14 de janeiro de 2012

Que fim levou a turma?


15 de janeiro de 2012
Educação e Ciências | Revista Época | Vida | BR

NO COLÉGIO A turma de 1979 do Colégio Andrews, no Rio de Janeiro. Mais de 30 anos depois, poucos cumpriram o que parecia ser o destino deles quando jovens ) 

O destino de cada um dos alunos de uma classe escolar de 1979 revela quanto nossa personalidade é moldada na adolescência - e quanto podemos transformar tudo depois
NO COLÉGIO
A turma de 1979 do Colégio Andrews, no Rio de Janeiro. Mais de 30 anos depois, poucos cumpriram o que parecia ser o destino deles quando jovens (Foto: arquivo pessoal)
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A mensagem
Para os pais A experiência escolar é apenas um dos muitos componentes da formação da personalidade
Para os alunos Vários adolescentes que sofreram bullying se tornaram adultos bem-sucedidos
Em seus tempos de escola, a atriz carioca Maria Clara Gueiros, de 46 anos, foi uma nerd típica: metódica, estudiosa e envergonhada. Algo difícil de imaginar ao vê-la em cena hoje. Sua mais recente personagem na televisão foi a socialite Bibi Castelani, da novela Insensato coração, predecessora de Fina estampa no horário das 21 horas. No papel de uma perua assanhada, Maria Clara arrancou gargalhadas do público. Em 1979, aos 14 anos, ela era apenas uma das estudantes do tradicional Colégio Andrews, na Zona Sul do Rio de Janeiro. A foto do grupo, tirada no ano em que o Brasil vivia a abertura política e dançava ao som das discotecas, ilustra a abertura desta reportagem. Os alunos estavam na 8ª série, o atual 9º ano. Tudo mudou desde os tempos de colégio, diz Maria Clara. Minha dedicação é a única característica que persiste.
Quem já passou pela adolescência, a antessala da vida adulta, sabe que é inevitável ganhar rótulos como popular, problemático ou nerd (nos anos 1980, caxias) que designa hoje os jovens curiosos, bons alunos e introspectivos. A criação de papéis como esses é uma consequência natural da própria adolescência, fase em que os jovens formam sua identidade como futuros adultos. Na ânsia de entender o mundo, eles classificam os outros e a si mesmos, diz o psicólogo americano Robert Crosnoe, da Universidade do Texas. A influência desses estereótipos sobre a personalidade nunca foi bem compreendida pela psicologia. Se a adolescência define a identidade, esses rótulos assumidos na juventude determinam a pessoa que nos tornamos na vida adulta?
Uma nova safra de estudos descobriu que não são raras as transformações como a de Maria Clara, a nerd envergonhada e boa em matemática que se tornou uma comediante escrachada. As novas pesquisas sugerem que os jovens são muito melhores em se livrar dos rótulos do que pensávamos. Uma notícia reconfortante numa fase em que o bullying é tão predominante na dinâmica das turmas. Pode parecer enredo de filme adolescente, mas essas transformações existem na vida real. O roteiro varia. A menina que lembra ter sofrido perseguição dos colegas por algumas características físicas hoje é uma bela advogada de sucesso. O garoto tímido, que preferia observar os outros e evitava conversas, virou um diretor de teatro com carreira internacional. E essas são apenas duas das viradas no destino dos colegas de Maria Clara no Colégio Andrews.
Transformações juvenis
A reportagem de ÉPOCA procurou os 43 estudantes da turma 81 para saber se, na prática, acontece o que as novas pesquisas sugerem. Foram localizados 20. Eles se emocionaram ao lembrar o passado. Em certos momentos, pareciam estar falando com si mesmos, numa espécie de balanço da vida. Ao ser informados sobre os caminhos trilhados pelos outros colegas, surpreenderam-se com o fato de poucos terem cumprido o destino esperado por eles próprios ou pelos outros (clique nos números acima para ler as histórias).
Os novos estudos explicam as transformações juvenis que impressionaram a turma do Andrews mais de 30 anos depois da formatura. As pesquisas se debruçaram sobre a essência da dinâmica dos grupos adolescentes para entender como os rótulos nos afetam. Boa parte deles mirou na popularidade, a velha necessidade de ser aceito. Afinal, todos os demais estereótipos, como esportista, bagunceiro ou politizado, derivam dessa condição: definem quem pertence ou não ao grupo. A sensação de fazer parte do conjunto é tão importante nessa fase porque é o momento em que o jovem deixa a esfera estritamente familiar para conquistar seu próprio espaço no mundo. Para isso, ele precisa se espelhar em novos modelos de comportamento, encontrados entre os amigos. A aceitação do outro passa a ser um elemento muito importante, afirma a psicóloga carioca Lulli Milman, especializada em adolescentes. Como é o início da criação de uma identidade, os acontecimentos dessa fase deixam marcas profundas. Por isso, os rótulos tão típicos desse período, que excluem ou incluem, soam definidores e, às vezes, ameaçadores.
A surpresa trazida pelas pesquisas científicas é que ser popular entre os colegas não prediz sucesso ou felicidade no futuro. Pelo contrário. Muitas vezes, a popularidade pode ter efeitos negativos. Nos Estados Unidos, pesquisas relacionam a popularidade no ensino médio a abuso de drogas e álcool, delinquência e promiscuidade sexual. O psicólogo Joseph Allen, professor da Universidade da Virgínia, acompanhou 185 alunos americanos por quase uma década, desde quando eles tinham 13 anos. Concluiu que, quanto maior a popularidade do aluno dentro da turma, maior a probabilidade de ele cometer pequenos delitos no começo da vida adulta, como furtos ou abuso de substâncias tóxicas. A psicóloga Marlene Sandstrom, do Williams College, de Massachusetts, chegou a resultados semelhantes em sua pesquisa com 264 alunos de classe média. Ela seguiu os estudantes durante os três últimos anos da escola e depois por outros três. A explicação dos psicólogos para o comportamento de risco entre os adolescentes mais populares é que eles precisam mostrar aos demais colegas, a quem servem como líderes e exemplos, que não fazem o que os adultos querem ou consideram correto. Eles precisam dar sinais de independência, outro valor tão caro à juventude quanto a popularidade.
Falsa sensação de poder
Claro que não é todo adolescente popular que enfrentará problemas decorrentes de seu sucesso entre os amigos. As pesquisas sugerem tendências, não regras. E a popularidade tem seus benefícios. Primeiro, é um indício de que o jovem tem habilidades sociais, um pré-requisito importante no mercado de trabalho. Em segundo lugar, um círculo grande de amizades ajuda a fortalecer a autoestima, transmitindo segurança no início da vida adulta. A popularidade faz mal quando é acompanhada por uma falsa sensação de poder. Nesses casos, os pais devem ficar alertas. Esses adolescentes acham que tudo sabem e tudo podem. Dão mais valor à popularidade do que à solidariedade com outros, à responsabilidade e ao estudo, diz a psicopedagoga paulista Silvia Amaral. Quando a escola acaba e eles ingressam no mercado de trabalho, no mundo real, caem em um vazio: onde está o poder que eu tinha?, diz Silvia.
Os pesquisadores constataram que o importante não é ter muitos amigos, mas sentir-se incluído em um grupo, mesmo pequeno. O segredo é estar num meio em que você se sente bem sendo quem é, afirma a psicóloga Kathleen Boykin, da Universidade da Virgínia. Ela acompanhou 164 estudantes durante o ensino médio e percebeu que os menos populares muitas vezes estão em grupos menores, onde se sentem confortáveis e felizes. Na verdade, é isso o que acontece com a maior parte dos adolescentes. Afinal, no papel de o garoto mais popular ou de a garota mais popular só cabe um. Os estudos sugerem que, em toda turma, a divisão de popularidade segue o seguinte esquema. Cerca de 20% dos estudantes são admirados pelo maior número de colegas. São os populares. Outros 50% têm seu grupo de amigos, mesmo que restrito. Cerca de 30% são os negligenciados, aqueles à margem da vida social.
O último grupo é chamado pela escritora americana Alexandra Robbins de os rejeitados do refeitório, aqueles que não têm o direito de sentar à mesa dos estudantes populares. O nome faz referência a uma dinâmica típica das escolas dos Estados Unidos, onde os alunos passam o dia no colégio. No Brasil, o dia a dia é diferente, mas o grupo dos rejeitados também existe. A boa notícia, segundo Alexandra, é que muitos desses alunos excluídos têm sucesso na vida adulta. Escritora com foco no mundo adolescente, Alexandra dá palestras em várias escolas. Há alguns anos, iniciou uma pesquisa de campo com alunos tímidos. Sua experiência mostra que os rejeitados são mais interessantes intelectualmente e os que têm maiores chances de sucesso profissional no futuro. A solidão os torna observadores e curiosos. Em vez de ir a tantas festas e encontros, eles leem muito e criam um mundo interior vasto, afirma Alexandra, autora do livro The geeks shall inherit the earth (algo como O mundo será dos geeks), lançado em maio nos EUA e sem edição no Brasil.
A formação da identidade
Os pesquisadores acreditam que os populares tendem a ser mais acomodados porque estão satisfeitos com sua condição. Os rejeitados pela maioria, ao contrário, buscam o novo para se destacar. J.K. Rolling, autora de um dos maiores fenômenos literários de todos os tempos, Harry Potter, descreve-se como excluída nos tempos de colégio. Diz que vivia mais dentro da própria mente que no mundo real. Sofreu bullying e sempre teve poucos amigos. Não à toa, o bruxo Harry, sua grande criação, é um menino tímido.
A conclusão das pesquisas é que a felicidade ou a infelicidade dos adolescentes na escola, assim como seus papéis sociais no grupo, ficam gravadas para sempre na personalidade. Mas não da forma previsível. Cada um usa a experiência de maneira diferente na construção de sua identidade. Certamente, existe um enorme espaço de negociação entre os rótulos atribuídos e aquilo que o jovem quer para si, diz a psicóloga Lulli. Romper com esses papéis depende muito da vontade do adolescente. Depoimentos dos ex-colegas de Maria Clara, nas páginas desta reportagem, mostram que essa força não falta aos jovens.

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