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RIO — Daqui a três anos, a Assembleia Geral da ONU vai ter que adotar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Mais do que isso: será formada, talvez já a partir de agora, uma comissão de 30 pessoas que terá a função de estabelecer, dentro desse prazo, quais os indicadores ou os critérios que podem ser usados para o Desenvolvimento Sustentável. É uma decisão importante que está no texto da Rio+20 e que, segundo o economista José Eli da Veiga, pode ser de grande avanço. Professor da Universidade de São Paulo, antes de começar a conferência ele brincou de imaginar o que aconteceria. Agora está comemorando: “Acertei quase tudo.”
O GLOBO: O resultado da conferência o surpreendeu?
JOSÉ ELI DA VEIGA: Apesar da choradeira geral, tem coisas muito importantes que podem servir como instrumento de pressão social. Na verdade, desde o primeiro Rascunho Zero, logo no início, quando se começou a perceber que muitas coisas estavam sendo postas entre colchetes etc., eu e outros que acompanhavam o processo sabíamos que o resultado seria este. Os dois grandes temas, que são a Economia Verde e transformar o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) em agência, sofreram grande resistência. Como nessas cúpulas as coisas têm que ser tiradas por consenso, é de se prever que não seria assim tão fácil. Tanto é que tentei fazer uma previsão do que iria acontecer, pouco antes de começar a Rio+20, e acertei quase tudo.
O que, no documento final da conferência, não saiu de acordo com o que o senhor imaginava?
JOSÉ ELI: Eu estava mais animado com a questão dos oceanos. A declaração que está no documento final é muito importante, são 20 parágrafos, mas é uma questão que, por incrível que pareça, foi esquecida. No início, em Estocolmo (1972, Primeira Cúpula do Meio Ambiente), as evidências científicas não eram suficientes para que as pessoas dessem importância aos oceanos. Depois, quando surgiram as evidências, as dificuldades eram como fazer para se chegar a um acordo. Hoje se sabe que os oceanos são até mais importantes do que as florestas para a regulação térmica do planeta. O processo de preparação da Rio+20 refletiu isso mas, na última hora, eles tiraram uma frase que era um intento de fazer um tratado sobre as águas internacionais. Os oceanos ficam fora de qualquer soberania nacional. Este é o primeiro documento multilateral que dá tanta importância aos oceanos. Mas aquilo que seria importante de fato eles tiraram na última hora.
Aconteceu isso também em relação a outros temas, não?
JOSÉ ELI: Foi parecido com o que aconteceu na questão das mulheres. O tema, a rigor, conseguiu uma declaração razoável, mas pinçaram justamente o direito reprodutivo. A mesma coisa aconteceu com a energia: tinha uma proposta do Ban Ki- moon (secretário-geral da ONU), de fornecer energia sustentável para todos. A proposta passou, mas eles tiraram os números. O texto inicial dizia que 1 bilhão e 400 mil pessoas não têm direito à energia e que elas têm de ter esse direito. Isso ficou. Depois disso vinha outra parte dizendo que é preciso dobrar a parte renovável da matriz energética e dobrar a velocidade em que se está melhorando a eficiência energética. Foi mantido, mas tiraram o compromisso de dobrar até 2030. Puseram que a eficiência energética tem de aumentar até 2030, ou seja, evitaram qualquer compromisso com número.
Tinha uma proposta mais audaciosa, que era suprimir todos os subsídios fósseis. Não entrou também...
JOSÉ ELI: O país que mais se mostrou contra essa ideia foi a Índia porque eles acham que vão precisar dos fósseis para levar energia para os pobres do país. E, é claro, por trás da Índia estava a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) inteira. Ou seja: no tópico energia acabou ficando muito menos do que eu imaginava. Curioso é que, ao que parece, os Estados Unidos não resistiram, eles topariam.
Havia uma expectativa de que o Pnuma virasse agência, e isso não aconteceu. Por quê?
JOSÉ ELI: Se você ler com atenção o parágrafo C do capítulo IV, chamado Pilar Ambiental do Desenvolvimento Sustentável, que tem quatro subdivisões, vai perceber que, se tudo aquilo for aplicado, o resultado é melhor do que se tivessem escrito que o Pnuma ia virar agência.
Mas, afinal, qual a maior diferença? Por que o Pnuma quer virar agência?
JOSÉ ELI: Um dos problemas de ser Programa das Nações Unidas é que ele é bancado por 60 e poucos países, somente. Já como agência, todos os 193 países iriam bancá-la. Mas isso não seria difícil resolver: bastava pôr um tópico dizendo que o Pnuma, mesmo como Programa, seria bancado por todos os países, e pronto. Daria no mesmo.
O que, no texto, o surpreendeu positivamente?
JOSÉ ELI: De acordo com a versão final do texto, daqui a três anos a Assembleia Geral da ONU vai ter que adotar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Mais do que isso: os governantes já disseram que tem de ser formada uma comissão de 30 pessoas que serão indicadas pelas comissões regionais da ONU. Uma delas é a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), que vai indicar seis estudiosos, enquanto as outras comissões indicarão quatro pessoas cada uma. Essa reunião de estudiosos do desenvolvimento sustentável vai ter que dizer, daqui a três anos, quais os indicadores ou critérios que podem ser estabelecidos com prazo para o Desenvolvimento Sustentável. Se isso acontecer e daqui a três anos a ONU determinar esses indicadores, certamente vai ser um grande avanço.
Por que o Brasil está sendo tão criticado pelo texto final, se não dependeu só dele a última versão?
JOSÉ ELI: Acontece que sempre, nas reuniões de cúpula, o país anfitrião desempenha o papel do desbloqueio, ou seja, de tirar as travas do texto. A Dinamarca, por exemplo, passou a ser criticada durante a realização da COP-15 (Conferência das Partes que aconteceu em Copenhague em 2009) porque não conseguiu isso. No México, em Cancún, o governo foi ovacionado porque justamente conseguiu destravar. Suponho que em algum momento da negociação o Brasil tenha pedido uma espécie de voto de confiança. Por isso conseguiu, com rapidez, aprovar um texto de que ninguém gostava. É só uma suposição.
O resultado desta conferência estimulará a realização de outra daqui a vinte anos?
JOSÉ ELI: Acho que essa cúpula foi tão desgastante que a ONU vai pensar dez vezes antes de fazer outra. A cúpula de Joanesburgo, em 2002, também não foi boa, mas ninguém prestou muita atenção a ela porque o momento histórico era complicado, tinha acabado de acontecer o ataque às Torres Gêmeas (nos Estados Unidos). A proposta inicial era que a Rio+20 que acabou de acontecer fosse só em 2017, e o normal era que acontecesse na Ásia, já que a primeira foi na Europa, a segunda na América do Sul (no Brasil), a outra na África. Mas o ex-presidente Lula se empenhou bastante para que fosse de novo no Rio.
Qual a maior diferença entre a Rio 92 e a Rio+20?
JOSÉ ELI: Nos vinte anos que sucederam a Conferência de Estocolmo, o tratado que foi discutido lá foi sendo amadurecido e quando começou a Rio 92 já havia o que assinar. No caso da Rio+20 não tinha nada sendo preparado, não era culminância de nada. A Rio+20 foi convocada sem que tivesse em preparação nenhum tratado ou convenção nova. Sobre a declaração, o ideal seria uma coisa mais enxuta com poucas palavras. Uma declaração como essa tem pouca aplicação, mas dá argumentos para os países irem à ONU cobrar.
O GLOBO: O resultado da conferência o surpreendeu?
JOSÉ ELI DA VEIGA: Apesar da choradeira geral, tem coisas muito importantes que podem servir como instrumento de pressão social. Na verdade, desde o primeiro Rascunho Zero, logo no início, quando se começou a perceber que muitas coisas estavam sendo postas entre colchetes etc., eu e outros que acompanhavam o processo sabíamos que o resultado seria este. Os dois grandes temas, que são a Economia Verde e transformar o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) em agência, sofreram grande resistência. Como nessas cúpulas as coisas têm que ser tiradas por consenso, é de se prever que não seria assim tão fácil. Tanto é que tentei fazer uma previsão do que iria acontecer, pouco antes de começar a Rio+20, e acertei quase tudo.
O que, no documento final da conferência, não saiu de acordo com o que o senhor imaginava?
JOSÉ ELI: Eu estava mais animado com a questão dos oceanos. A declaração que está no documento final é muito importante, são 20 parágrafos, mas é uma questão que, por incrível que pareça, foi esquecida. No início, em Estocolmo (1972, Primeira Cúpula do Meio Ambiente), as evidências científicas não eram suficientes para que as pessoas dessem importância aos oceanos. Depois, quando surgiram as evidências, as dificuldades eram como fazer para se chegar a um acordo. Hoje se sabe que os oceanos são até mais importantes do que as florestas para a regulação térmica do planeta. O processo de preparação da Rio+20 refletiu isso mas, na última hora, eles tiraram uma frase que era um intento de fazer um tratado sobre as águas internacionais. Os oceanos ficam fora de qualquer soberania nacional. Este é o primeiro documento multilateral que dá tanta importância aos oceanos. Mas aquilo que seria importante de fato eles tiraram na última hora.
Aconteceu isso também em relação a outros temas, não?
JOSÉ ELI: Foi parecido com o que aconteceu na questão das mulheres. O tema, a rigor, conseguiu uma declaração razoável, mas pinçaram justamente o direito reprodutivo. A mesma coisa aconteceu com a energia: tinha uma proposta do Ban Ki- moon (secretário-geral da ONU), de fornecer energia sustentável para todos. A proposta passou, mas eles tiraram os números. O texto inicial dizia que 1 bilhão e 400 mil pessoas não têm direito à energia e que elas têm de ter esse direito. Isso ficou. Depois disso vinha outra parte dizendo que é preciso dobrar a parte renovável da matriz energética e dobrar a velocidade em que se está melhorando a eficiência energética. Foi mantido, mas tiraram o compromisso de dobrar até 2030. Puseram que a eficiência energética tem de aumentar até 2030, ou seja, evitaram qualquer compromisso com número.
Tinha uma proposta mais audaciosa, que era suprimir todos os subsídios fósseis. Não entrou também...
JOSÉ ELI: O país que mais se mostrou contra essa ideia foi a Índia porque eles acham que vão precisar dos fósseis para levar energia para os pobres do país. E, é claro, por trás da Índia estava a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) inteira. Ou seja: no tópico energia acabou ficando muito menos do que eu imaginava. Curioso é que, ao que parece, os Estados Unidos não resistiram, eles topariam.
Havia uma expectativa de que o Pnuma virasse agência, e isso não aconteceu. Por quê?
JOSÉ ELI: Se você ler com atenção o parágrafo C do capítulo IV, chamado Pilar Ambiental do Desenvolvimento Sustentável, que tem quatro subdivisões, vai perceber que, se tudo aquilo for aplicado, o resultado é melhor do que se tivessem escrito que o Pnuma ia virar agência.
Mas, afinal, qual a maior diferença? Por que o Pnuma quer virar agência?
JOSÉ ELI: Um dos problemas de ser Programa das Nações Unidas é que ele é bancado por 60 e poucos países, somente. Já como agência, todos os 193 países iriam bancá-la. Mas isso não seria difícil resolver: bastava pôr um tópico dizendo que o Pnuma, mesmo como Programa, seria bancado por todos os países, e pronto. Daria no mesmo.
O que, no texto, o surpreendeu positivamente?
JOSÉ ELI: De acordo com a versão final do texto, daqui a três anos a Assembleia Geral da ONU vai ter que adotar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Mais do que isso: os governantes já disseram que tem de ser formada uma comissão de 30 pessoas que serão indicadas pelas comissões regionais da ONU. Uma delas é a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), que vai indicar seis estudiosos, enquanto as outras comissões indicarão quatro pessoas cada uma. Essa reunião de estudiosos do desenvolvimento sustentável vai ter que dizer, daqui a três anos, quais os indicadores ou critérios que podem ser estabelecidos com prazo para o Desenvolvimento Sustentável. Se isso acontecer e daqui a três anos a ONU determinar esses indicadores, certamente vai ser um grande avanço.
Por que o Brasil está sendo tão criticado pelo texto final, se não dependeu só dele a última versão?
JOSÉ ELI: Acontece que sempre, nas reuniões de cúpula, o país anfitrião desempenha o papel do desbloqueio, ou seja, de tirar as travas do texto. A Dinamarca, por exemplo, passou a ser criticada durante a realização da COP-15 (Conferência das Partes que aconteceu em Copenhague em 2009) porque não conseguiu isso. No México, em Cancún, o governo foi ovacionado porque justamente conseguiu destravar. Suponho que em algum momento da negociação o Brasil tenha pedido uma espécie de voto de confiança. Por isso conseguiu, com rapidez, aprovar um texto de que ninguém gostava. É só uma suposição.
O resultado desta conferência estimulará a realização de outra daqui a vinte anos?
JOSÉ ELI: Acho que essa cúpula foi tão desgastante que a ONU vai pensar dez vezes antes de fazer outra. A cúpula de Joanesburgo, em 2002, também não foi boa, mas ninguém prestou muita atenção a ela porque o momento histórico era complicado, tinha acabado de acontecer o ataque às Torres Gêmeas (nos Estados Unidos). A proposta inicial era que a Rio+20 que acabou de acontecer fosse só em 2017, e o normal era que acontecesse na Ásia, já que a primeira foi na Europa, a segunda na América do Sul (no Brasil), a outra na África. Mas o ex-presidente Lula se empenhou bastante para que fosse de novo no Rio.
Qual a maior diferença entre a Rio 92 e a Rio+20?
JOSÉ ELI: Nos vinte anos que sucederam a Conferência de Estocolmo, o tratado que foi discutido lá foi sendo amadurecido e quando começou a Rio 92 já havia o que assinar. No caso da Rio+20 não tinha nada sendo preparado, não era culminância de nada. A Rio+20 foi convocada sem que tivesse em preparação nenhum tratado ou convenção nova. Sobre a declaração, o ideal seria uma coisa mais enxuta com poucas palavras. Uma declaração como essa tem pouca aplicação, mas dá argumentos para os países irem à ONU cobrar.
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