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editoriais@uol.com.br, 24 de junho,2012
As dúvidas que restavam sobre o retrocesso político no Egito se desfizeram ao longo da semana. Logo depois de fechadas as urnas na primeira eleição livre de um presidente egípcio, a Junta Militar que controla o Estado baixou decretos que restituem poderes ditatoriais ao grupo oriundo do antigo regime.
O ensaio de avanço democrático no Egito sofreu novo recuo com a decisão de adiar, sem data definida, o anúncio do resultado do pleito presidencial. A Irmandade Muçulmana, que já declarou vencedor o candidato Mohamed Mursi, acusa os militares de manipulação.
Se Ahmed Shafiq, o preferido da Junta, for apontado como vencedor, sua legitimidade será contestada pelos opositores -como deixa evidente a retomada da praça Tahrir por multidões em protesto.
Essa espécie de golpe em câmera lenta, que faz retroceder o processo de democratização iniciado com a deposição do ditador Hosni Mubarak em 2011, havia sido inaugurada com a decisão da Corte Constitucional de suspender o Parlamento controlado pela Irmandade. O argumento foi que se desrespeitou a regra de reservar um terço das cadeiras para candidatos independentes.
A intervenção da Suprema Corte ainda se escudava na defesa de uma formalidade legal; os decretos da Junta, contudo, dispensaram disfarces. As "emendas constitucionais" põem sob seu controle exclusivo -vale dizer, retiram do presidente eleito- o poder de declarar guerra e o orçamento do Ministério da Defesa.
Fica a cargo dos militares, além disso, a indicação dos integrantes da comissão constituinte (um grupo com essa função foi deposto com o Legislativo). A Junta se reserva o direito de vetar qualquer item da nova Constituição.
Os militares não se limitaram a acumular prerrogativas para seu alto comando. Também aumentaram o poder discricionário de oficiais de polícia e integrantes dos aparelhos de inteligência, autorizados a prender civis que atentem contra a "segurança nacional".
O esforço da Junta para manter o controle que há décadas exerce sobre o Egito dificilmente passará sem resistência. Suas decisões incentivam a radicalização dos grupos de oposição mais articulados, como a Irmandade, que parece apenas aguardar o resultado oficial da eleição.
Caso Mursi vença, o país ainda assim permanecerá em condição volátil -a de um governo de base religiosa, mesmo que não abertamente fundamentalista, sob a tutela secular dos estamentos militares incrustados no Estado.
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