11 de fevereiro de 2012

De Russell a Hessel - CRISTOVAM BUARQUE



Para os mais jovens parece estranha a importância da Guerra do Vietnã na consciência da geração que já passa dos 60 anos de idade. Mas naquele tempo, muitos de nós sabíamos mais da geografia daquele distante, pequeno e exótico país, do que dos nossos.

Ainda mais estranho parece que aquela guerra, feita por gigantescos aviões e bombas, contra minúsculos orientais que se enfiavam pés descalços por intricados labirintos subterrâneos, tenha sido ganha, em parte, por um inglês com 90 anos de idade, um filósofo chamado Bertrand Russell.

Além da formidável resistência dos vietcongs, foi a consciência mundial criada por Russell que despertou o mundo para a desumanidade daquela injusta e bárbara guerra, onde os bárbaros eram os ricos, cultos, desenvolvidos e tecnológicos norte-americanos.

Bertrand Russell, Prêmio Nobel de Literatura em 1950, criou o Tribunal para Julgar os Crimes no Vietnã e caminhando ao lado de jovens despertou o mundo para a tragédia vietnamita. Seu Tribunal não tinha qualquer poder legal, mas uma imensa força moral capaz de encurralar os dirigentes da grande potência norte-americana, com seus aviões e bombas, mas sem uma base ética para a guerra.

Quarenta anos depois, outro senhor, ainda mais velho, está despertando os jovens do mundo para indignarem-se contra outra guerra também maldita: a guerra da má economia, que destrói a natureza, provoca desemprego, desarticula os serviços públicos, condenando, sobretudo, os jovens a uma vida sem futuro, como os jovens soldados norte-americanos no Vietnã.

É Stéphane Hessel. Com um pequeno livro, intitulado “Indignai-vos”, desperta os jovens em reação aos crimes contra a humanidade cometidos pelos responsáveis pela economia. Publicado em diferentes idiomas, o livro incentiva jovens em diversos cantos do mundo a ocuparem praças e ruas.

Para se transformar no Russell dos dias atuais, Hessel precisa dar um passo adiante e convocar o mundo para criar outro Tribunal. Desta vez, para julgar os crimes contra a humanidade, provocados pelo modelo econômico, pelo tipo de crescimento que constrói muros, exclui multidões, apartando os que têm dos que não têm acesso aos modernos bens e serviços.

Um modelo econômico que escraviza a humanidade, uma parte pela dívida contraída para poder aumentar o consumo de bens supérfluos, a outra pelo desemprego que impede de consumir até os mais essenciais bens de consumo para uma sobrevivência digna.

O mundo tem um Tribunal de Haia que julga legalmente os crimes contra a humanidade: torturas e genocídios. Mas não tem um Tribunal que, mesmo sem poder legal, tenha a força moral para dizer que também é crime contra humanidade destruir a natureza, tratar com irresponsabilidade o sistema financeiro internacional e as finanças dos governos, deixar os jovens sem emprego e os velhos sem aposentadoria.
Na guerra do Vietnã, o alvo de Bertrand Russell era o presidente norte-americano e seus ministros da Defesa e do Sistema Industrial Militar.

Hoje, no mundo global seriam governantes das grandes potências, como o G-8 e Comunidade Européia, Presidentes de Banco Centrais, ministros da área econômica, banqueiros, especuladores e industriais, grandes construtoras.

O Tribunal Hessel seria um conjunto de pessoas como ele próprio e outros nomes com a força moral de pessoas como Gro Harlem Brundtland, da Noruega; Kumar Pachauri, Índia; Ricardo Lagos, Chile; Mário Soares, Portugal; Edgar Morin, França; Frederico Mayor, Espanha; Amartya Sen, Índia; Domenico De Masi, Itália; Sebastião Salgado, Brasil; Kofi Annan, Gana; Boutrous Boutros-Ghali, Egito; Helen Clark, Nova Zelândia; Desmond Tutu, África do Sul; Ignacy Sachs, França, entre outros homens e mulheres de consciência e respeito, que sem força do Estado, sem poder de polícia, nem política, apenas com a credibilidade moral diriam: BASTA de brutalidade do sistema econômico, como Russell disse um BASTA à brutalidade da guerra do Vietnã.

Bertrand Russel não tinha internet nem redes sociais. Ele precisava caminhar nas ruas. Russel não teve a chance de uma Cúpula como a ¨Rio + 20¨, quando a sociedade civil hoje, no lado de fora da sala do poder legal, poderá lançar o grito da força moral de Basta, com o simbolismo de criar o Tribunal Hessel para julgar os crimes contra a humanidade, cometidos em nome de um crescimento econômico imoral, ineficiente e vazio existencialmente.

Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF

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