1 de fevereiro de 2012

Fazendo cultura, de olho na cidade , Helena Wendel Abramo


políticas públicas e participação


24.01.12   
Em São Paulo, diversos coletivos e grupos culturais juvenis exercitam sua capacidade de expressão artística e mobilizam formas de intervir, interpretar e construir sentidos sobre a cidade e sobre as políticas públicas. A opinião é da socióloga Helena Wendel Abramo que, até 2011, atuou como assessora da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Importante estudiosa da relação dos jovens com a cultura e com a política, ela partilhou com o boletim Juventude na Cena suas ideias e opiniões, resultantes de pesquisas e de suas experiências com coletivos e grupos juvenis.

Tendo em vista seus estudos e seus olhares sobre os grupos juvenis da cidade de São Paulo, como você analisa a relação destes grupos e coletivos com a cidade e o espaço urbano?


Há muitos tipos de grupos juvenis e, portanto, muitos tipos de relações. Considerando os grupos culturais com que tenho tido contato, há uma forte relação deles com a cidade e uma diferente noção de cidade e de uso da cidade. Os grupos de cultura têm uma característica de expressão artística, mas também de uma forma de diversão, de sociabilidade, de fazer coisas que eles acham interessantes acontecer. É a ideia de construir um espaço de diversão onde não há.

E essa questão acaba sendo o mote de boa parte dos grupos de cultura que existem, em sua maioria, na periferia da cidade. É a visão deles sobre a cidade, sobre determinados lugares da cidade e do lugar deles na cidade. Mas a ideia de criar um espaço de diversão para si, de intervenção, não fica por aí. Para além dessas atividades culturais, esses jovens passam a se envolver na expressão de demandas por políticas públicas, por equipamentos etc. Buscam uma intervenção mais ampla em ações que transformem o bairro e atinjam outros jovens.

É nessa experiência que enfrentam e tensionam o poder público em torno de questões como, por exemplo, a gestão do espaço público ou das regras de uso de equipamentos da cidade. Alguns se aprofundam ainda mais discutindo diretrizes de secretarias ou de subprefeituras e há outros que chegam a explicitamente discutir e interferir na criação de políticas públicas voltadas para a cultura, reivindicando a criação de programas e até a aplicação de leis.

Qual a principal demanda desses coletivos juvenis? Mais espaços culturais e participação maior na definição das políticas culturais?

Vou considerar aqui alguns grupos juvenis, talvez os mais ativistas. Tenho percebido a formação de redes e fóruns que se reúnem para explicitar uma demanda para o poder público. E este é um fenômeno mais recente. Tive conhecimento de sequência de debates, de encontros, de manifestos produzidos por redes. Nesses manifestos as demandas são variadas: mais apoio à cultura, mais políticas públicas de cultura de forma genérica, mais financiamento e apoio aos artistas locais. E normalmente essas demandas incluem sim a construção, reabertura ou reconfiguração de equipamentos públicos de cultura, como, por exemplo, em Ermelino Matarazzo, Guaianases, M’Boi Mirim. Se formos dar uma olhada nos manifestos que estão aí, a demanda é por espaços, mas não só. A novidade é a ideia de uma gestão mais compartilhada, democrática desses equipamentos. Também há a percepção de elementos positivos como alguns editais de fomento como o VAI, os CEUs e algumas Casas de Cultura, mas também uma análise crítica disso. Das falhas, das insuficiências e das carências.

Qual a relação desses jovens com o poder público, especialmente com os órgãos de juventude ou de cultura?

Muitos grupos têm análises críticas e contundentes com relação às políticas públicas. Mas as visões são bastante diferenciadas. Estamos falando de grupos que tiveram uma experiência singular com políticas públicas. Talvez seus membros tenham uma noção diferenciada do impacto delas em suas vidas, o que faz com que tenham um reconhecimento maior dos efeitos das políticas e, por isso, se disponham a pensar mais sobre elas. É uma geração que teve acesso, pela primeira vez, às políticas públicas. Ou seja, é uma experiência geracional inédita e que coincide com um momento de mobilização cultural em certos bairros, na configuração de saraus, no renascimento de espaços de discussão, na produção de atividades audiovisuais, pelas ações do hip-hop e tudo o que ele produziu, na valorização e no discurso de periferia.

A identidade juvenil tem estado presente de que forma nas movimentações atuais?

Algumas dessas redes assumem explicitamente a identidade de grupos jovens, e acho que isso é inédito e há que se pensar sobre isso. É muito difícil fazer cultura na periferia e ainda mais difícil para os jovens, pois há uma desqualificação a mais. Acham que os jovens não têm estabilidade, não tem referências. Eles estão ainda tentando inventar estratégias com que possam fazer da cultura o centro de suas vidas, seja profissionalmente, seja como forma de identidade. Entender-se e se assumir como juvenil lhes confere um lugar. O significado e o sentido político disso ainda não sei dizer, mas revela uma experiência geracional singular.

A questão de pautarem o “ser jovem” muda a relação que eles têm com as políticas públicas, mas não com relação às demandas. É uma questão a ser refletida. O Manifesto Livre Leste é muito explícito na afirmação da identidade juvenil e também em como outras políticas públicas existentes os configuraram como grupo. Isso não quer dizer que eles estejam rendidos. Eles reconhecem a importância, pedem a continuidade dessas políticas, valorizam, mas querem mais e às vezes até modificações.

Quais são as maiores dificuldades para que os jovens possam acessar, circular e experimentar os espaços públicos de cultura na cidade?
Muitos grupos têm realizado atividades em diferentes locais da cidade, como praças, ruas, becos e vielas, e se enfrentam no cotidiano com o poder público, com as autoridades locais ou municipais, sobre a regulação desses espaços públicos e começam a ter uma tensão ou mesmo um conflito. Passam então a se posicionar sobre como deve ser gerido o espaço público. Temos também muitos grupos que estão reclamando do mau estado de conservação de certos espaços culturais ou de certas regras que dificultam o acesso dos grupos culturais, como exigência de documentos pelos CEUs ou Casas de Cultura. Reclamam ainda que os espaços não têm as condições necessárias para a implementação de atividades culturais e que seus horários de funcionamento são muito restritos.

Outra dificuldade está no deslocamento. Os jovens querem ter espaços públicos de cultura em seus bairros, mas não querem ficar confinados a eles. Por exemplo, muitas vezes os jovens vão a um show que acaba às 2h da manhã e não tem ônibus para retornar. Se esse jovem vai caminhando em turma ou em grupo, os ônibus não costumam parar para eles, porque existe uma visão que se eles entrarem vão fazer bagunça. Então, esse resultado do deslocamento dos jovens não é resultado de uma política publica, é resultado de sua própria inquietação.

Algumas manifestações artísticas dos jovens tratam disso, dos circuitos. Por exemplo, existem letras de músicas que contam sobre o deslocamento que se faz durante uma noite na cidade de São Paulo. Então, precisamos de políticas que apoiem o deslocamento, não só para o estudo, mas para a diversão, a sociabilidade e a cultura, que também merecem apoio.

O que seria possível fazer para superar essas dificuldades e responder às demandas?

Enquanto gestor público, ver as possibilidades de respostas a isso. Toda promoção de política passa por uma disputa de interesses variados pelos recursos, orçamento e capacidade de estruturas de desenvolvimento. O primeiro passo que a gente dá é a percepção de que existe um universo “juvenil” aqui, que faz parte da cidade, de uma população que tem direito à cultura e que ainda não está sendo devidamente contemplada, com estrutura adequada, com mais recursos, mais técnicos e gestores preparados para atender essa demanda.

A construção de uma política pública requer muitas coisas além da vontade política de resolver uma demanda legítima. Precisa ter isso, claro: reconhecimento da legitimidade da demanda, reconhecimento de um direito que é necessário ser respondido, mas isso exige recursos e é importante que os jovens dialoguem com essas demandas e discutam essas políticas.

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