10 de agosto de 2011

Ensino técnico, longe dos erros do passado


10 de agosto de 2011
Educação no Brasil | O Estado de S. Paulo | Espaço Aberto | BR

Otaviano Helene e Lighia Horodynski-Matsushigue - O Estado de S.Paulo

Está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei (o PL 1.209/ 2011) criando o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que pretende organizar e ampliar a oferta de cursos técnicos. Ao propor tal programa, o Executivo federal reconhece as deficiências na formação de quadros técnicos, tanto para o setor produtivo como em profissões associadas ao bem estar das pessoas, em particular nas áreas de saúde, educação e meio ambiente.
Entretanto, apesar de serem necessários incentivos a uma adequada formação de técnicos, tanto no aspecto do número insuficiente desses profissionais quanto na qualidade de sua educação, dependendo da forma que o programa vier a ter, pouco ou nada contribuirá para as suas finalidades, em especial se repetir os passos do ProUni e do Fies. Para prevenir que esse novo programa incorra em erros passados deveríamos evitar alguns aspectos do ProUni e do Fies, que financiam matrículas em instituições privadas.
Uma das características da educação superior brasileira é a sua privatização: estamos entre os três ou quatro países com a menor participação do setor público. Essa privatização faz o Brasil apresentar uma distribuição de estudantes pelas várias áreas do conhecimento bastante diferente da dos demais países. A nossa porcentagem de estudantes em cursos básicos de ciências, engenharias ou agropecuária, por exemplo, é significativamente menor do que nos demais países, enquanto a porcentagem de estudantes nas áreas de negócios e administração é significativamente maior. Essa distorção é provocada basicamente pelas instituições privadas, uma vez que a distribuição de estudantes nas instituições públicas obedece à regra mundial. Assim, subsídios ao setor privado acirram essa distorção.
Outra característica do ensino superior brasileiro diz respeito à qualidade dos cursos em instituições privadas. Como decorrência do fato de estas se preocuparem, necessariamente, com os seus balanços financeiros, muitas vezes em detrimento da qualidade dos seus cursos e das necessidades do País, quer sob o aspecto regional, quer em relação às diferentes áreas de conhecimento, subsídios ao setor privado acabam por incentivar maus cursos e más instituições.
O retorno social de grande parte dos cursos oferecidos pelas instituições privadas é muito baixo, tanto para a sociedade em geral quanto para os próprios estudantes, no que diz respeito às chances de trabalho nas áreas em que se graduaram, às possibilidades de acompanharem as mudanças tecnológicas e sociais e à remuneração que receberão. O ensino na maioria das instituições privadas pode ser classificado muito mais como uma revisão de algumas ferramentas - de matemática, interpretação de textos e de leis científicas - que deveriam ter sido fornecidas ao longo da educação básica, aliada a um treinamento em alguma área momentaneamente em voga e de baixo custo. Não é à toa que são abertas vagas ao sabor de modismos e fechadas tão logo esses modismos ou o "mercado de trabalho" (ou uma ilusão dele) se esgotem. Os exemplos mais recentes talvez sejam os cursos de Fisioterapia e de Educação Física. Assim, incentivos a uma expansão adicional das matrículas em instituições privadas são um desserviço à Nação.
Considerando a qualidade dos cursos, o próprio Tribunal de Contas da União (Relatório de Auditoria Operacional - Programa Universidade para Todos (ProUni) e Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), 2009) alertou para o fato de que, com o ProUni, "corre-se o risco de formar uma massa de profissionais com escassa qualificação para o mercado de trabalho". Além disso, "tem-se "pago" - indiretamente - um preço maior pelas vagas nas instituições privadas de ensino superior do que o montante que elas efetivamente valem".
Nesse contexto, antes de repetirem no ensino técnico os mesmos passos do ProUni e do Fies, seria necessário avaliar muito cuidadosamente os resultados desses programas. Além dos aspectos já salientados - que se devem repetir no ensino técnico -, há que atentar para taxas de evasão mais altas e considerar os custos econômicos para os governos e para as pessoas. Vale lembrar que os investimentos necessários para manter um estudante de graduação numa instituição pública são equivalentes aos custos do setor privado (veja-se, por exemplo, Jornal da USP, 18/11/2010, página 2, acessível pela internet). Em cursos de igual qualidade, os investimentos públicos podem ser significativamente inferiores aos de instituições privadas.
É necessário lembrar, ainda, que o ProUni coloca bons estudantes - afinal, são estudantes economicamente desfavorecidos e que, apesar disso, apresentam bom desempenho - em maus cursos. Em instituições públicas esses mesmos estudantes estariam frequentando cursos de melhor qualidade e em áreas de conhecimento mais adequadas para o País, seriam mais bem atendidos, encontrariam moradia, assistência médica e alimentação subsidiadas, poderiam envolver-se em bons programas de iniciação científica, teriam professores acessíveis, boas bibliotecas e amplas possibilidades de pós-graduação.
Melhor teria sido, em vez de criar um novo programa de subsídio ao setor privado, rever os resultados do ProUni e do Fies. O Pronatec deveria restringir-se a incentivar os setores públicos do ensino técnico, os quais deveriam trabalhar em rede para uma cobertura adequada do território nacional e considerando as necessidades das diferentes atividades profissionais e regiões do País.

PROFESSOR NO INSTITUTO DE FÍSICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), FOI PRESIDENTE DO INEP E DA ADUSP PROFESSORA APOSENTADA DO INSTITUTO DE FÍSICA DA USP, FOI VICE-PRESIDENTE DA REGIONAL SÃO PAULO DO ANDES-SN

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