial na educação persiste. Menos de um em cada dez filhos de negros completou o ensino médio, enquanto que, no caso dos brancos, um em cada quatro tinha pelo menos 12 anos de estudos. Para Marcelo Paixão, remanesce o desafio de o filho do analfabeto chegar a doutor, tanto do branco como do negro, mas "o grande salto será quando os anos de estudo de brancos e negros se equipararem".

Como enfrentar a desigualdade racial na educação? Qual deve ser o alcance das medidas estatais (na esfera dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) na promoção da igualdade racial? Deve o Estado manter-se indiferente às diferenças? A neutralidade estatal implicaria perpetuação da desigualdade racial? Quais devem ser os limites e as possibilidades do protagonismo estatal no combate à discriminação e na promoção da igualdade racial?

Os instrumentos internacionais de combate à discriminação racial consagram duas estratégias: a) a estratégia repressiva (que tem por objetivo proibir, punir e eliminar a discriminação racial); e b) a estratégia promocional (que tem por objetivo promover e fomentar a igualdade racial).

Na vertente repressiva, há a urgência em se erradicar todas as formas de discriminação racial na educação. Se o combate à discriminação racial é medida emergencial à implementação da igualdade, todavia, por si só, é medida insuficiente. É necessário combinar a proibição da discriminação com políticas compensatórias que acelerem o processo de construção da igualdade racial. Para assegurar a igualdade não basta apenas proibir a discriminação, pois a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta automaticamente em inclusão. Logo, não é suficiente proibir a exclusão, quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e sofrem violência e discriminação. Daí serem essenciais as estratégias promocionais capazes de estimular a maior inserção e inclusão de negros na educação brasileira.

Neste cenário, as ações afirmativas surgem como medidas necessárias e legítimas para compensar o legado de um passado discriminatório. Devem ser compreendidas não somente pelo prisma retrospectivo - no sentido de aliviar a carga de um passado discriminatório -, mas também prospectivo, no sentido de fomentar a transformação social, criando uma nova realidade. São um imperativo democrático a louvar o valor da diversidade em uma sociedade pluriétnica e multirracial. São um imperativo de justiça social, a aliviar a carga de um passado discriminatório e a propiciar transformações sociais necessárias. Devem prevalecer em detrimento de uma suposta prerrogativa de perpetuação das desigualdades estruturais que conduzem a uma discriminação indireta contra os negros - eis que políticas estatais neutras têm tido um impacto desproporcionalmente lesivo a eles, mantendo estável a desigualdade racial.

O Brasil é o segundo país do mundo com o maior contingente populacional negro (45% da população brasileira, perdendo apenas para a Nigéria), tendo sido, contudo, o último país do mundo ocidental a abolir a escravidão. Dados do Ipea apontam que a pobreza no Brasil é etnizada: negros são 70% dos pobres e 71% dos indigentes.

Faz-se urgente a adoção de medidas eficazes para romper com o legado de exclusão étnico-racial e com as desigualdades estruturantes da realidade brasileira, promovendo a justiça social, mediante ações afirmativas em benefício da população negra, em especial na área da educação. Como lembrava Abdias do Nascimento, há a necessidade da "inclusão do povo afro-brasileiro, um povo que luta duramente há cinco séculos no país, desde os seus primórdios, em favor dos direitos humanos. É o povo cujos direitos humanos foram mais brutalmente agredidos ao longo da história do país: o povo que durante séculos não mereceu nem o reconhecimento de sua própria condição humana".

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A neutralidade estatal implicaria perpetuação da desigualdade racial?

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FLÁVIA PIOVESAN é procuradora do Estado de São Paulo e professora de Direito da PUC/SP.

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