28 de junho de 2012

Brasilia, Patrimonio Mundial da Humanidade: críticas tambein do TCDF

Relatório do Tribunal de Contas cobra ações capazes de preservar o patrimônio da capital e lista problemas como a ocupação irregular da orla do Paranoá e o desvirtuamento dos pilotis. Governo e Iphan criarão órgão para regular a área tombada HELENA MADER A cobrança internacional não é a única pressão para que o governo melhore as ações de preservação do patrimônio e controle as agressões ao tombamento. O Tribunal de Contas do DF (TCDF) aprovou na última terça-feira um relatório que determina que o GDF "defina medidas imediatas de fiscalização com vistas a coibir agressões ao conjunto urbanístico tombado". O documento passou pela avaliação dos conselheiros em plenários depois que o Ministério Público, ao lado do tribunal, elaborou um relatório sobre a degradação da área inscrita como patrimônio mundial. Além de prestar contas à Unesco, o governo local terá de se explicar ao TCDF. O voto do relator do processo, o conselheiro Inácio Magalhães Filho, traz duras críticas à atuação do GDF. "Os achados da auditoria evidenciam que as agressões ao conjunto urbanístico tombado de Brasília persistem em razão da inoperância dos órgãos governamentais de fiscalização", avalia. A auditoria do Ministério Público do DF e Territórios mostrou que os problemas indicados pela missão da Unesco, realizada em 2001, permaneceram até a última visita, realizada em março deste ano. Segundo os procuradores responsáveis pelo levantamento, "quase nada foi feito para revertê-las e muitos problemas se agravaram." As irregularidades identificadas pelo TCDF são praticamente as mesmas apontadas pela Unesco. O documento diz que há ocupações de áreas verdes e públicas por construções permanentes, o desvirtuamento do uso dos pilotis, a descaracterização da escala bucólica e o adensamento irregular das margens do lago. Parceria Para resolver tanto os problemas apontados pela Unesco quanto os identificados pelo TCDF, o GDF e o Iphan apostam em uma parceria. O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Rafael de Oliveira, conta que estão avançadas as negociações para criar um órgão regulador da área tombada, que terá a participação de integrantes do governo local, do Iphan e da sociedade civil. "A nossa ideia é criar um organismo que funcione como uma agência com poder de regular as atividades na área tombada. Ainda não definimos o modelo e os detalhes, mas acho que essa iniciativa será positiva para resolver os problemas", conta Rafael de Oliveira. Para o superintendente do Iphan, Alfredo Gastal, esse novo órgão deve ter um número limitado de participantes para que as ações sejam efetivas. "O ideal é termos pessoas especializadas, com profundo conhecimento de urbanismo, porque, se politizar muito, a coisa complica", comenta. Para ele, a prioridade para acabar com a pressão sobre a área tombada deve ser a melhoria do transporte urbano. "Brasília surgiu em um pedaço de terra no centro do Brasil, onde não havia nada. Como vieram operários de todos os estados, foram surgindo as cidades do DF e os acampamentos. Hoje, há 3,3 milhões de pessoas na área metropolitana, mas 70% dos empregos estão na área central", afirma.


Comitê da Unesco aprova o relatório elaborado por consultores que visitaram Brasília em março. Com isso, as recomendações propostas pelos especialistas passam a ser oficialmente determinações do órgão
HELENA MADER
Apesar das graves agressões ao projeto do Plano Piloto que motivaram críticas mundiais, Brasília não vai perder o título de patrimônio mundial da humanidade. O Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco se reuniu ontem em São Petersburgo, na Rússia, para debater o relatório sobre o estado de conservação da capital. O documento elaborado pelos consultores que visitaram a cidade em março foi aprovado com poucas ressalvas. Os integrantes do grupo referendaram todas as críticas e as recomendações dos especialistas internacionais e determinaram que o governo do país preste contas das ações para garantir a proteção do patrimônio, até 1° de fevereiro de 2013.
O relatório sobre o estado de conservação de Brasília foi elaborado pelo Conselho de Monumentos e Sítios (Icomos), entidade consultiva da Unesco. As críticas foram consideradas duras, e o puxão de orelha público gerou um mal-estar no governo federal e no GDF, responsáveis pelas ações de proteção. A decisão do comitê é, na verdade, uma chancela ao relatório do Icomos e, com a deliberação de ontem, a Unesco recomenda oficialmente que o Brasil cumpra as determinações. Os arquitetos Luís Calvo, da Argentina, e Carlos Sambrício, da Espanha, passaram quatro dias na cidade para preparar o relatório.
Os integrantes do comitê retiraram só um ponto do relatório do Icomos. Os consultores haviam proposto que o governo do DF suspendesse o processo de consulta popular para a elaboração do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB). Segundo eles, a sociedade não estaria sendo ouvida de forma adequada durante o processo de preparação do projeto de lei. Mas acabou entendido que essa medida poderia ser vista como uma intromissão da Unesco nas políticas públicas.
"Valor excepcional"
De modo geral, as determinações da Unesco refletem problemas que são velhos conhecidos dos brasilienses. A entidade afirma, por exemplo, que Brasília precisa de um plano de gestão dos transportes urbanos para atenuar o caos no trânsito e minimizar o impacto sobre a área tombada. O documento final da Unesco também determina que o governo local submeta projetos de ocupação no entorno do Estádio Mané Garrincha à análise do Centro do Patrimônio Mundial, sediado em Paris (leia quadro).
Durante a reunião do comitê, a delegação da Índia ficou responsável por liderar o debate acerca do estado de conservação de Brasília. O diplomata brasileiro Adam Muniz, que atua na diplomacia do Brasil na Unesco, apresentou o posicionamento do governo brasileiro na reunião realizada na Rússia. Ao Correio, ele contou que, em nenhum momento, os integrantes do comitê cogitaram retirar o título de Brasília ou nem sequer incluir a cidade na lista do patrimônio em risco. "O Brasil agradeceu à Unesco e ao Icomos pelo envio da missão e demonstrou gratidão com relação ao relatório, que oferece diretrizes e orientações que certamente serão levadas em consideração", comentou o diplomata.
Segundo Muniz, os participantes entenderam que a essência do projeto original está preservado. "O entendimento é que os atributos que conferem valor excepcional e universal à cidade não estão ameaçados. Isso ficou claro." O representante da Espanha comentou a pressão urbana sofrida por Brasília e cobrou que o relatório tivesse uma linguagem incisiva no sentido de cobrar providências. Mas os presentes entenderam que as recomendações eram claras. O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Rafael de Oliveira, comemorou a decisão da Unesco de manter o título de Brasília.
Análise da notícia Mobilização
GUILHERME GOULART
A aprovação por parte da Unesco do relatório elaborado para apontar o desleixo brasileiro com a preservação da capital federal deve servir não como alerta, mas como puxão de orelha às autoridades locais e federais. É possível, sim, comemorar a preservação do título de patrimônio mundial, mas também é hora de mobilização, de planejamento e de organização para que sejam cumpridas as determinações de um órgão que mostrou ter plena noção das agressões cometidas no Distrito Federal. E, pela primeira vez, existe um prazo para que os governos do Brasil e de Brasília prestem contas das ações que serão tomadas para garantir a preservação de tudo aquilo que se pensou e executou antes e durante a construção da capital federal. A maior comemoração, portanto, está por vir.
Problemas identificados
» É preciso assegurar que as características originais e as escalas planejadas por Lucio Costa sejam respeitadas.
» O Brasil deve estabelecer mecanismos que garantam a análise prévia dos impactos sobre o patrimônio.
» Estabelecer um sistema eficiente para coordenar as tomadas de decisão, com uma estrutura central de gestão do patrimônio mundial.
» Dar mais transparência ao papel e à função de cada órgão envolvido na proteção do tombamento.
» Submeter propostas relativas ao desenvolvimento da área ao redor do Estádio Mané Garrincha ao Centro de Patrimônio Mundial.
» Reforçar regulações para proibir a construção de edifícios em áreas não edificantes definidas no Plano Piloto e manter as características de cada escala urbana.
» Desenvolver uma estratégia clara para os transportes públicos.
» Apresentar um relatório consolidado das ações tomadas até 1° de fevereiro de 2013.
» A Unesco defende que o GDF terá que adotar uma posição mais firme na implementação da Lei dos Puxadinhos.
» Os consultores defendem a necessidade de acabar com a privatização de espaços públicos de uso comum, pois isso levará a um fechamento dos espaços abertos e terá um impacto sobre um dos atributos essenciais do estado de conservação dos bens inscritos na lista do patrimônio mundial.
» A missão identificou o grave estado de degradação da W3.
» Para a Unesco, uma atenção particular deve ser destinada ao planejamento do Setor Noroeste, a fim de conservar a ligação original entre o Plano Piloto e as suas redondezas.
» As margens do Lago Paranoá devem ter uma atenção especial para que não haja um uso irregular e para que as características próprias a um espaço aberto e natural sejam bem preservadas.
» A expansão da Vila Planalto deve ser controlada, e o governo deve fazer esforços para preservar o caráter original. Qualquer expansão deve ser proibida. É indispensável que sejam criados mecanismos legais para evitar as pressões e as especulações.

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