2 de janeiro de 2012

Não há nada que não seja afetado hoje pela internet :Entrevista da 2ª Joichi Ito


de 



Não há nada que não seja afetado hoje pela internet


Para Diretor do Media Lab, todo negócio requer inovação e funcionários precisam de tempo livre para pensar além 
 
LUCIANA COELHO
DE WASHINGTON


Joichi Ito desistiu duas vezes da faculdade, diz não se adaptar ao esquema tradicional de ensino e tem atração por coisas tão diversas quanto aulas de mergulho e tecnobrega (sim, o do Brasil).

Defende que as empresas, como faz o Google, deem tempo livre aos funcionários para que eles aprendam a pensar além de seu dia-a-dia, mas acha que não virão das megacorporações as próximas grandes sacadas. 
Empreendedor, investiu no Twitter quando ele não era "trending topic"; ajudou a por de pé o portal de blogs Global Voices muito antes da Primavera Árabe; e mostra mais entusiasmo com a China que com seu Japão natal ou com os EUA, que adotou.

Desde abril, Ito, 45, zero diploma superior e energia infinita, dirige o Media Lab. 
A instituição multidisciplinar, que surgiu há 26 anos no Massachusetts Institute of Technology (MIT) na vanguarda da revolução digital, está na linha de frente de coisas como inovação, tecnologia, educação, urbanismo e o quemais der na telha de seus 400 pesquisadores. 

Folha conseguiu fazer Ito parar por 40 minutos para uma conversa via Skype. Veja os principais trechos da entrevista. 
 
Folha - O senhor é autodidata. Algo no ambiente acadêmico o desagradava?
Joichi Ito - Eu não gostava do modelo de aulas expositivas e preferia a interação da internet. Mas não acho que meu problema fosse a escola em si. Eu tinha um tipo de personalidade particular, pensava, "por que estou aprendendo isso se nem sei o que serei quando crescer?".

As crianças que se saem muito bem na educação formal têm habilidade de planejar, são capazes de pensar "daqui a 20 anos estarei fazendo tal coisa". Mas a maioria não pensa assim.

Hoje sou instrutor de mergulho e adoro, pois ensino às crianças conceitos de física, química e matemática e elas sabem que uma hora depois já vão usá-los na piscina. No Media Lab, tento pensar como estimular o pensamento criativo e o aprendizado dos demais estudantes. 
 
E como reproduzir o ambiente do Media Lab em escolas e empresas?
É cada vez mais difícil planejar. Todo dia você lê no jornal algo que afeta seu negócio e que você não previu. Temos de ensinar as pessoas a pensar de forma ágil.
O Media Lab é um extremo, mas é possível aplicar versões disso. O que o Google faz, dar 20% do tempo a funcionários para fazerem coisas fora de sua função, surgiu anos atrás na 3M. A ideia é dar às pessoas parte do tempo para fazer algo sem ligação com suas tarefas, que é uma maneira boa de fazê-las pensar além.

O pior cenário é o de empresas como algumas no Japão. Tenho um amigo que não tem tempo para nenhuma reunião fora das recorrentes e planejadas, onde se encontra sempre com as mesmas pessoas. Ninguém muda o rumo de nada assim. 
 
Vale para todos?
Hoje todo negócio requer inovação. Antes não era assim, mas hoje não há nada que não esteja sendo afetado pela globalização e pela internet. Mudar é preciso. 
 
O que empresas e a academia podem fazer?
Tornarem-se plataformas mais abertas a esse processo, o que requer mudanças na arquitetura da comunicação e da alocação de recursos, mais do que investimentos específicos.

Quando falamos em abertura, se associa isso ao uso de softwares "open source", ao uso de conteúdo aberto. Mas também inclui abrir canais de comunicação, em vez de recorrer ao departamento de relações públicas para tudo.

A indústria do vídeo game faz isso bem: há fóruns em que jogadores e desenvolvedores trabalham juntos constantemente. Os jogadores acabam se tornando alguns dos melhores desenvolvedores e testadores.
Esse processo também tem relação com o marketing em mídias sociais, mas as pessoas não confiam mais em platitudes de comunicados de imprensa. Você ganha a confiança do cliente quando ele fala diretamente com quem resolve um problema X.

Na universidade, é importante trocar a imagem de contêiner para a de plataforma. É isso o que tentamos fazer no Media Lab, além de envolver instituições e investidores diversos nos projetos. 
 
O financiamento do Media Lab é peculiar.
Sim, e estou tentando mudar mais. Aboli a palavra "patrocinador" para usar "membro" e estou tentando criar uma rede em vez de manter uma relação distante dos patrocinadores. Além disso, precisamos de mais colaboração com outras instituições.

Se você examinar como os governos financiam inovação, verá a maior parte do dinheiro em projetos enormes para solucionar um problema específico, em vez de verbas pequenas pulverizadas. Isso força as organizações a trabalharem mais em colaboração.

O Cern [laboratório de física europeu, em Genebra] tem 10 mil cientistas trabalhando em muitas coisas diferentes e mostra que agrupar coisas em torno de grandes desafios é interessante. 
 
Nicholas Negroponte, pai do Media Lab, diz que a revolução digital acabou. Qual o próximo front?
Vários. O que Nicholas disse indica que uma fase crucial da revolução digital, a de dar poder aos indivíduos, acabou. Agora falamos de participação, redes, novas formas de confecção de produtos, medicina, educação. Tudo isso foi tremendamente impactado pela revolução digital anterior e pela revolução das redes atual.

O Media Lab é definido mais por um processo e uma filosofia do que por um campo específico. O que estamos fazendo é criar novas maneiras de inovar, de aprender.Entramos agora no mundo da pós-produção em massa, onde pesquisa e inovação ocorrem de baixo para cima, de modo descentralizado. 
 
Como o sr. escolhe um projeto? Qual a próxima grande sacada?
Comecei com a rede e trabalhei com páginas de internet, busca, publicidade e agora mídia, jornalismo, política.
Tenho um estudo chamado "Democracia emergente" e trabalhei em muitas comissões sobre impacto da mídia digital em democracias.
O Global Voices [cujo conselho Ito integra] se envolveu na Primavera Árabe. A próxima fase da minha vida inclui educação, arte e criatividade em nível mais abrangente. 
 
Os EUA ainda são o grande centro de inovação. Outros países podem ganhar destaque?
Brasil, China e Índia terão um impacto enorme em breve. Empresas chinesas logo se unirão ao Media Lab. Eu lembro de encontros com pessoas antigas da Honda, do grupo que "roubou" ideias de Detroit e soube trabalhá-las para fazer da Honda líder em vez de seguidora.
Vejo a mesma mentalidade hoje na China, onde estão começando a investir em pesquisa e desenvolvimento. 
 
Já foi ao Brasil?
Vou em novembro para a ExpoManagement e estive várias vezes representando a Icann [o organismo que distribui domínios na rede] e o Creative Commons [que desenvolve formas alternativas de licenciamento]. Há uma tremenda energia no Brasil, na América Latina.
Uma coisa ótima é que vocês não são pressionados por instituições antigas, como Hollywood. Podem experimentar modelos alternativos para distribuir entretenimento, arte. No espaço do conteúdo para cultura, especialmente, o Brasil é promissor. Vocês têm um grande mercado para esporte, música...
Não sei se ainda é popular, mas andei estudando coisas como o tecnobrega e a cena de música eletrônica, onde o lucro vem de eventos, não da venda de CDs. É algo interessantíssimo que nunca seria experimentado em lugares como Japão, Europa ou EUA. A relação que o Media Lab pode ter com empresas e instituições brasileiras, chinesas e indianas está no meu foco. 
 
Leia a íntegra da entrevista com Joichi Ito
folha.com/no1028692

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