23 de janeiro de 2012

Saia justa em Abu Dhabi Por José Eli da Veiga


Terça-feira 17 de Janeiro de 2012

Quanto da energia mundial virá de fontes renováveis no início dos anos 2030? Os
prognósticos continuam bem mais céticos que as propostas para compromissos
globais.
A participação dos combustíveis fósseis no consumo global de energia primária
deverá ter uma "ligeira quebra", passando de 81% em 2010 para 75% em 2035,
segundo as circunspectas previsões da Agência Internacional de Energia (IEA, na
sigla em inglês). Assim, metade da nova capacidade instalada do setor elétrico virá
das renováveis, lideradas pelas hidroelétrica e eólica, fazendo com que o percentual
das mais modernas (não hidro) chegue a 15% em 2035.
São muito mais ambiciosos os ensaios de pactos globais. No tripé de
recomendações do Fórum Energético de Viena, em vez desses 25% extra­fósseis em
2035, surge como meta 30% de renováveis para meia década antes. Além disso, ela
está vinculada, também para 2030, a um aumento de 40% de eficiência energética,
e com acesso universal, como não poderia deixar de ser, a energias limpas,
disponíveis e de baixa emissão de carbono.
Já a iniciativa "Energia sustentável para todos", puxada pelo secretário­geral da
ONU Ban Ki­moon, é mais vaga sobre a eficiência e mais concreta sobre as
renováveis. Também para 2030, quer um acerto global na Rio+20 para que, além
de universalização do acesso, seja dobrada a "taxa de aumento da eficiência" e ao
menos também seja dobrada a parte das renováveis "em todos os países". Conforme
tópico 70 do documento "O Futuro Que Queremos", lançado há uma semana pela
ONU.
Tantas diferenças são sintomas de já puída saia justa: o objetivo de se chegar a um
sistema energético global de baixa emissão de carbono continua a ser uma
miragem, mesmo depois de duas décadas de políticas climáticas, milhares de
programas, iniciativas, regulações, estímulos mercadológicos, e desembolso de
centenas de bilhões de dólares em subsídios, fundos, esforços de pesquisa e
desenvolvimento tecnológico, ajudas externas, etc. Nada disso permitiu que o peso
relativo das energias que menos emitem gases de efeito estufa no consumo final
chegasse a 10%, ou que a fatia das renováveis modernas (não hidro) atingisse meros
3%.
Pior: na primeira década deste século houve forte aceleração do aumento de
emissões globais de dióxido de carbono. Essa também foi a primeira década em
dois séculos com aumento da intensidade dessas emissões, devido à forte retomada
do carvão, em contraste com a rápida conversão ao gás natural nos anos 1990.
São fatos diametralmente opostos às alardeadas metas de mitigação do
aquecimento global. Segundo o acordo que emergiu no final de 2010 em Cancún,
por volta de 2050 o total das emissões globais já terá que ter caído ao menos à metade, para que a concentração de gases estufa na atmosfera não supere 450
partes por milhão (ppm), nível supostamente capaz de impedir aquecimento
superior a 2º C neste século. Mais: a partir daí as emissões terão que diminuir.
Só que essa abordagem supunha decisões muito mais robustas do que as que foram
adotadas no mês passado em Durban. O adiamento geral para 2020 não oferece
mais chance de apenas 2º C neste século. Para tanto, seria necessário que a partir
de 2020 passasse a haver uma redução de no mínimo 5% ao ano das emissões
globais. O que é altamente improvável, pois, mesmo na melhor fase histórica de em
país rico e desenvolvido como a França, a taxa de redução não superou 4% ao ano.
É por isso que já se prevê a marca dos 4º C para os anos 2070, ou mesmo antes,
sinalizam alguns modelos climáticos.
Tudo isso numa situação em que 40% da humanidade (2,7 bilhões de pessoas)
ainda depende de biomassas tradicionais, principalmente madeira, carvão vegetal e
esterco. E que por volta de um quinto (1,4 bilhão de pessoas) permanece sem
qualquer acesso à eletricidade, principalmente no sul da Ásia e na África
Subsaariana. Em contraste, os 500 milhões mais ricos, que constituem apenas 7%
da população mundial, são responsáveis por metade das emissões. Estão em todos
os países do mundo e têm renda superior à da média dos que vivem nos EUA.
É impossível deixar de enfatizar, portanto, o grau de radicalidade que será exigido
do processo de inovação no âmbito das tecnologias energéticas, combinado a um
também radical enfrentamento das desigualdades internacionais e internas a cada
nação. A dificuldade não reside apenas no inegável aumento conjuntural dos
obstáculos a pactos políticos globais, e sim na imensidão dos desafios colocados
pelas imprescindíveis rupturas de inovações revolucionárias, tanto tecnológicas
quanto ideológicas.
Acelerar o ritmo dessa dupla mudança no âmbito energético é imperativo que nem
de longe pode ser estimulado pelos arranjos institucionais do Protocolo de Kyoto,
ou mesmo dos melhores planos nacionais direcionados ao desenvolvimento de
energias "limpas". Daí a elegante impotência do "World Future Energy Summit"
que se realiza esta semana em Abu Dhabi.
José Eli da Veiga, professor dos programas de pós­graduação do Instituto de Relações
Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), escreve
mensalmente às terças

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