Artigo de Isaac Roitman publicado no Correio Braziliense de hoje (20).
No século 6, o papa Gregório Magno instituiu os sete pecados capitais. Após o primeiro, a gula, seguem-se avareza, inveja, ira, soberba, luxúria e preguiça. Ele se inspirou nas ideias do monge Evágrio do Porto, que traçou as principais doenças espirituais do homem. Passaram-se 15 séculos e essas doenças se espalharam pelo Oriente e o Ocidente e transformaram-se na pandemia mais importante da humanidade, ameaçando a própria existência da espécie humana.
Para o combate dessa grave doença só existe uma vacina eficaz: a educação. Chegou o momento de transformarmos os sete pecados capitais em virtudes. Comecemos pelo primeiro, a gula, que consiste em comer além do necessário e a toda hora. Ela pode ser considerada uma forma de fuga de muitas dificuldades ou, ainda, dos próprios sentimentos. O oposto da gula é a fome. É vergonhoso termos ainda no século 21 seres humanos que passam fome. As imagens recentes de crianças desnutridas na Somália colocavam em dúvida se pertencemos realmente à espécie Homo sapiens sapiens. Na utopia de um mundo sem fome vem a lembrança do querido Herbert de Souza, o Betinho, e de suas lutas por meio da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, que certamente é a semente inspiradora do programa de combate à miséria instituído recentemente pela presidente Dilma Rousseff.
O segundo pecado, a avareza, deve ser substituído por um comportamento que não estimule o acúmulo de bens e que possibilite a distribuição da riqueza, proporcionando vida digna para todos. A inveja deverá ser substituída pela solidariedade, resultando em um comportamento virtuoso de toda a sociedade. A ira - caracterizada por raiva, fúria, ódio e violência com perda de controle - deve ser substituída por bom senso, paciência e compreensão, devendo ser cultivada desde os primeiros anos de vida. É pertinente repetir a célebre frase de William Somerset Maugham: "A cada minuto que passamos com raiva, perdemos 60 felizes segundos".
A soberba, que se caracteriza pela pretensão de superioridade, deve ser eliminada e substituída pela humildade, pela simplicidade e por um olhar do mundo não a partir de si, mas principalmente ao redor de si. A luxúria, que consiste no apego aos prazeres carnais, à corrupção de costumes, à lascívia e sensualidade, deve dar lugar ao equilíbrio dos prazeres corporais e da mente, e à contemplação idílica de todas as dimensões culturais do ser humano. A preguiça faz com que o indivíduo se sinta incapacitado e fuja de responsabilidades e oportunidades. Ela não se resume na preguiça física, mas também na preguiça de pensar, sentir e agir. Ela deve dar lugar a uma vida com motivação e conquistas de anseios individuais.
O grande desafio é transformar os sete pecados capitais em virtudes. Por intermédio da educação voltada para o cultivo de nosso eu interior poderíamos aprimorar nossos sentimentos, nossas emoções e a nossa sensibilidade e naturalidade, tão frequente nas crianças, e que os adultos vão perdendo ao criar falsos valores, defesas e máscaras que os afastam do amor em sua essência mais pura.
A transformação dos pecados capitais em virtudes capitais deve ser feita a partir do nascimento. Segundo James Heckman, Prêmio Nobel de Economia de 2000, a educação na primeira infância constitui o melhor investimento social existente; e quanto mais baixa a idade do investimento educacional recebido, mais alto será o retorno para o indivíduo e a sociedade. O Brasil parece ter despertado para esse caminho, atualmente sistematizado e planejado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Experiências inovadoras estão sendo conduzidas. Entre elas, o Programa Primeira Infância Melhor, da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul; os programas Primeira Infância Completa e Primeira Infância Carioca, da Prefeitura do Rio de Janeiro; e o Programa de Desenvolvimento Integral de Crianças e Adolescentes, da Secretaria da Criança do Distrito Federal. O horizonte é azul. Aleluia.
Isaac Roitman é professor aposentado da Universidade de Brasília e subsecretário de Políticas para Crianças da Secretaria da Criança do GDF.
Nenhum comentário:
Postar um comentário